terça-feira, 6 de julho de 2021

O Novo Conservadorismo Brasileiro. Marina Basso Lacerda.

Cheguei a este livro por força de outras leituras, por indicações bibliográficas de leituras em que procurava entender o atual e triste momento da política brasileira. Falo de O Novo Conservadorismo Brasileiro, o livro de doutoramento pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de Marina Basso Lacerda. A relevância do tema e o aprofundamento da pesquisa transformaram a tese no presente livro, que ilumina o atual cenário brasileiro. Marina é advogada e analista legislativa da Câmara dos Deputados. Tomo a liberdade de indicar esta leitura para todos os que buscam uma alternativa de democracia efetiva para o complicado quadro da atual realidade brasileira.

O novo conservadorismo brasileiro. Marina Basso Lacerda. 2019.

O livro tem um prefácio, escrito por Flávia Birolli, uma das integrantes da banca examinadora, uma apresentação com uma visão dos temas pesquisados e o corpo do trabalho dividido em seis capítulos, não numerados e um grande número de subtítulos. O pressuposto básico é que existe uma relação entre o neoconservadorismo surgido nos EUA e os movimentos neoconservadores no Brasil, que culminaram com a ascensão de Jair Bolsonaro como presidente da República. A base de observação da política brasileira é a ascensão e atuação das bancadas evangélica e da segurança pública na Câmara dos Deputados, em sua 55ª Legislatura, que corresponde aos anos de 2015-2018.

O primeiro capítulo, tem por título Neoconservadorismo nos Estados Unidos: histórico e conceito. É um capítulo de fundamentação teórica. O tempo delimitado é o do final dos anos 1970, com a ascensão de Reagan ao poder, até o governo Trump. Lembrando que ao final da Segunda Guerra Mundial imperou o espírito da Guerra Fria. Quem exerceu primordial influência nesse cenário foi a ascensão da "direita cristã", evangélica e católica, na contenção dos avanços das pautas feministas e LGBT. A "direita cristã" era pautada pela defesa intransigente da família patriarcal, do sionismo, do militarismo, do espírito punitivista criminal e da pauta econômica neoliberal.

O segundo capítulo, Defesa da família patriarcal: atuação parlamentar em combate ao feminismo e às demandas do movimento LGBT, traça um paralelo da atuação dos parlamentares nos Estados Unidos e no Brasil. As questões mais sensíveis foram as de conter os avanços em favor da descriminalização do aborto, da diversidade e de barrar os debates nas escolas sobre a homofobia, tidos pelos conservadores como "ideologia de gênero", que, segundo uma afirmação de João Paulo II, pretendia uma alteração da natureza humana. Creio que os leitores brasileiros lembram dos debates em torno do "Kit Gay". Neste capítulo também é traçado um perfil da bancada evangélica, que atua em consonância com os deputados católicos conservadores, contrários à Teologia da Libertação. 

O terceiro capítulo, Idealismo punitivo: atuação parlamentar pelo rigor criminal, mostra o entrelaçamento entre as bancadas evangélica e a de segurança pública, bem como os fundamentos dessa aliança. A defesa da família patriarcal e de seus valores no estabelecimento da ordem e da hierarquia é o principal alvo. Lei e Ordem. Este seria o principal antídoto para o controle da pobreza. Pessoas de bem, pessoas respeitadoras da ordem estabelecida terão mais facilidades no mercado de trabalho. Os itens principais da pauta punitivista são os da redução da maioridade penal, da exposição pública de fotos de menores infratores, da defesa de policiais em casos de abusos ou excessos cometidos, da obstrução à Comissão Nacional da Verdade, da defesa da aprovação das leis anticorrupção e antiterror e a defesa da intervenção militar no Rio de Janeiro. Lembram do bordão "Bandido bom é bandido morto"?

O quarto capítulo, Bolivarianismo e sionismo: Inserção internacional religiosa e anticomunista, trata da pauta da política externa do movimento. A atuação se dá mais pelo discurso do que pelas tentativas de legislação. O bolivarianismo é o substituto do comunismo da antiga União Soviética dos tempos da Guerra Fria. É o comunismo do século XXI. Já o sionismo é definido pela questão religiosa, dos fundamentos do Antigo Testamento, dos valores ali apregoados, comuns a judeus e cristãos. A aproximação com Israel também se dá para afagar a política externa dos Estados Unidos. As divergências históricas entre cristãos e judeus são esquecidas. Lembram do "Vá para a Venezuela"?

