segunda-feira, 11 de maio de 2020

Nas ruínas do neoliberalismo. A ascensão da política antidemocrática no ocidente. Wendy Brown.

Certamente que existem livros para medir os teus limites. O livro Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente, seguramente, é um deles. Embora os autores referenciais sejam conhecidos, não o são, os que dialogam com eles. Por outro lado, e de uma maneira toda especial, o capítulo IV, fala da realidade dos Estados Unidos, de decisões de sua Suprema Corte, que envolvem as questões morais com as liberdades individuais e econômicas. Assim, eu me refugio em Paulo Freire, para dizer que não existem saberes hierarquizados, apenas existem saberes diferentes.
Um livro que reflete o ódio neoliberal à política, ao social e ao comum.

Acompanho a literatura em torno do neoliberalismo desde os anos 1990, por uma questão de necessidade. Primeiramente, pela atividade sindical, como dirigente estadual da APP-Sindicato. Precisávamos lidar e enfrentar os primeiros governos neoliberais que se firmaram, no Brasil através de Fernando Henrique Cardoso e no Paraná, através de Jaime Lerner. Os enfrentamos, tanto no campo teórico, quanto na prática sindical, se deram através de muitos embates. Eram tempos sombrios, de arraso do social e de perda de direitos, mas nunca fomos tragados por visões fatalistas, de que, as forças que nos oprimiam, seriam forças insuperáveis. Depois foi pelas minhas atividades acadêmicas, na PUC/SP, quando observamos este fenômeno mais de perto no campo educacional.  Creio que adquiri uma compreensão razoável dessa doutrina/ideologia.

Esses primeiros governos promoveram estragos sociais consideráveis, mas não agiam ainda com a violência que os acompanharia mais adiante. Muitos campos do Pacto Social, firmado pela Constituição de 1988, não foram atingidos e não se atentava, ao menos abertamente, contra as instituições ou contra os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Depois conhecemos o interstício dos governos do PT. Embora estes não rompessem com o macro das políticas neoliberais, com as sobras do orçamento, muitas políticas sociais foram feitas. Isso bastou para que esta democracia fosse odiada e o golpe tramado. Esse veio com toda a virulência em 2016.

Então, para entender os rearranjos no interior da doutrina, fui levado à novas leituras. Primeiramente fui a Pierre Dardot e a Christian Laval, com os seus livros A nova razão do mundo - ensaio sobre a sociedade neoliberal Comum - ensaio sobre a revolução no século XXI, livro que pretende ser o antídoto para derrotar a doutrina. Fui ainda ao tema da educação pelo livro de Christian Laval A escola não é uma empresa - o neoliberalismo em ataque ao ensino público. A subjetividade já havia sido sequestrada. O homem do senso comum já pensava de forma neoliberal.

Agora, creio que pela revista CULT, cheguei ao livro de Wendy Brown Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. Wendy Brown é professora de ciência política na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Vamos, primeiramente, nos ater ao título e sub-título do livro: nas ruínas e o antidemocrático. Na introdução marquei uma definição, ou um conceito de neoliberalismo, assim como ele é concebido neste livro: "O termo 'neoliberalismo' foi cunhado no Colóquio Walter Lippmann em 1938, uma reunião de acadêmicos que lançou as bases político-intelectuais daquilo que uma década depois se tornaria a Sociedade de Mont Pélerin. O neoliberalismo é mais comumente associado a um conjunto de políticas que privatizam a propriedade e os serviços públicos, reduzem radicalmente o Estado Social, amordaçam o trabalho, desregulam o capital e produzem um clima de impostos e tarifas amigável para os investidores estrangeiros". Isso não se faz, obviamente pela via democrática. O neoliberalismo, para implementar suas políticas, não tem nenhum pudor em recorrer ao uso da violência.

Se o título do livro choca, imagina então, os títulos dados à introdução e aos capítulos: Eu os apresento: Introdução. É o sub-título do livro: A ascensão da política antidemocrática. Capítulo 1. A sociedade deve ser desmantelada. Capítulo 2. A política deve ser destronada. Capítulo 3. A esfera pessoal e protegida deve ser estendida. Capítulo 4. Bolos falam; centros de gravidez oram. Capítulo 5. Nenhum futuro para homens brancos: niilismo, fatalismo e ressentimento. Vamos a um breve comentário.

