quarta-feira, 30 de junho de 2021

Arrancados da terra. Lira Neto.

Comprei este livro, tanto pelo autor, quanto pelo tema. Um livro do Lira Neto sempre é garantia de um bom livro. Quanto ao tema, a discussão sobre a presença holandesa em Pernambuco, sempre foi uma questão posta, ao longo da história brasileira. Quanto a presença dos judeus nesta ocupação, o tema passou a me interessar mais, quando fiz uma viagem para a cidade do Recife e me enveredar pela rua dos judeus e me defrontar com a sinagoga ali existente. A leitura não me decepcionou. Estou falando de Arrancados da terra - Perseguidos pela Inquisição na Península Ibérica, refugiaram-se na Holanda, ocuparam o Brasil e fizeram Nova York. O livro é um lançamento da Companhia das Letras, deste ano de 2021.

Arrancados da Terra. Lira Neto. Companhia das Letras. 2021.

Ao final do livro, nos agradecimentos, Lira Neto fala da gênese do livro: "Escrever este livro foi um projeto acalentado ao longo de quase uma década. A ideia original, contudo, era realizar uma biografia de Maurício de Nassau. Ao mergulhar na documentação relativa ao domínio neerlandês em Pernambuco, um tema paralelo foi me chamando a atenção, pouco a pouco, até me desviar por completo do propósito inicial.

A cada nova consulta aos arquivos e à vasta bibliografia sobre o chamado 'Brasil holandês', a saga dos sefarditas que chegaram ao Recife via Amsterdam parecia-me uma história cada vez mais fascinante. Ao vasculhar os rastros daqueles personagens em sua grande maioria anônimos, descobri-me eu próprio um descendente dos cristãos-novos que, perseguidos pela Inquisição ibérica, se refugiaram em terras pernambucanas e, posteriormente, nos sertões do Ceará. 


Na casa do amigo Rodolfo Prates, um brinde com o Lira, em um momento raro e privilegiado.

Tal constatação foi responsável pela mudança de planos. Abandonei a ideia de biografar Nassau e deixei-me enredar pela trama  desses indivíduos em permanente deriva" (Página 319). Um pouco antes, no epílogo, onde são apontados os destinos dos principais personagens, lemos: "Após a reconquista portuguesa do Recife, muitos judeus e cristãos-novos convertidos ao judaísmo no Nordeste brasileiro não puderam ou não quiseram partir do país. Embrenharam-se sertões adentro. Retornaram ao catolicismo ou desenvolveram alguma espécie de cripto-judaísmo, longe do litoral e dos olhos dos espiões do Santo Ofício" (Página 304). Eis as origens do Lira Neto. Ele nasceu na cidade de Fortaleza.

O subtítulo do livro fornece também o seu roteiro. Vejamos atentamente. Perseguidos pela Inquisição na Península Ibérica, refugiaram-se na Holanda, ocuparam o Brasil e fizeram Nova York. Lembrando, para situar o fato na história, que a ocupação holandesa em Pernambuco e seus arredores, se deu entre os anos de 1630 e 1654. Outro fato importante desse período é que Portugal perdera a sua autonomia política por sessenta anos (1580-1640), sendo governado pelos soberanos espanhóis. Era o tempo da chamada União Ibérica. Esse período correspondeu a um dos mais violentos tempos da Inquisição, da qual os judeus foram o alvo principal. Este é o período que corresponde aos Arrancados da Terra. Arrancados de Portugal, eles se estabeleceram na Holanda, país que os recebeu relativamente bem.

A Holanda era nesta época o país mais liberal e tolerante e também o que mais se desenvolvia. Era um período de grande prosperidade comercial. Os judeus a financiavam. Holanda e Espanha viviam em conflito. Outro dado importante desse período foi a existência da Companhia das Índias Ocidentais, empresa que era um misto de empreendimento comercial e militar e a grande responsável pela ocupação, entre outros lugares estratégicos, do nordeste brasileiro. O interesse econômico era o domínio da produção e das rotas comerciais do açúcar e de escravos. Maurício de Nassau foi o governador holandês em Pernambuco entre os anos de 1637 e 1643, o tempo de maior esplendor. 



Fotos minhas, em viagem ao Recife.

