sexta-feira, 24 de julho de 2015

Sobre o significado da palavra Amém. Reflexões a partir de Diamantina.

É impossível passear pelas ladeiras de Diamantina e cruzar por pessoas sem receber um bom dia ou um boa tarde, em cumprimento. Com um pouco mais de atenção, então, já se puxa uma conversa, que bem pode ser longa. Foi o que nos aconteceu, quando iniciamos as primeiras caminhadas pelas ladeiras da histórica cidade. Cruzamos com o sr. Gil, que mora em Belo Horizonte, mas também possui casa em Diamantina. A nossa conversa  durou por todos os dias em que permanecemos na cidade.  Ele foi o nosso guia informal e, por informal, também nos passou o seu nome. "Sou mais conhecido como Amém", nos disse ele. Uma herança de infância, dos tempos de coroinha. Nunca tinha encontrado ninguém que, ou por nome, ou por apelido era chamado de Amém. Meio que, pelo meu gosto pela insubordinação, até não gosto ou não gostava muito da palavra.
Gil Botelho e a sua gaita de boca. Gil é o nosso amigo Amém.

Foi preciso ir até Diamantina e encontrar o Amém. Amém nos mostrou a cidade e organizou uma cantoria no Recanto do Antônio, bar e restaurante, tocando o seu instrumento, a gaita de boca. A musicalidade é uma das marcas registradas da cidade. Lembrem de JK e o seu gosto pelas serestas. O fato de encontrar alguém que atende por Amém me remeteu a uma das últimas leituras minhas. Francisco de Assis e Francisco de Roma - Uma nova primavera na Igreja, de Leonardo Boff.
Neste livro o teólogo Leonardo Boff fala do significado da palavra Amém.

Lá pela página 94 desse livro o teólogo fala da fé. Da fé em seu sentido mais comezinho, "para aquém das doutrinas, dogmas e religiões, pois aí aparece em sua densidade humana". Apresenta-a como uma ordem básica que perpassa a realidade e que impede a primazia do absurdo. "Crer é dizer: 'sim e amém' à realidade. O filósofo L. Witgenstein podia dizer em seu Tractatus logico-philosophicus: 'Crer é afirmar que a vida tem sentido'. Este é o significado bíblico para fé - he-emin ou amém - que quer dizer: estar seguro e confiante. Daí vem o 'amém' que significa: 'É isso mesmo'. Ter fé é estar seguro do sentido da vida".

Boff fala que este significado é antes antropológico do que religioso e que vale muito a pena sacrificar-se para realizar um sentido que valha a pena. Dizer que este sentido, que a fé é Deus, é o discurso das religiões e que segundo o papa Francisco, esta fé é uma lâmpada para guiar os passos no caminho da vida. Esta é a fé de muitos ateus e agnósticos que mesmo sem a fé religiosa, se empenham em afirmar um sentido para a vida, na construção de uma sociedade justa e solidária. O teólogo continua as suas reflexões:
No recanto do Antônio, Valdemar, o meu companheiro de viagem, o Amém, o tecladista que não me lembro o nome, o Antônio, o dono do recanto, Nilson, o músico e cantor e eu com a gloriosa camisa tricolor.


"Esta fé básica impõe limites à pós-modernidade vulgar que se desinteressa por uma humanidade melhor e que não tem compromisso com a solidariedade pelo destino trágico dos sofredores" mas a parte mais bonita, desta fé a impor limites, para que um destino seja atingido, vem a seguir, quando afirma: "Pelo fato de o rio possuir margens e limites é que ele chega ao mar. Mas estes limites podem também represar as águas que deveriam fluir. Então os rios se esparramam pelos lados e se transforma em charcos". Estas frases me deixaram pensativo e me convenceram de que sou portador de fé. E como portador de fé, vou dizer amém, sim senhor.
O Recanto do Antônio, bar e restaurante. O nosso santuário de encontros em Diamantina.


Muitas vezes em minhas militâncias usei a frase de Bertolt Brecht, que usa o rio e as suas margens para explicar a violência na sociedade. Ela diz mais ou menos assim: O que é violento? A água revolta e agitada de um rio ou as calmas e tranquilas margens que as comprime? Deve ser esta a invocação ou precaução que tenho com a palavra Amém. As margens podem oprimir sim, mas também, como vimos com o sábio teólogo, elas podem indicar direção e rumo. As vezes, em atos de rebeldia, podemos e devemos tomar  e domar estas margens para formar belos lagos, mas jamais permitir que a total ausência de sentido e significado, transforme estas águas em águas paradas ou em charcos putrefatos, onde só vicejam vidas pútridas e repelentes.
O rio, antes de alcançar o seu destino, pode nos brindar com belas paisagens.


Mas como Santo Agostinho, quando pedia a Deus a virtude da castidade, mas ao mesmo tempo pedia a Deus que Ele não tivesse pressa, também eu em minha fé, faço o meu pedido, para que estas margens não sejam muito severas e nem muito retilíneas. Gosto das volteadas pelo caminho e no tempo, sem tanta pressa de chegar ao destino, Mas chegar, sim. E para que, na caminhada, encontre bons companheiros pelo caminho como aconteceu agora em que encontramos tantos e tão bons e que, inclusive, atendem o estranho nome de "Amém". Amém, ou Assim Seja.

2 comentários:

  1. MINAS deve ser o estado mais catolico do brasil quando em 1970 estive varias veses la a primeira coisa que fui perguntado é se era BATISADO e eu sou

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  2. É a força da tradição portuguesa. Mas é um povo bom. Diamantina foi dos melhores lugares que conheci na minha vida.

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