No capítulo 1, o ataque frontal se dá às palavras democracia, igualdade e social. Essas palavras devem ser retiradas do imaginário social. Fala do tripé da modernidade como sendo o Estado-Nação, o capitalismo e a democracia. Dessas, a democracia é o elo mais frágil e por onde começam os ataques. O Estado-Nação não deve ser o responsável pela execução da justiça social. Os autores, para o exame da questão, serão Hayek e Hannah Arendt. De Hannah, ela fala que ela em nada ajudou.São as políticas afirmativas do indivíduo, da liberdade individual.

No capítulo 2 prega-se a destruição do Estado administrativo. Ele deve ser substituído pelo Estado burocrático. Os autores trabalhados agora são Hayek, Friedman e os ordo-liberais alemães. Existe uma pregação de ódio à política porque ela pode levar às políticas democráticas e a democracia pode se transformar em "excesso de democracia". Assim já o havia preconizado Rousseau, com o conceito de Vontade Geral e Soberania Popular. Isso geraria uma "democracia totalitária". A autora conclui que quatro décadas de neoliberalismo, de cultura política antidemocrática, levaram a um liberalismo plutocrático autoritário e a uma fúria popular.

Do capítulo 3 vou destacar duas referências. A frase em epígrafe, retirada de um discurso de Hayek na Sociedade de Mont Pélerin, no ano de 1984: "Há [...] uma herança moral, que é uma explicação para a dominância do mundo ocidental; uma herança moral que consiste essencialmente na crença na propriedade, na honestidade e na família, todas coisas que não pudemos e nunca fomos capazes de justificar intelectualmente de modo adequado [...] Devemos retornar a um mundo em que não apenas a razão, mas a razão e a moral, como parceiras iguais, devem governar nossas vidas, onde a verdade da moral é simplesmente uma tradição moral, a do ocidente cristão, que criou a moral na civilização moderna". Esse casamento entre economia e moral tem um objetivo bem claro. Desresponsabilizar o Estado e responsabilizar o indivíduo e a família pelas funções sociais atribuídas ao Estado, no Estado de bem-estar social. Á associação com a moral se dá, porque a moral leva à culpa, a culpa pelos fracassos. É a origem e a fonte do discurso religioso/conservador dos neoliberais.

O capítulo 4 tem um título bem estranho. Bolos falam e centros de gravidez oram. Vou apenas fazer uma referência do que se trata. É uma referência a questões levadas à Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos, envolvendo a confecção de bolos de casamento, de casamentos homo afetivos, misturando as questões da liberdade de iniciativa e de expressão. Já o orar  nos centros de gravidez, são centros de aconselhamento anti aborto, mantidas por entidades religiosas, que usam de disfarces para fazerem pregação anti-aborto. A autora menciona também a questão da ascensão das mega igrejas e o seu envolvimento com as políticas neoliberais e conservadoras. Me permito uma pequena frase: "Não é mais necessário que o indivíduo seja moral, apenas que grite sobre isso".

O capítulo 5 é fabuloso. Ele versa sobre as pessoas. Embora o livro não faça nenhuma referência ao Brasil, vou usar a nossa realidade para ilustrar a situação. Quem são as hordas apoiadoras de Bolsonaro? Como se comportam? São os "seres humanos" produzidos pelo neoliberalismo. Uma análise fantástica e Nietzsche é a grande referência com complementos em Marcuse. Sobre este capítulo apresento a orelha da contracapa do livro.

"Com Nietzsche, Brown mostra como o empoderamento raivoso da extrema direita volta-se contra si produzindo niilismo, ou seja, valor religioso-moral canalizado na lógica da mercadoria. O sujeito torna-se capital humano de cima a baixo quando o impulso de vida, amor e criatividade transforma-se no que Marcuse chamou de dessublimação repressiva, conceito que explica o gozo sentido como subversivo pela nova direita: livre, manipulável, viciado em estímulos e gratificações triviais, o sujeito é não somente desatado libidinalmente e desbloqueado para gozar mais-prazer, mas desobrigado de qualquer relação com o social. Abre-se assim a válvula de outro instinto humano: Tânatos".









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