terça-feira, 17 de março de 2020

Paulo Freire e o socialismo. Quem influenciou o seu pensamento?

Este é mais um post, a partir do livro de Sérgio Haddad, O educador um perfil de Paulo Freire. Inicialmente vou fazer algumas observações gerais, para depois concentrar no capítulo final do livro, que tem por título "Minhas reuniões com Marx nunca me sugeriram que parasse de ter reuniões com Cristo".
O traçado de um belo perfil do educador Paulo Freire.

A primeira marca mais visível na formação de Paulo Freire é o cristianismo, uma herança de sua mãe. O catolicismo de Paulo ia além da caridade e do assistencialismo, fortemente impregnado no cristianismo, para ir além, na luta por direitos e uma sociedade justa. Era o tempo da realização do Concílio Vaticano II, dos documentos progressistas dos papas João XXIII e Paulo VI e da formulação da Teologia da Libertação, um cristianismo aliado à justiça social. Paulo sempre refletia sobre o seu trabalho. Isso se aprofundou quando trabalhou junto ao SESI, onde entrou em contato muito próximo com os pobres da cidade de Recife.

Depois de Angicos veio o exílio na Bolívia (por pouco tempo) e no Chile. Lá foi trabalhar no INDAP, junto a Jacques Chonchol, da ala esquerda do governo democrata cristão do presidente Frei Montalva. Ampliou o seu contato com o humanismo cristão, recebendo influências de Mounier, de Maritain e de Theilhard de Chardin. Mas aproxima-se também de Marx e Engels, de Sartre, Marcuse, Frantz Fanon, Lukacs e Althusser. Inclusive, torna-se mais adepto de Malcom X do que de Luther King. No Chile escreve os seus dois grande e decisivos livros: Educação como prática da liberdade e Pedagogia do oprimido.

Nunca abandonou os ideais de seus anos de formação. Foram os grandes marcos que o acompanharam por toda a vida. Vejamos os seus últimos registros, em entrevista à TV PUC - SP, um mês antes de sua morte, quando foi perguntado sobre a sua aproximação com o marxismo. Eis uma parte de sua resposta:

" Quando muito jovem eu fui aos mangues do Recife, aos córregos, aos morros, às zonas rurais de Pernambuco, trabalhar com os camponeses, as camponesas, os favelados. Confesso que fui até lá por uma certa lealdade ao Cristo de quem eu era mais ou menos camarada. Mas quando chego lá, a realidade dura do favelado, do camponês, a negação do seu ser como gente, a tendência àquela adaptação, àquele estado quase inerte diante da negação da liberdade, aquilo tudo me remeteu a Marx. Não foram os camponeses que disseram a mim: Paulo, tu já leste Marx? Não, eles não liam Marx. Quanto mais eu li Marx, tanto mais eu encontrei uma fundamentação objetiva para continuar camarada de Cristo. Então as leituras de Marx não me sugeriram jamais que eu deixasse de encontrar Cristo na mundanidade e à procura de Cristo na transcendentalidade".

Num texto interrompido pela morte, posteriormente publicado por Nita no livro Pedagogia da indignação, ele se volta ao assassinato do índio Galdino, queimado por jovens de Brasília. Um texto fortemente marcado pela indignação:

"Tocaram fogo no corpo do índio como quem queima uma nulidade. Um trapo imprestável. Para sua crueldade e seu gosto da morte, o índio não era um tu ou um ele. Era aquilo, aquela coisa ali. Uma espécie de sombra inferior no mundo. Inferior e incômoda, incômoda e ofensiva.

Que coisa estranha, brincar de matar índio, de matar gente. Fico a pensar aqui, mergulhado no abismo de uma profunda perplexidade, espantado diante da perversidade intolerável desses moços desgentificando-se, no ambiente em que decresceram em lugar de crescer.

Penso em suas casas, em sua classe social, em sua vizinhança, em sua escola. Penso entre outras coisas mais, no testemunho que lhes deram de pensar e de como pensar. A posição do pobre, do mendigo, do negro, da mulher, do camponês, do operário, do índio neste pensar. Imagino a importância do viver fácil na escala dos seus valores em que a ética maior, a que rege as relações no cotidiano das pessoas terá inexistido por completo. Em seu lugar, a ética do mercado do lucro. As pessoas valendo pelo que ganham".

Segue depois uma das frases mais conhecidas e marcantes de seu pensamento: Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". No mesmo texto ele ainda continua e, com ela Sérgio Haddad conclui o seu livro biografia:

"Se nossa opção é progressista, se estamos a favor  da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos e o que fazemos. Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a serem sérios, justos e amorosos da vida e dos outros".

Uma última questão. Quando Jango vai a Angicos, participar da aula de número 40, da experiência pioneira de alfabetização de adultos, Jango, em particular, teria depois dito: "Não é possível esconder uma verdade: tanto quanto os coronéis udenistas e pessedistas, os comunistas não toleram o que foi feito em Angicos". Paulo teve muitos dissabores com os comunistas autoritários, aqueles que quiseram fazer da "Ditadura do Proletariado" um regime definitivo. Estes o acusavam de idealista e romântico.

Em suma Paulo era um ser que transbordava em humanidade, bondade e generosidade, profeta da igualdade e da emancipação humana e ardente pregador da esperança e das utopias, de lugares ainda não existentes e que seriam construídos pelos caminhos de uma educação participativa, igualitária, libertária e emancipadora. Paulo se dava bem com as figuras barbudas de Jesus Cristo e de Marx. Seres incompletos no rumo da transcendência, do "ser mais".


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