O quinto capítulo, Neoliberalismo: atuação parlamentar por desnacionalização, desregulamentação, privatização e  valores de mercado, aborda as questões econômicas do movimento. Os temas trabalhados são os da agenda neoliberal, contida no título do capítulo. Os temas discutidos na Câmara dos Deputados são os referentes a Petrobras e ao Pré-Sal, ainda no Governo Temer, bem como a reforma da legislação trabalhista e da votação da PEC-95, a que limita os gastos públicos. Em vez de políticas públicas, é aplicado o espírito punitivista de caráter penal do Estado neoliberal. Há uma perfeita harmonia entre a direita cristã e o discurso do livre mercado, do empreendedorismo e da meritocracia.

O sexto capítulo, Jair Bolsonaro e o neoconservadorismo quarenta anos depois, mostra a atuação parlamentar do deputado, pautado no discurso conservador, até o seu alinhamento perfeito e total para ser o candidato do entrelaçamento entre a direita cristã, do seu moralismo punitivista e pró-família patriarcal e a pauta econômica do neoliberalismo com os seus apregoados valores do livre mercado.

Deste sexto capítulo eu destaco o seu discurso após a eleição em primeiro turno. Foi um discurso para a sua base, com um ligeiro olhar também para o segundo turno: "Boa noite brasileiros. Primeiro, meu muito obrigado aos quase cinquenta milhões de pessoas que acreditaram em mim no último domingo. O nosso compromisso, a nossa plataforma, a nossa bandeira, baseia-se em João 8:30: 'Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará'. Meu muito obrigado às lideranças evangélicas; aos homens do campo, quer seja do agronegócio, quer da agricultura familiar. Obrigado, caminhoneiros. Obrigado, policiais civis e militares, integrantes das forças armadas. Obrigado, família brasileira, que tanto clama para que seus valores sejam respeitados. E mais ainda, que a inocência da criança em sala de aula esteja acima de tudo. Muito obrigado em especial à região Nordeste, que, apesar de eu ter perdido lá, nunca alguém que fez oposição ao PT teve uma votação tão expressiva como eu tive" (página 193).

Ainda, deste sexto capítulo, quero destacar cinco razões apontadas pela pesquisadora como responsáveis pela eleição de Bolsonaro e a consequente ascensão da direita neoconservadora ao mais elevado cargo da representação política brasileira. Vou apresentar em tópicos: 1. a ascensão e mobilização da "direita cristã"; 2. o combate à ideologia de gênero e a defesa à família patriarcal; 3. Olavo de Carvalho, o auto proclamado "parteiro" da nova direita brasileira; 4. o antipetismo; 5. o argumento neoconservador dos valores cristãos, sólidos e estáveis. Pulso firme e hierarquia.

Ainda dá tempo para apresentar a orelha do livro: "Este livro trata do paralelo entre a ascensão do neoconservadorismo nos Estados Unidos no fim da década de 1970 e o surgimento do novo conservadorismo no Brasil a partir de meados de 2015 - que culmina com a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Neoconservadorismo ou nova direita se refere originalmente à coalisão contrária às políticas de bem-estar social e ao avanço de feministas e LGBTs, que reuniu parcela majoritária do evangelismo, elementos da direita secular do Partido Republicano e intelectuais para a eleição de Ronald Reagan em 1980.

O neoconservadorismo - fundado na tríade militarismo, absolutismo do livre mercado e família tradicional - forneceu o berço ideológico que viabilizou o neoliberalismo no mundo, no laboratório chileno de Pinochet, com os Chicago boys. A retórica da ortodoxia econômica entre nós é possibilitada com o resgate do mesmo ideário, expresso no combate à "ideologia de gênero", na Escola sem Partido, no Estatuto da Família, no fim do Estatuto do Desarmamento, no estabelecimento do teto de gastos públicos com a preservação de juros, na proposta de mudança da embaixada para Jerusalém e na crítica ao "marxismo cultural globalista". Simplesmente - um livro necessário.

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