sexta-feira, 27 de abril de 2018

Tempos de cigarro sem filtro. José Maschio.

Meu amigo Cláudio Ribeiro me manda um convite meio insistente. O professor Paixão me manda um WhatsApp me oferecendo carona. E assim fomos ao lançamento do livro do jornalista José Maschio, Tempos de cigarro sem filtro. Mesmo, sem nem sequer ver o livro, mas por conhecer bem o Cláudio, imaginei se tratar de um livro com denúncias do tempo do regime militar. Não deu outra. Os tempos dos cigarros sem filtro, Continental e Mistura Fina, eram os anos de chumbo do regime militar. Passamos um final de tarde e início de noite muito agradável. Entre conversas, cervejas e autógrafos fomos nos conhecendo.
O sem filtro é uma referência aos anos de chumbo.



Cláudio Ribeiro e José Maschio são amigos de longa data. Cláudio é um dos homenageados do livro, junto com Aluizio Ferreira Palmar e Zélia Passos, além de uma referência à memória de Bacuri e Onofre Pinto, combatentes mortos pela causa da liberdade. Bacuri e Onofre são personagens do romance. Na página da homenagem e da memória lemos também uma bela frase em epígrafe: "Coração vermelho // Bate à esquerda // Avoa feito balão."

Na contracapa encontramos uma frase que nos fornece uma boa pista para a leitura. É interessante, na leitura, seguir mais de perto o personagem Ruço (não se trata de erro, nem de grafia, nem de digitação). Certamente ele terá alguma proeminência. Mas vejamos a frase: "E Ruço descobriu-se homem. Não mais o molambo magrelo. Não mais brincadeiras com o amigo Lozinho. Hora de crescer, que na vida tem hora para tudo. Até para o embrutecimento".

Na página 140 encontramos outra frase significativa para acompanhar com mais facilidade o narrador, que por sinal, assume a voz de diversos de seus personagens: "Ao contrário dos camaradas, Ruço não havia optado pela luta armada. Tinha sido natural seguir o pai (anarquista), o espólio do pai. Herança do pai era isso. Não atinou com ideologias".

Pronto, já encontramos o fio condutor. Dois meninos, Ruço e Lozinho, precocemente homens, na luta pelo sustento de suas vidas. Outros personagens serão envolvidos. O polaco Jaso e a sua Maria, a mãe de Lozinho, que ganhava a vida, vendendo a sua. Estes são os personagens bons, que vivem até alguns bons momentos, de conforto material, vindos junto com o milagre econômico, do gordo ministro do governo do Carrascoazul. Os do mal, são o delegado e seu agente Negão. São famosos pelo medo que impõem à população, pelos seus métodos de tortura. São os personagens que hoje se autointitulariam de "gente do bem". O delegado chegou até a se eleger deputado pelo MDB, a oposição consentida pelo regime. (Juro que eu não queria, mas, me lembrou o MDB ou a Arena quatro, como me chegaram informações sobre a conduta do MDB de Londrina).  

Os personagens bons vivem de seus trabalhos, difíceis e mal remunerados. São pessoas simples e diretas e, acima de tudo, decididas. Rápidas em suas decisões. Formam uma teia de relacionamentos, nem sempre condizentes com a moral cristã, difícil de ser cumprida até pelo padre branquela, que dirá eles, forjados nos acasos da vida, muitos deles no bar da Jurema. Pessoas perdidas que se complementam. Já os personagens do bem, ostentam uma bela fachada atrás da qual escondem suas vilanias, agravadas com os super poderes do regime.

Não irei adiantar a vocês os enlaces das ricas narrativas. Vou apenas enaltecer a leveza da linguagem e as frases curtas e coloquiais. Muitas vezes me senti envolvido na trama, feito personagem, a espreitar os acontecimentos. Mas, vamos voltar ao Ruço. Ele recebe notícias de seu pai, melhor, de sua morte, através de um mensageiro. Ele o segue, em busca de vingar a sua memória. Vai para o sul e se integra a uma célula da luta armada. Em meio a esse tempo também volta ao local de origem para vingar seus amigos, o Lozinho e o Jaso.
No lançamento, com o autor e amigos.

O Ruço, ao final da narrativa, praticamente fica só. Se foram os seus companheiros de infortúnio e de difíceis trabalhos, como também se foram os companheiros de luta pela liberdade. Só sobrou Cacá, a viúva que tivera Lozinho como companheiro. Mas entre o intumescer do desejo e a memória do fiel companheiro..........Os anos eram mesmo os de cigarro sem filtro e os tempos eram os tristes tempos de chumbo do regime.

A alegria do encontro com o autor e amigos se repetiu na satisfação da leitura deste magnífico romance que aviva a memória de tempos difíceis e cuja volta jamais poderemos desejar e, muito menos, permitir. A fumaça dos cigarros, sem filtro, já é novamente sentida e o seu cheiro não é nada agradável.Pessoas embrutecidas estão a nos rondar.




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