quinta-feira, 2 de julho de 2015

Memórias Póstumas de Brás Cubas. Machado de Assis.

Recebi uma recomendação de que valeria muito a pena dedicar parte do meu tempo livre à leitura de Machado de Assis. Topei o desafio. Não posso dizer que sou um leigo absoluto no autor. Além de minimamente estudá-lo, passei ao menos por dois livros seus. Memórias póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro. Quis começar pela leitura de uma boa biografia, mas enquanto a busco, iniciei a leitura da obra, exatamente por onde eu já passara.  Como considero essencial situar e datar o autor para contextualizá-lo, digo que Machado de Assis nasceu, mulato e pobre, em 1839 e morreu, reconhecido e bem, em 1908. O livro das memórias de Brás Cubas apareceu como folhetim, em 1880 e, como livro em 1881.
Primeira edição, em livro, de Brás Cubas. 1881. Em 1880 fora publicado sob forma de folhetim.

Para melhor situar Memórias Póstumas de Brás Cubas, vemos que se situa ao final do império, num período de grande instabilidade política, de uma espécie de monarquia parlamentar, que gravitava em torno da formação e dissolução dos ministérios. A questão que mais assombrava era a da abolição. Estes dois temas estão presentes na obra, mais a política, menos a abolição. Em compensação, em poucas linhas retrata a miséria que se apropria do ser humano, na formação do seu caráter, mostrando a pessoa rude do seu cunhado Cotrim, dedicado ao ofício, e do espírito de vingança de seu ex escravo Prudêncio, com os escravos por ele adquiridos.

Brás Cubas é o narrador do romance. A sua voz é muito especial, primeiro por ser um defunto narrador e, segundo por interagir diretamente com o leitor, lhe fazendo embaraçosas provocações. O caráter de defunto o livra de todos os possíveis constrangimentos, tanto da opinião pública, quanto da crítica. As mazelas sociais de sua época ganham uma viva coloração, a começar pelo próprio narrador que vive a pior das fadigas, aquela que não provém do trabalho.
Machado de Assis. 1839-1908. De mulato e pobre a reconhecido escritor.

Se entre a vida e a morte há uma curta ponte (CXXXIV), como afirma o narrador, o que há entre o começo e o fim do romance? Diga-se que o mesmo começa e termina com frases de muito efeito. No começo diz, numa espécie de dedicatória. "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas". Ao final depois de constatar todos os fracassos de sua existência, de que não ficara célebre com o emplasto, que não fora ministro nem califa, nem conhecera o casamento, mas que, em compensação, comera o pão sem o suor do rosto, constata, já do outro lado do mistério, a derradeira negativa de sua existência: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria".

Este último capítulo (CLX), que trata das negativas nos dá pistas sobre o enredo. O emplasto que inventaria o tornaria um cientista famoso e rico e que livraria a humanidade da hipocondria, mas não o inventou. O ministro que não foi, mas poderia ter sido, ocupa a maior parte do enredo, pois tivera berço de nascimento e amigos influentes, como Lobo Neves, casado com Virgília, de quem fora amante por um longo tempo e que lhe perturbou a consciência, esta também perturbada pelos medos e pela repercussão do caso na opinião pública. Chegara porém ao parlamento em que fez belo discurso, vazio porém, de significado. Não foi califa, na qualidade de discípulo da doutrina do humanitismo, inventada pelo amigo de infância, Quincas Borba.
As obras completas de Machado precisam de reedição.


Entre os fracassos também está o fato de nunca ter casado. A morte por febre amarela livrou-o de Nhã Loló, aparentada de Cotrim, o cunhado, casado com a sua irmã Sabina e com quem brigara por questões de herança. Nhã Loló era uma menina muito perspicaz e, sabedora de seus limites, "estudava-se e me estudava" (CXXII), tudo fazia para se adaptar ao narrador que chegou a proclamar "vou arrancar  esta flor a este pântano". Se Brás Cubas não conheceu o casamento, o mesmo não se pode dizer com relação ao amor. Na juventude viveu uma tórrida paixão com Marcela, uma garota de programa, com quem gastara uma fortuna, fato que levou o pai a mandá-lo para Coimbra.

Como vimos, o fato que ocupa a maior parte da narrativa é o caso que o defunto narrador mantém com Virgília, esposa de Lobo Neves, político importante que chegou a presidente de província, querendo levar consigo o amante da esposa, para ser o seu secretário. Não foi, por superstições em relação ao número 13, dia da assinatura de sua nomeação. Lobo Neves não era um homem agressivo, era até manso em suas relações e reações. Brás e Virgília se encontravam numa casinha sob a complacência de Dona Plácida. Quando porém Brás se encontrava com o Lobo Neves parecia que se encontravam o ressentimento deste com o remorso daquele.
Da minha coleção Os Imortais da Literatura Universal.


Uma constatação. Não se faz literatura sem muita leitura. Pela origem de sua condição social, Machado teve apenas formação básica, mas a sua erudição rara. Ele cita e faz trocadilhos com a mitologia grega, passando pela obra de Shakespeare e por toda a literatura clássica. A erudição poderia ter sido uma forma de defesa que encontrou para se afirmar numa sociedade tão elitista e preconceituosa. Da mesma forma também faz uma incursão profunda na psique de seus personagens. Com Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado marca a transição ou a passagem de sua fase romântica para a realista. Também uma ironia fina e cheia de humor perpassa toda a obra. E outra constatação. O ser humano efetivamente é atemporal e universal. Um bom começo na minha incursão machadiana.


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