terça-feira, 7 de julho de 2015

Francisco de Assis e Francisco de Roma. Leonardo Boff.

"Francisco, vai e reconstroi a minha Igreja que está em ruínas". Esta frase teria sido a grande marca da virada do modo de vida do "sol de Assis", denominação que foi dada a São Francisco de Assis, por Dante Alighieri. Esta teria sido a ordem recebida diretamente de Deus, pelo então jovem Francisco, filho de um rico comerciante. Francisco realmente conhecia uma pequena igreja em ruínas e passou a reformá-la. Bem depois entendeu que a sua missão era de outra natureza e de dificílima realização. Era a Igreja como instituição que estava em ruínas, sob o pontificado de Inocêncio III, apesar de todo o esplendor temporal deste papado.
A perspectiva de uma primavera na Igreja  com o Papa Francisco.

Francisco de Assis e Francisco de Roma - Uma nova primavera na Igreja (Editora Mardeideias) é o livro que o teólogo Leonardo Boff escreveu, quando da visita de Francisco, bispo de Roma, ao Rio de Janeiro por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, em julho de 2013. A segunda edição foi revista e atualizada. O grande objetivo do livro está anunciado em seu prefácio. "Com o papa Francisco tudo indica que o inverno eclesial de muitos anos chegou ao seu fim, para dar lugar a uma ridente e esperançada primavera". Ou ainda, de uma forma mais explícita, na dedicatória."Para aqueles que de dentro do inverno acreditaram na primavera".

O livro está estruturado em três partes com os seguintes títulos: Primeira parte: O Papa Francisco: rupturas e inauguração do novo. Segunda parte: Francisco de Assis e Francisco de Roma: afinidades e analogias. Terceira parte: A reforma do papado por Francisco, bispo de Roma e papa da Igreja universal. A tese fundamental do livro é a de que, pela escolha simbólica do nome de Francisco, também Bergoglio teria entendido a mensagem divina "Francisco, vai e reconstroi a minha Igreja que está em ruínas".
Leonardo Boff entusiasmado com as perspectivas de Francisco, já a partir da simbólica escolha do nome

Assim, a primeira parte é a descrição da Igreja que está em ruínas. Como os subtítulos são praticamente autoexplicativos passo a enunciá-los: A Igreja: de fortaleza à casa aberta; que tipo de Igreja estava em crise?; a formação do poder monárquico-absolutista dos papas; a Igreja como "casta meretrix"; a Igreja tem salvação?; Dois modelos de Igreja: testemunho versus diálogo e que tipo de Igreja queremos e seu futuro. Como perceberam é um capítulo escrito, especialmente, sob a perspectiva da construção histórica da Igreja. As ruínas teriam sido causadas pelo seu encastelamento doutrinário medieval, pelos escândalos financeiros na cúpula da cúria romana, bem como a prostituição homossexual nesta mesma corte e, ainda, os escândalos de pedofilia e, o que é pior, o seu acobertamento, para evitar julgamentos e condenações pelo poder secular dos estados. O principal motivo da renúncia de Bento XVI teria sido o de não mais reunir forças para combater as ruínas que estavam desmoronando dentro da cúria romana.
As basílicas do santo em sua cidade de Assis.


Vejamos os subtítulos da segunda parte: Francisco de Assis e Francisco de Roma; os dois Franciscos chamados a restaurar a Igreja; o espírito de São Francisco, inspiração para o Papa Francisco; um Papa que presidirá na caridade; o Papa que paga as próprias contas; Francisco de Assis se desnuda para cobrir a nudez do Papa Inocêncio III; a ecologia de Francisco de Assis; promotor da consciência ecológica?; o Papa Francisco inaugura a Igreja do terceiro milênio?; a "tentação" de Francisco de Assis e a "tentação" de Francisco de Roma; ser radicalmente pobre para ser plenamente irmão; o papa da liberdade de espírito e da razão cordial; o que trouxe de novo o Papa Francisco; o legado que nos deixou o Papa Francisco (Rio 2013); mensagem de São Francisco aos jovens de hoje.
Os Francisquinhos da Foz do rio São Francisco. Um dos maiores santos da devoção popular.


A reconstituição da biografia de São Francisco é muito bonita e são dadas também indicações bibliográficas. A de autoria de Tomás de Celano é considerada a melhor (É possível encontrá-la na estante virtual). O que mais chama a atenção dos dois Francisco é a simplicidade, a ternura, o cuidado e a radicalidade na opção pelos pobres. O livro inteiro é perpassado por uma crítica à afirmação de autoridade, seja a que é oriunda do dogmatismo imperial da Igreja doutrinária ou da racionalidade intelectual oriunda do iluminismo e do cientificismo, que impedem a visão humanitária, oriunda das outras dimensões da razão, a razão cordial e a razão espiritual. Somente a radicalidade das escolhas de Francisco é que irão permitir esta visão humanizada de Igreja  e que possibilitará o encontro das "saídas", um das palavras preferidas pelo Francisco de Roma.
Contracapa do livro do teólogo Leonardo Boff.


Na terceira parte os subtítulos nos anunciam: a volta da prática de Jesus salvará a igreja; o que o papa Francisco não é; o que o papa Francisco é; um desafio para o papa Francisco: assumir plenamente a humanidade; a tradição de Jesus e a religião cristã; a despaganização do papado; o terceiro mundo entrou no Vaticano; a economia política da exclusão; Papa Francisco fala com um não crente de homem para homem; a cúria romana é reformável?; o papa Francisco e a reforma da Igreja; uma assembleia ou Concílio de toda a cristandade e o Papa da Igreja como lar espiritual.

Mais uma vez é muito forte a perspectiva histórica mas também já entra em cena a análise de seus princípios orientadores, como o Documento de Aparecida (Quinta conferência do Episcopado Latino Americano e Caribenho - 2007), do qual teria dito: "Se quiserem saber o que penso, leiam este texto", o discurso de Lampedusa, na ilha de Córsega, dirigido a refugiados africanos, em que condenou a "incapacidade de chorar" da nossa cultura dominante, diante da desgraça de tantos irmãos e, especialmente, a entrevista a La Civilità Cattolica, de setembro de 2013. Outro documento largamente citado, como uma espécie de carta de princípios, é a exortação evangélica Evangelii Gaudium.
Da planície se vê a basílica de São Francisco de Assis.


Também perpassa o livro inteiro a questão que diferencia da Igreja de Jesus e a Igreja instituição e poder, poder e pompa, copiada aos imperadores romanos. É belíssima a interpretação do "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja". Ela será construída sobre a fé de Pedro e não sobre a sua pessoa. Enfim, uma voz dissonante, com relação a igreja imperial e medievalmente encastelada, hierarquia de fiscais de alfândega da fé e eternos anunciadores da quaresma sem a perspectiva da Ressurreição. E... com a perspectiva de que com o Francisco, bispo de Roma, possamos acreditar, festejar e celebrar os encantos da primavera.

E um alerta. Como Francisco é visto por esta Igreja em ruínas? O teólogo nos conta: " Já se fazem ouvir vozes dos mais radicais que pedem para o 'bem da Igreja' (a deles obviamente) orações nesse teor: 'Senhor, ilumine-o ou elimine-o'" (página 145).


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