quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Discurso sobre o colonialismo. Aimé Césaire.

Ao ler Os condenados da terra, de Frantz Fanon, escrito no ano de 1961, me lembrei de um outro livro em que o mesmo tema do colonialismo e do racismo também é diretamente abordado. Trata-se de Discurso sobre o colonialismo, de Aimé Césaire. Além do tema comum, eles também tem em comum o fato de ambos terem nascido em Martinica, um conjunto de pequenas ilhas do Caribe francês. O livro de Césaire é anterior ao de Fanon. Ele é datado do ano de 1950, ainda sob o calor do pós Segunda Guerra Mundial. Deixo a resenha de Os condenados da terra. 

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/03/os-condenados-da-terra-frantz-fanon.html

A edição do Discurso sobre o colonialismo que tenho em mãos é da Letras Contemporâneas (2010), com tradução de Anísio Garcez Homem e apresentação de Cláudio Antônio Ribeiro, dois aguerridos militantes da resistência da esquerda em Curitiba. O livrinho me chegou às mãos por meio de uma querida aluna minha, a Viviane, do curso de jornalismo. Aproveitei o momento para fazer a devida releitura. O tratei como livrinho pelo seu tamanho, que com a apresentação, chega ao total de 85 paginas. Trata-se de um discurso.

Discurso sobre o colonialismo. Aimé Césaire. Letras Contemporâneas. 2010.

Cláudio Ribeiro, em sua apresentação, nos lembra um pouco a história do Haiti, que segundo Eduardo Galeano, teria cometido "o delito da dignidade", quando os negros escravizados proclamaram a sua independência no ano de 1803, uma independência primeira. Essa ousadia lhes teria trazido uma certa "maldição histórica", como eu li numa crônica de Luis Fernando Veríssimo, por ocasião do terremoto de 2010. Cláudio Ribeiro destaca que o livro de Césaire "nos acorda para o fato de que não passa de um velho truque ideológico desumanizar os povos a quem o imperialismo quer saquear as riquezas, tornando-os bestas-feras para melhor justificar a violência e o genocídio".

O pequeno livro tem seis capítulos, ou seis abordagens. No primeiro, das páginas 15 a 19, a abordagem foca os duzentos anos da burguesia europeia, e os classifica como decadentes, feridos e moribundos. E como justificativa apresenta-se sob a forma de hipocrisia e desfaçatez, afirmando que neles, o cristianismo representa a civilização e o paganismo a selvageria. Afirma ainda que o intercâmbio entre os povos é bom, mas nunca ele pode ser realizado pelo colonialismo, no qual nada, simplesmente nada há de positivo.

 o segundo tópico é um pouco mais longo e ocupa as páginas 19 a 36. Nele Césaire faz a listagem das virtudes do colonialismo, como o embrutecimento do colonizador e a assimilação dos valores como a cobiça e o instilar de uma gangrena putrefata da regressão moral, além da prática da tortura. Em suma, foi o responsável por todos os males, que tiveram a sua culminância na figura trágica de Hitler, o seu resultado final. Logo, logo o perdoaram e esqueceram, recomeçando tudo de novo. Não trouxe a prometida igualdade mas a dominação, acompanhada de saques e de destruição. Afirmaram a superioridade racial, o racismo e o trabalho forçado. Instituíram um odioso racismo e mantiveram a velha desigualdade.

No terceiro tópico, da página 36 a 46, é apresentado o mundo após Hitler e monstros semelhantes. Eles se apresentam como burgueses honestos e afirmam que a superioridade racial quando não é cultivada, ela desaparece. A escravização para eles é comparável a doma de um animal selvagem. O racismo é cultivado e cultuado. 

O quarto tópico, mais uma vez, é um pouco mais longo. Nele são apresentados os ideólogos do colonialismo, os seus justificadores. Entre eles estão Mannoni, o psicólogo que apresenta o colonizado sob a necessidade da dependência, o geógrafo Gourou, com a geografia da maldição dos países tropicais e o cristão missionário belga Tempel, que apresenta uma inferioridade ontológica dos povos colonizados, isto é, não europeus. Apresenta a França dos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial como o vômito de Hitler.

O quinto tópico, das páginas 64 a 78, é basicamente destinado a Roger Caillois (1913-1978). Para ele toda a história, antropologia, invenções e todo o progresso é branco. Os demais povos em nada contribuíram para o progresso da humanidade. Apresenta ainda o conceito de governar o mundo como um pesado fardo que os brancos precisam suportar, numa tarefa altamente humanística. É um fardo que acrescenta muitas responsabilidades. A igualdade se apresenta apenas como um direito abstrato e nunca como um fato.

Finalmente, no sexto tópico, das páginas 79 a 85, apresenta o seu conceito final. O perigo das nacionalidades. Tudo não passa de uma repetição da história, da forma como foi construído o Império Romano, num rastro de destruição de tudo o que é diferente e diverso. E apresenta a nova nação colonizadora, o grande perigo do futuro da humanidade sob a dominação dos Estados Unidos.  

Em suma, um libelo condenatório da civilização europeia, ou ocidental e de seus grandes males, que ele jamais conseguiu debilitar, como apontou Cláudio Ribeiro na introdução: "o problema do proletariado e o problema colonial". E por falar no Haiti, coube ao Brasil comandar nesse país uma "missão de paz". Os seus "missionários da paz" se tornaram depois nos grandes auxiliares do desastroso governo Bolsonaro. Que missão salvacionista foi essa?!

Se eu estabeleci uma relação entre o Discurso sobre o colonialismo com o livro de Franz Fanon Os condenados da terra, por suas temáticas semelhantes, Cláudio Ribeiro estabeleceu uma relação do Discurso com o J'Accuse de Émile Zolá, pela importância da repercussão histórica desses documentos.  




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