terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Budapeste. Chico Buarque.

A atual situação política brasileira me proporcionou uma grande mudança de hábitos. Deixei de frequentar ambientes que reuniam elevado PIB de ignorância, e os troquei por outros, em que as conversas fluem, envolvendo, preferencialmente, temas políticos e culturais. Confesso que obtive grandes ganhos.

Num dia desses, as conversas envolveram uma viagem que fiz pela Alemanha e por uma série de capitais que foram o grande palco dos acontecimentos do início do século XX e que ainda preservam todo o seu charme histórico. Estávamos falando, particularmente, de Budapeste, um dos monumentos do Império austro-húngaro. Contava das grandes diferenças do povo húngaro com relação aos seus vizinhos, sobre a sua origem oriental, sobre os seus costumes e tradições e da atual situação política, em que impera uma rigorosa censura à imprensa. O país até mereceu uma visita da ministra brasileira que disse ter visto Jesus na goiabeira. Questão de afinidades.

Na mesa ao lado, um moço estava entretido com o seu lanche, mas que, ao ouvir falar da Hungria, entrou na roda de conversa nos falando do orgulho magiar em torno de sua língua, tida como uma das mais complexas e mais difíceis de aprender e fez referência ao romance de Chico Buarque, Budapeste. Foi assim que retomei a minha viagem e fui conhecer melhor a encantadora cidade e descobri que dela não conhecera praticamente nada, apesar dos encantos que ela me provocara.
O livro do Chico Buarque. 2017. 2ª. edição. 27ª. reimpressão.

Li o romance escrito pelo Chico em 2003. Ele tem uma estrutura narrativa complexa, alternando os cenários entre o Rio de Janeiro e Budapeste. Os livros, ou os seus autores, são o grande tema. Autor e personagem se confundem. Mas a beleza do livro não está na história contada, mas sim, na beleza de sua escrita, totalmente imbuída de poesia. José Costa ou Zsoze Kósta é o personagem central. José Costa e o seu amigo e colega de escola, Álvaro, tinham uma especie de agência de publicidade, que entre outros trabalhos, também escreviam livros, especialmente biografias ou livros de memórias, vendendo a autoria para endinheirados, obviamente. O Ginógrafo, retratando a vida de um alemão, fez extraordinário sucesso.

Mas como o José Costa foi parar em Budapeste? Assim começa o romance. Numa viagem de Istambul para Frankfurt, com escala em Budapeste, por problemas técnicos o avião foi retido na cidade por uma noite. Foi o suficiente para que José se envolvesse e começasse a gostar do idioma do país magiar. Soube-se depois que o problema não era técnico. O que houve, foi suspeita de bomba. O terrorismo grassava solto pelo mundo. Mas José conseguiu voltar tranquilamente ao Rio de Janeiro, onde a vida do cotidiano o atormentava. Como não aprendera nenhuma palavra húngara, a não ser Lufthansa, ele teimou em voltar para aprendê-la.

Kriska ou Cristina foi sua professora e algo a mais. Antes, no Rio de Janeiro, conhecera o sucesso de um livro seu, de autoria de Kaspar Krabe. Em pouco tempo Zsose domina a língua e escreve um livro de poesia para um notável escritor de nome Kocsis Ferenc. Mas a vida não lhe era fácil. Brigou com Kriska e o flagraram como imigrante ilegal, e devidamente, o deportaram. De volta ao Rio de Janeiro, só desencontros e amarguras. Esse quadro se altera quando recebe um comunicado do consulado da Hungria junto com um envelope que continha uma passagem para Budapeste, que tinha como remetente a maior editora da cidade. Zsose Kósta virara um famoso escritor húngaro.

Escolho algumas referências ao livro, contidas na orelha da capa. A mais precisa, no meu entendimento é a de Beatriz Resende, do Jornal do Brasil: "À maneira dos relatos de Cortázar ou das narrativas do Borges de Ficções [em Budapeste], cada vez mais, narrar e ser narrado confundem-se, como se confundem autor e personagem, criador e criatura". Deixo também a opinião de dois notáveis escritores. José Saramago e Luís Fernando Veríssimo. Começamos por Saramago:

"Chico Buarque ousou muito, escreveu cruzando um abismo sobre um arame e chegou ao outro lado. Ao lado onde se encontram os trabalhos executados com mestria, a da linguagem, a da construção narrativa, o do simples fazer. Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro".  E o Veríssimo: "O livro do Chico é uma vertigem. Você é sugado pela primeira linha e levado ao estilo falso-leve, a prosa depurada e a construção engenhosa até sair no fim lamentando que não haja mais, assombrado pelo sortilégio deste mestre de juntar palavras. Literalmente assombrado".

E quanto a mim, quero registrar os ganhos com a troca de ambiente. Trocar locais de elevado PIB de ignorância por elevado PIB de cultura, só poderá te trazer ganhos, muitos ganhos. Ah sim. O fato se deu no Gilda Bar e Restaurante, local que recomendo. Deixo ainda o link do post da visita à Budapeste.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/08/europa-2019-9-budapeste-e-hungria.html



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.