Esse foi o momento propício que os judeus sefarditas, isto é, os judeus ibéricos estabelecidos na Holanda, viram para empreender negócios e se estabelecer em novas terras. Muitos deles vieram ao Recife, onde livremente, puderam empreender e professar sua fé. Se organizaram em vida comunitária, fundaram seu cemitério, sua sinagoga e trouxeram, inclusive, um rabino para manter acesa a sua fé. Isso não significa que não sofriam importunações dos calvinistas holandeses com os quais frequentemente se desentendiam, mais por questões econômicas do que religiosas.

Por uma série de razões, os negócios da Companhia das Índias Ocidentais começam a naufragar em Pernambuco, o que permite a ofensiva portuguesa para a retomada desses domínios e a consequente retirada dos holandeses, entre eles os judeus, que se viram novamente diante das ameaças da sempre vigilante Inquisição. Tiveram prazo curto para a retirada. A grande maioria voltou para a Holanda. Um navio porém, toma um destino diferente. Fica praticamente à deriva, aportando nas costas da Venezuela e da Jamaica. Aí 23 judeus contratam um navegador francês que os levaria a Nova Amsterdam, para ali se estabelecerem, junto a outros judeus que ali já habitavam. A Nova Amsterdam, com o posterior domínio inglês sobre a região, passou a se denominar Nova York.

Essa história é contada ao longo de dezoito capítulos, mais epílogo, pós-escrito, agradecimentos, notas e referências bibliográficas, que ocupa as 399 páginas do livro. Aproveito ainda para dar destaque a um outro personagem presente no livro, tanto no Recife, quanto em Lisboa e Amsterdam. Trata-se do famoso padre Antônio Vieira. O foco não são os seus famosos sermões, mas a sua missão diplomática junto a D. João IV, o soberano português, após a Restauração.

Para deixar uma ideia mais precisa do livro, apresento o teor que consta na orelha do livro: "Entre os séculos XVI e XVIII, ser judeu em Portugal e suas colônias significava viver sob um regime de terror permanente. A Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício - órgão policial-judiciário da Igreja católica encarregado do combate à heresia - constituía um autêntico Estado dentro do Estado, com poderes absolutos na repressão a crimes religiosos, dos quais professar o judaísmo era um dos mais graves.

Delatados por inimigos, ou mesmo por parentes sob a coação dos inquisidores, os judeus que recusavam a conversão sumária eram submetidos a prolongadas prisões e torturas. Insistir no 'danado erro' da apostasia levava à fogueira. Restava se esconder ou fugir.

Milhares de sefarditas (judeus ibéricos) deixaram Portugal e se fixaram sobretudo na França e na Holanda. Uma próspera colônia Israelita de origem lusitana se desenvolveu em Amsterdam nas primeiras décadas do século XVII. No enfrentamento da intolerância e a salvo da censura e da repressão, entre os canais da 'Jerusalém do Norte' floresceu uma brilhante geração de rabinos e intelectuais, encabeçada por Menasseh ben Israel (nascido Manuel Dias Soeiro), Saul Mortera e Isaac Aboab da Fonseca - além de pensadores revolucionários como Uriel da Costa e Baruch Spinoza.

Depois da invasão batava no Nordeste brasileiro, na década de 1630, muitos judeus cruzaram o oceano para tentar a vida nos domínios de Maurício de Nassau. Até a expulsão dos holandeses em 1654, os sefarditas de Pernambuco, liderados por Aboab da Fonseca, puderam fundar sinagogas e exercer sua fé livremente, além de prosperar na lavoura e no comércio sob a égide da Companhia das Índias Ocidentais. Com o retorno do jugo português e da Inquisição, eles foram obrigados a recomeçar sua jornada incessante em busca da Nova Canaã.

Dos cárceres do Santo Ofício à esperança do Novo Mundo, este livro mapeia as vidas errantes dos pioneiros que formaram a primeira comunidade judaica das Américas, no Recife, e ajudara a construir Nova York".

Sobre o tema dos judeus na Holanda, apresento também o belo livro Hereges, do Leonardo Padura. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/10/hereges-leonardo-padura.htmlhttp://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/10/hereges-leonardo-padura.html



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.