sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O ódio à democracia. Jacques Rancière.

Hoje irei me ater apenas à introdução deste magnífico livro, O ódio à democracia, de Jacqus Rancière. Esta introdução é maravilhosa, mesmo tendo apenas cinco páginas. A constatação de que existe ódio à democracia, segundo o autor, é antiga, ou melhor, nasceu junto à democracia e até hoje existem setores que a recusam por completo, como é o caso dos fundamentalistas religiosos, que sempre invocam a Deus e a sua palavra como as fontes do poder.
O extraordinário livro de Jacques Rancière, O ódio à democracia.
Rancière inicia a introdução, apresentando uma série de novas demandas da democracia, com alguns fatos de seu país, a França, onde adolescentes se recusam a tirar o véu nas escolas, onde os trabalhadores querem discutir o déficit da previdência, onde os aposentados fazem manifestações pela manutenção do sistema previdenciário e onde o casamento homossexual e a reprodução artificial constituem pauta de reivindicações. Rancière afirma que estes são os sintomas de um mesmo mal e que tem uma causa comum: a natureza da própria democracia, isto é "o reino dos desejos ilimitados dos indivíduos da sociedade de massa moderna".

Ao caracterizar a democracia, Rancière, agora já na análise dos tempos modernos, também define os limites que lhe foram estabelecidos pela ordem burguesa: "a defesa da ordem proprietária". Marx, sem dificuldades, já fazia a sua crítica denunciando que "as leis e as instituições da democracia formal são as aparências por trás das quais e os instrumentos com os quais se exerce o poder da classe burguesa". Assim, na concepção marxista, a luta por democracia tornou-se uma luta contra esta democracia de aparências, para ser "uma democracia 'real', uma democracia em que a liberdade e a igualdade não seriam mais representadas nas instituições da Lei e do Estado, mas seriam encarnadas nas próprias formas da vida material e da experiência sensível".
Foto histórica, em que aparece o jogador Sócrates, na luta brasileira por democracia.

Mas também existem as críticas dentro do próprio âmbito burguês. Ao mesmo tempo em que estes burgueses se declaram democratas, recusam a democracia 'real': "Nenhum reivindica uma democracia mais real. Ao contrário, todos dizem que ela já é real demais" [...] "É do povo e de seus costumes que eles se queixam, não das instituições de seu poder. Para eles, a democracia não é uma forma de governo corrompido, mas uma crise da sociedade e o Estado através dela".

A sua principal acusação é contra a própria América democrática "da qual viria todo o mal do respeito das diferenças, do direito das maiorias e da affirmative action que mina nosso universalismo republicano são os primeiros a aplaudir quando essa mesma América trata de espalhar sua democracia pelo mundo através da força das armas". (A reação foi o "Tea Party".)

Rancière termina a sua introdução afirmando que para os "democratas", em sua concepção burguesa, existem dois tipos de democracia: "O governo democrático, diz, é mau quando se deixa corromper pela sociedade democrática que quer que todos sejam iguais e que todas as diferenças sejam respeitadas. Em compensação, é bom quando mobiliza os indivíduos apáticos da sociedade democrática para a energia da guerra em defesa dos valores da civilização, aqueles da luta das civilizações". E conclui:

"O novo ódio à democracia pode ser resumido então em uma tese simples: só existe uma democracia boa, a que reprime a catástrofe da civilização democrática".
A elite brasileira e o seu ódio à democracia. Janine Ribeiro na apresentação do livro.

As reflexões de Rancière se aplicam muito bem à atual e jovem democracia brasileira. O que a burguesia ou as elites querem da democracia são os instrumentos da ordem proprietária e, nada mais. Como a democracia brasileira foi da democracia representativa para a participativa e ela promoveu alterações na base da pirâmide social, a "má democracia" começou a funcionar. O ódio a Dilma e ao PT, portanto, não se volta contra os possíveis erros cometidos, contra a corrupção, mas contra os acertos de inclusão social que foram praticados. A desestabilização de bases e estruturas centenárias. A ordem democrática não pode ser contaminada pela sociedade democrática.

Deixo ainda com vocês a apresentação brasileira ao livro, escrita por Renato Janine Ribeiro. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2014/10/o-odio-democracia-janine-ribeiro-e-as.html.

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