quinta-feira, 12 de abril de 2018

Carta a uma professora. Pelos rapazes da escola de Barbiana.

Lendo o livro Carta a um jovem professor, de Philippe Meirieu me reencontrei com outro livro - Carta a uma professora - pelos rapazes da escola de Barbiana, - que eu conhecia dos anos 1970/80. Ele foi escrito no ano de 1975. Meirieu falava da importância do livro, e, após uma consulta à Estante Virtual, consegui encontrar um exemplar. O comprei e o reli. Ele realmente é extraordinário, especialmente, pela força de suas denúncias contra todo o sistema. Faz repensar a escola como um todo.
O raro livro escrito pelos rapazes da escola de Barbiana. Edição portuguesa de 1975.

O narrador do livro é um coletivo de alunos da Escola de Barbiana, da Toscana, da cidade de Florença, na Itália. Ela é uma escola preparatória para os cursos de formação de professores. Entre os alunos narradores está o Gianni, usado ao longo do livro, como o menino símbolo da exclusão escolar. O seu oposto é Pierino, o filho do doutor. Para escrevê-lo, houve vários encontros nos quais ele encontrou forma e unificação. Aí ganhou um único narrador, uma espécie de porta voz. Mas, a principal atribuição de autoria coube ao Gianni, conforme lemos ao final da narrativa: "E veio (o Gianni). Leu-a. Apontou-nos as palavras e as frases muito difíceis. Pediu-nos que reforçássemos uma ou duas bolas bem mandadas. Ajudou-nos a pô-la a si (a professora) no banco dos réus. Praticamente é ele o autor principal".

Ainda, segundo o narrador, a carta/livro é uma vingança, a segunda do grupo. A primeira foi o esforço em não desistir; "Mais uma vez a senhora professora me lixou; aliás para si, isso é tão fácil como cuspir para o chão. Mas não pense que me dou por vencido. Hei de ser professor e verá como sei dar aulas muito melhor que a senhora". Creio que estas duas citações já nos familiarizam com o teor do livro, uma áspera crítica à escola como um todo, com alguns enfoques mais graves, em particular. A exclusão é o maior de todos eles.

O livro é dividido em duas partes: A primeira tem como título, ou assertiva de que a escola obrigatória não tem o direito de reprovar. A segunda continua com o tema continuam a chumbar na "normal", mas... Na primeira parte encontramos alguns subtítulos como os montanheses. Nele são descritos os camponeses, a sua relação com a escola e a perspectiva de nela não se darem bem. Continua com os rapazes da vila, que estão dentro da mesma perspectiva e que muito cedo serão mandados para os campos ou para as fábricas, numa naturalidade e normalidade que não causam nenhum tipo de constrangimento e indignação. A escola é, em seu todo, um processo de seleção e em consequência, de exclusão.

Seguem outros títulos que examinam a realidade desta escola, como os exames, o novo ensino secundário, estatísticas. A força do texto continua na análise dos mecanismos de exclusão, como a linguagem inadequada, os exames e os chumbos, a repetência e os abandonos. O mesmo tom continua, - Não nasceram iguais e que, por isso, para serem iguais, precisam ser tratados de forma desigual. Continua com questionamentos aos professores, era o seu papel e com as incômodas questões sobre - se a seleção serve a alguém, sobre  o patrão e faz ainda uma interrogação sobre - se a seleção atingiu os seus fins. Ainda sobra espaço, talvez para a mais incômoda das perguntas, por quem o faz? A partir desse momento abre-se espaço para a apresentação de alternativas, as reformas que propomos.

Estas alternativas, basicamente, são três. A primeira é absolutamente enfática, não haver mais chumbos, onde encontramos a afirmação categórica de que a escola que reprova não é digna deste nome. A segunda, tempo inteiro é a proposta da escola em tempo integral e o que nela fazer, além do como fazer. A terceira é a discussão em torno de um fim, para a escola, obviamente.
Este livro marcou o meu reencontro com Carta a uma professora.


Na segunda parte existem alguns dados comparativos sob o título Inglaterra, quando o narrador vai a este país para estudar e trabalhar. Depois volta ao tema da exclusão sob o título de seleção suicida, para continuar com outro intrigante tema que é a discussão sobre a vocação e a profissão do professor, em o fim. Nele são abordados os temas de a cultura de que precisamos e a cultura de que os senhores precisam e sobre o processo criminal representado pela exclusão sob os mais diferentes pontos de vista. Os complementos vem com infecção, o correio e desinfecção. Há uma bela proposta sobre a inclusão dos evangelhos no currículo escolar, sob a justificativa de que "é que Jesus sempre foi muito amigo dos pobres e pouco dos bens".

Os dados finais, já os apresentei no início do post, de que a teimosia em continuar estudando e a escrita desta carta foi a forma que os alunos encontraram para se vingarem da professora ou da carga cultural que ela representa e simboliza. O livro é uma provocação (pró-vocare - chamar para) para um grande repensar da escola. Ela precisa ser vista sob a ótica da formação dos filhos da classe trabalhadora e da superação de sua concepção como reprodutora das estruturas sociais existentes, sob o chumbo da lei da gravidade social representada pela exclusão. Deveria ser leitura obrigatória em todos os cursos de licenciaturas e presente em todos os debates pedagógicos das escolas.


Mais duas frases: "E depois, enquanto ensinava, também me fartava de aprender coisas (o aluno/professor).
Por exemplo, aprendi que o problema dos outros é igual ao meu. A política é a gente conseguir fazer as coisas todos juntos, a avareza é fazê-las sozinhos.
.... A senhora professora dirá que estas coisas não são nada do outro mundo. Mas o que é certo é que não faz o mesmo pelos seus alunos. Nunca lhes pede nada. Ou melhor, pede-lhes; manda-os fazer sozinhos o caminho deles". Página17.

" Há certa gente a quem a igualdade faz perder a cabeça".

"A ideia de gênio é uma invenção burguesa que está intimamente relacionada com o racismo e com a preguiça". Página 144. Eu prometi duas frases, uma delas, tome como gorjeta. São belas demais. Devem ser algumas das 'bolas bem mandadas'.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.