quarta-feira, 29 de março de 2017

Doutor Jivago. Boris Pasternak. O Livro.

Há muito tempo tinha vontade de ler Doutor Jivago. Já tinha visto o filme várias vezes, o que sempre mais me despertou a curiosidade em lê-lo. Tomei a firme decisão, ao ver o livro numa lista de Vargas Llosa, sobre os nove maiores livros da literatura mundial de todos os tempos. Comprei a edição da BestBolso, edição de bolso, portanto. A tradução é direta da língua russa e foi feita por Zoia Prestes, tem prefácio de Marco Lucchesi e tem 751 páginas. O livro contem também as poesias de Pasternak.
A edição de Doutor Jivago da BestBolso. 751 páginas.


Vamos situar primeiramente o autor. Pasternak nasceu em 1890 e morreu em 1960. Foi um testemunho vivo dos maiores acontecimentos da história da humanidade, ao menos naquilo que se refere às suas grandes tragédias. O fim do czarismo russo, a primeira guerra mundial, a Revolução Comunista de 1917, a guerra civil que a seguiu, e, ainda, a própria Segunda Guerra Mundial. Todos estes episódios serviram de cenário para a sua grande obra prima. Ele pertencia aos quadros da nobreza.

Doutor Jivago aparece pela primeira vez na Itália, onde o livro foi publicado em 1957. Isso não fora possível na União Soviética devido aos problemas com a censura. Já em 1958 Boris Pasternak foi laureado com o Prêmio Nobel, prêmio que foi impedido de receber, também em função do regime soviético. Na Rússia ele foi publicado oficialmente, apenas em 1988, já no tempo da abertura política daquele país. Pasternak figura entre os grandes romancistas russos, e é colocado em nível paralelo a Dostoiévski e Tolstói.

A grandeza do livro está na descrição psicológica dos personagens, todos marcados por grandes conflitos. Conflitos amorosos e afetivos, psicológicos e religiosos e acima de tudo ideológicos, prevalecendo sempre a força da individualidade. Todos os grandes escritores russos aparecem ao longo da obra e com eles Pasternak mantém belos diálogos.

O romance é uma das grandes fontes para se estudar a história europeia da primeira metade do século XX.  Primeiro a guerra russo japonesa dos anos 1904 - 1905, depois a Primeira Guerra Mundial 1914 - 1918, as revoluções russas de fevereiro e outubro de 1917, a guerra civil dela decorrente, chegando até a Segunda Guerra Mundial. O grande tema é a privação e o sofrimento trazidos por estes conflitos, que definitivamente sepultaram as esperanças da humanidade em torno dos progressos trazidos pela racionalidade. A Revolução Russa marca a divisão do romance em suas duas partes.

Em meio a este cenário vão sendo construídos os grandes personagens do romance. Eles aparecem no início do livro, em lista. É bom verificar, pois sendo o romance muito extenso e, muitas vezes eles aparecerem com seus apelidos, é interessante verificar - para não se perder, entre tantos outros personagens mais periféricos. Os dois personagens centrais são obviamente o Doutor Jivago e Lara. Jivago é Iúri Andreeivitch e Lara é Larissa Fiodorovitch. Dois outros personagens também merecem atenção. São eles Antipov, Pavel Pavlovitch ou Pacha, que depois reaparece como Strelnikov que é o marido de Lara e Antonina Aleksandrova, a Tônia, a esposa de Jivago.

Outro personagem sempre presente é Komarovski, um inescrupuloso mas influente advogado de Moscou, que seduziu Lara em seus ternos anos e que reaparece, já ao final da história. A guerra, a Revolução e a guerra civil destroça todas a relações afetivas e amorosas. E é nestas circunstâncias que ocorre a grande paixão do romance e que torna Jivago e Lara os grandes personagens do romance. Eles se encontram apenas na segunda parte, embora já se tenham visto na primeira, chegando, inclusive, a trabalhar juntos, ele como médico e ela como enfermeira. Eles se encontrarão nos confins da Rússia, para onde fugiram de diferentes maneiras, para se protegerem do sistema. Iuriatin e a pequena Varikino servem de cenário para as dúvidas, sofrimentos e alegrias do casal que se apaixonara perdidamente. Um grande amor temperado com muito sofrimento. O casal se separa em ação aparentemente protetora de Komarovski.

Não poderia haver final feliz num romance desta natureza, em meio a estes terríveis cenários. A decadência de Jivago o leva quase à loucura e um ataque cardíaco fulminante, por conta de um enorme esforço, lhe ceifa a vida.  Por muita coincidência Lara o encontra em sua morte. Lara conta aos amigos de Jivago o seu triste final, mas o narrador praticamente oculta os seus tristes momentos vividos com o terrível Komarovski.  Depois ela simplesmente desaparece. Já estamos ao final dos anos 1920. Existem duas referências explícitas ao período da Nova Política Econômica (NEP), mostrando-a como uma época de muita confusão e, nenhuma referência a Stálin.

A narrativa, em um epílogo, nos leva até o ano de 1943, já em plena Segunda Guerra Mundial. Lá encontraremos Gordon e Dudorov, amigos de Jivago. Aparece também o general Jivago, irmão de Iuri, que encontra Tânia Larissa, filha de Lara, que conta a ele as suas desventuras de filha em tempos de aflições. Era a filha de Iuri com Lara.

Termino com uma citação do epílogo que reflete o caráter ideológico da obra. A considerei a mais explícita no que se refere à posição de Pasternak com relação ao regime. Quem a profere é um dos amigos de Jivago; "Acho que a coletivização foi um erro e um fracasso e, que porque isso não podia ser admitido, tínhamos que usar todos os meios de intimidação, desacostumar as pessoas a julgar e pensar, forçá-las a ver algo inexistente e provar o contrário da evidência" (Página 693-4).

A obra foi levada ao cinema, em 1965. O filme se tornou praticamente mais famoso do que o livro. Ganhou vários prêmios e foi imortalizado pela música - pelo Tema de Lara. Sobre isso falo em outro post.

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