sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Porecatu: A guerrilha que os comunistas esqueceram. Marcelo Oikawa.

Uma curta conversa com O Dr. Cláudio Ribeiro sobre a a guerrilha de Porecatu me instigou profundamente. Ele falava da importância do movimento, pioneiro em praticamente tudo, de seu significado  e do total esquecimento deste importante fato histórico pelo PCB, o Partidão. Chegando em casa, acionei o Google e a Estante Virtual. Aí localizei o livro Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram, de autoria do jornalista Marcelo Oikawa, lançado em 2012, pela Expressão Popular. O comprei e deixo hoje aqui a resenha.
O belo livro de Marcelo Oikawa. Expressão popular.

Marcelo realizou um belo trabalho. Somou as dissertações e teses que envolvem o tema, vasculhou os arquivos de Delegacias e Fóruns de Londrina e Porecatu e do DOPS, a imprensa da época e, em síntese, vasculhou tudo o que já havia sido escrito sobre o caso e produziu um belo livro com 401 páginas, divididas em pequenos capítulos. O seu linguajar é contagiante e, por várias vezes, eu me senti como um participante das lutas travadas.

O caso de Porecatu envolve os anos de 1940 até 1951, estendo-se para um pouco além, em função dos inquéritos policiais e judiciais que se seguiram. O caso envolveu a colonização de férteis terras que, com o plantio de café, ganharam rápida valorização e despertaram a cobiça de latifundiários e políticos. Os governos federal e estadual (Getúlio e Manoel Ribas) incentivaram a colonização, prometendo titulação para as terras que efetivamente estivessem produzindo. Os colonos foram atraídos, mas os governos caem e são trocados por Dutra e Lupion. Lupion vende estas mesmas terras para os grandes e o conflito está instaurado. E o PCB entra na história, trazendo táticas de guerrilha de Mao para a região. O conflito é generalizado. As cidades envolvidas são: Jaguapitã, Guaraci, Centenário do Sul e Porecatu, como o epicentro.

Vou selecionar dois depoimentos que sintetizam a história. O primeiro é de Antônia, esposa de José Billar, o primeiro dos colonos que chega, em entrevista para a Revista O Cruzeiro, de 14 de julho de 1951. Escreve o repórter: "- Não era uma La Passionária que tínhamos pela frente, mas uma mulher sucumbida pelo sofrimento e pelas privações. A dor está presente nos seus gestos, no seu olhar e até no seu sorriso. O seu depoimento foi todo entrecortado por lágrimas. Ela revivia as passagens mais cruéis de sua vida.

-Não pensem que foi o meu marido que me mandou aqui. Não o vejo há muitos meses. Recebi instruções para falar com os senhores. E vim porque ainda não perdi a fé em Deus e acredito que há homens de boa vontade que queiram nos ajudar, que desejem contribuir para que a paz volte a reinar neste sertão. Vou lhes contar a nossa história que é mais ou menos a história de todos os posseiros. Verão que não somos bandidos, nem assassinos, nem políticos. Que apenas lutamos pelos nossos direitos, pela nossa terra. Chegamos aqui há mais de dez anos. Tudo era virgem. Para buscar mantimentos, tínhamos que montar em lombo de burro e cavalgar mais de 100 km até Presidente Prudente. Derrubamos o mato, erguemos as nossas casas, fizemos os nossos roçados. A civilização chegou depois. E viemos com a situação legalizada. Procuramos antes o Departamento de Terras em Londrina, onde nos informaram que estas terras eram do governo e que o governo venderia aos colonos os lotes que eles ocupassem e plantassem. Temos o protocolo, temos o recibo de vinte e cinco contos que pagamos ao governo, temos os recibos dos impostos que durante dois anos nos cobraram. Ninguém pode imaginar como éramos felizes, como vivemos despreocupados por oito anos. Formamos cafezais, milharais, plantamos feijão, arroz, criamos porcos, galinhas e também o nosso gado. A família também cresceu, prosperou como tudo. Nossos filhos eram cinco. Em 1948 já éramos em 25. Quatro barracas abrigavam a nossa gente. Aos domingos todos vinham comer em casa e passávamos o dia contando histórias para os nossos netinhos. Estávamos no mundo de Deus.Até que um dia - em 1947 - a polícia chegou" (páginas 192-3).

A história é comovente e triste. E muitos erros foram cometidos. O governo quis negociar, sendo governador, agora Bento Munhoz da Rocha Neto, mas o PCB tinha um projeto de poder e não o de resolver este problema camponês. Mas vamos a mais uma história, esta retirada de um manifesto da vereadora curitibana Maria Olímpia Carneiro Mochel, do PCB, com a visão do Partido, obviamente.

"... Afirma que os posseantes de Porecatu não são intrusos, são homens do povo, lavradores honestos e trabalhadores que vieram para a região entre 1940 e 1942 trazidos pelo interventor Manoel Ribas. Que eles requereram  suas terras e fizeram as posses, plantaram café e cereais, ali vivem há muitos anos, mas que as terras valorizaram e despertaram a cobiça de deputados, políticos, negocistas, a começar por Lunardelli, grande proprietário de terras no norte do Paraná. Que, incapaz de cumprir as promessas eleitorais, Bento Munhoz baixou um decreto de desapropriação dessas terras propositadamente confuso e que não foi cumprido até agora. Que nomeou uma comissão de donos de terras interessados em grilos e que jamais foi a Porecatu..." (256) e por aí segue o manifesto, nominando os membros da comissão. Um dos jagunços notáveis que aparece citado várias vezes ao longo do livro, que depois virou fazendeiro e até, pasmem, deputado estadual, foi Fuad Nacli.

A pacificação só voltou à região após quatro expedições militares e pela desconfiança que os colonos passaram a ter com relação a orientação dada pelo Partidão. O Capitão Carlos, o comandante, enviado pelo Partido, delatou a todos. Em vez de acordo propôs a radicalização. Até assalto a banco propôs. Isso tudo é discutido em profundidade neste belo livro.

A importância do movimento está no seu caráter pioneiro, surgindo desta região e deste movimento a formação das primeiras Ligas Camponesas e os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais. Já a presença do Partidão, que estabeleceu fortes bases na cidade de Londrina, ajudou a organizar as bases de vários sindicatos de trabalhadores urbanos na cidade e na região. Dois nomes ganharam grande projeção. O médico Dr. Newton Camara e o Véio Mané, Manoel Jacinto Correia, que se elegeram vereadores em Londrina. Creio que muitos londrinenses ainda se identificam com estes nomes. 

Muitos camponeses permaneceram no local, outros se espalharam pela região, aceitando terras em outros locais que lhes foram ofertadas nas negociações com o governo, em Campo Mourão, Paranavaí e Umuarama. Muitos voltaram para São Paulo e outros ainda se engajaram na militância do PCB. Foi também a primeira atividade camponesa do partidão e a primeira ação em termos de ação militar após a Intentona Comunista de 1935. Ela surgiu em torno de posições assumidas pelo Manifesto de Agosto de 1950 do PCB, manifesto anexo ao livro.

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