quinta-feira, 1 de outubro de 2020

A Civilização do Ocidente Medieval. Jacques Le Goff.

 A curiosidade em torno desse livro, A civilização do ocidente medieval, de Jacques Le Goff, veio de uma espécie de diletantismo em torno do tema da afirmação do cristianismo como ideologia dominante no mundo ocidental, e de um grupo de estudos a respeito do tema. Já tenho três posts sobre o tema neste blog. O primeiro se refere ao ato fundador, com São Paulo, no denominado Concílio de Jerusalém. O segundo se refere ao cristianismo como religião de Estado, através de Edito de Milão e do Concílio de Niceia e o terceiro, já retirado deste livro, sobre a expansão por toda a Europa sob o império de Carlos Magno. 

LE GOFF. A civilização do ocidente medieval. EDUSC, 2005. Tradução: José Rivair de Macedo.


Bem, mas vamos ao livro de Le Goff, numa bela edição da EDUSC, a editora da Universidade do Sagrado Coração, sediada em Bauru. Como introdução ao tema, eu citaria a própria introdução que Le Goff escreve para o seu livro, algo em torno de 5 ou seis páginas. Le Goff centraliza a sua obra entre os séculos 10º a 13, período que ele denomina como Idade Média Central. Da introdução tomo os dois últimos parágrafos, perfeitamente ilustrativos, em que aponta para duas realidades:

"A primeira relaciona-se com a própria natureza do período. A Igreja desempenhou aí um papel central, fundamental. Mas é preciso ver que o cristianismo aí funcionou sob dois níveis: como ideologia dominante, apoiada num poder temporal considerável, e como religião propriamente dita. Negligenciar um destes papéis levaria à incompreensão e ao erro. Além disso, no último período da Idade Média, que ao meu ver começa após a Peste Negra, a Igreja teve consciência de que seu papel ideológico passara a ser contestado, o que a levou ao endurecimento que se exprimiu na caça às bruxas e de modo mais geral na difusão do 'Cristianismo do medo'. Mas a religião cristã jamais esteve reduzida apenas a este papel ideológico e de defensora da ordem estabelecida. Foi na Idade Média que nasceu o impulso para a paz, para a luz, a elevação heroica, um humanismo em que o homem peregrino, feito à imagem e semelhança de Deus, esforça-se na busca de uma eternidade que não está no passado, e sim no futuro.

A segunda realidade é de caráter científico e intelectual.  Provavelmente não há domínio da história mais fragmentário no ensino universitário tradicional, na França com certeza, e em vários outros países. Da história geral propriamente dita foi extraída a história da arte e a arqueologia (esta última em pleno desenvolvimento), a história da literatura (seria preferível falar de literaturas neste mundo bilíngue em que as línguas vernáculas se desenvolvem ao lado do latim dos clérigos), a história do direito (também aqui os direitos, pois o canônico foi se constituindo paralelamente ao direito romano renascente). Ora, nenhuma sociedade, nenhuma civilização nutriu paixão tão intensa pela globalidade, pela totalidade, quanto a Idade Média. Para o melhor e para o pior, ela foi totalitária. Reconhecer sua unidade é antes de tudo restituir sua globalidade".

Em suma, um mundo fechado, que insiste em permanecer fechado, mas que é pressionado por todos os lados para as devidas aberturas, especialmente, no campo da economia e das ciências. É o processo histórico em marcha.

Apresento ainda a orelha da capa do livro, que também foca nessa realidade: "Entre a lenda negra de uma 'idade das trevas' e a lenda dourada da 'belle époque' medieval, existe a realidade de um mundo de monges, clérigos, guerreiros, camponeses, artesãos e mercadores que oscilou entre a violência e a aspiração da paz, entre a fé e a revolta, entre a fome e a expansão. Uma sociedade marcada pela obsessão da sobrevivência que conseguiu dominar o espaço e o tempo e que desbravou as florestas, que se aglomerou em torno das aldeias, castelos e cidades, que inventou a máquina, o relógio, a universidade e a nação.

Este mundo rude e conquistador foi o da infância do Ocidente, um mundo 'primitivo' em que as pessoas atuavam na terra com os olhos voltados para o céu, um mundo que introduziu a razão no universo simbólico, que encontrou o equilíbrio na relação entre a palavra e a escrita, que inventou o purgatório entre o inferno e o paraíso.

Da Escandinávia ao Mediterrâneo, do mundo celta ao eslavo, o sistema feudal coloca em evidência as estruturas, as mentalidades, as contradições, os dinamismos e as inércias que a Cristandade latina legou à sociedade e à civilização ocidental contemporânea".

O livro se divide em duas partes. Na primeira, é mostrado o percurso do mundo antigo à cristandade medieval e na segunda é mostrada a civilização medieval. A primeira parte compreende quatro capítulos, a saber: 1. A instalação dos bárbaros (séculos 5º - 7º); 2.A tentativa de organização germânica (séculos 8º-10º); 3. A formação da cristandade (séculos 14-15). A segunda parte, bem mais longa, é formada por uma introdução, sob o título de gênese e mais quatro capítulos: 5. Estruturas espaciais e temporais (séculos 10º-13); 6. A vida material ( séculos 10º-13); 7. A sociedade cristã (séculos 10º-13); 8. Mentalidades, sensibilidades, atitudes (séculos 10º-13). Seguem ainda orientações e referências bibliográficas. Tudo isso ocupa 399 páginas. Leitura indispensável para compreender a história como um processo construído pelos humanos em suas mais diversas movimentações.

Que é Jacques Le Goof? Le Goff nasceu na cidade de Toulon, em 1924, e desde os tempos do colegial sempre se sentiu atraído pelo estudo da história, lemos na orelha da contracapa. Aí também encontramos a informação de que ele é um dos maiores medievalistas e integra a lista dos grandes historiadores franceses. Sua formação e atividades profissionais se desenvolveram na Escola Normal Superior de Paris. Faleceu no ano de 2014.


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