quinta-feira, 23 de julho de 2015

Viagem a Minas Gerais. Diamantina. As Programações Culturais.

A natureza em Diamantina já foi generosa. "É só apanhar no chão os diamantes, como quem apanha jabuticabas...". É o que está escrito no belo livro Chica que manda, que conta a vida de Chica da Silva, escrito por Agripa Vasconcelos. Além dos diamantes, também havia a extração de ouro. Em compensação, as terras são pouco dadas, até para a pecuária. A minha primeira impressão foi a de que não dá nem para a criação de cabras. Então necessariamente as atividades econômicas tem que ser outras. Em outro post já relacionei as riquezas históricas, que movimentam a atividade turística. Hoje quero me dedicar às atividades culturais.
Em meio a este cenário, a riqueza do ouro e dos diamantes. Cachoeira dos Cristais.

Junto com os casarões e ladeiras, que formam as atrações históricas, com muita sabedoria, a cidade organizou uma série de atividades culturais, que resultam em intensa atividade turística. Festas tradicionais da herança portuguesa lotam os hotéis e as pousadas da cidade. As festas mais expressivas são as da Semana Santa, com a reprodução das cenas da Paixão, a festa do Divino Espírito Santo, uma das festas mais bonitas em seu caráter simbólico e as festas juninas. A cidade tem em Santo Antônio o seu padroeiro. Em toda a cidade você vê bandeiras e estandartes alusivos a estas festividades. Nestas ocasiões as janelas dos casarões são ricamente ornamentadas.
Para as festas, as janelas dos casarões da cidade são enfeitadas. No caso, para a Vesperata.

Outra festa bem concorrida é a do carnaval, quando um pessoal mais jovem toma conta das ladeiras da cidade. "Aí é só cachaça e bagunça ", me contava o dono de uma das pousadas. Por falar em carnaval, me lembro do conselho que eu sempre dava para os meus alunos. "Cuidado com as tentações. Elas podem não voltar". Mas devo concordar, não deve ser fácil ser dono de pousada em tempos de carnaval.

Sempre que vou a uma cidade histórica gosto de me fazer acompanhar por guias. Embora, muitas vezes sejam muito detalhistas, eles tem explicitações que contextualizam os fatos, situando-os no tempo e no espaço. Em Diamantina isso não foi necessário. Tivemos um encontro casual com o Gil Botelho, o popular Amém e ele nos acompanhou pela cidade. Assim fomos ao Beco do Mota, a igreja do Carmo, para a casa da Chica da Silva, para A Baiúca, para a joalheria Pádua, para o Mercado dos Tropeiros, parando para almoçar  no Apocalipse.
Na pousada Relíquias do Tempo você encontra o Museu das Manifestações Folclóricas Religiosas.

Vou contar uma história do Beco do Mota, história sempre repetida na cidade. Beco é o nome dado para os locais mal frequentados. Este lugar, em Diamantina, fica distante da catedral de Santo Antônio, a uns cem metros de distância, apenas. É óbvio que hoje se transformou em área comercial nobre. Mas que, na época, devia ser um escândalo, ah! isso devia. Mas vamos a história. Conta-se que havia na cidade um médico muito humanitário, o Dr. Lomelino Ramos Couto. Um dia, tendo sido procurado insistentemente por toda a cidade e só ser encontrado depois de várias horas de busca, veio a explicação, absolutamente convincente: "Eu estava atendendo a uma puta que pariu". No solar dos Couto, o do médico humanitário da história, funciona hoje a pousada Relíquias do Tempo, onde funciona um museu dedicado à mineração e outro, às Manifestações Folclóricas Religiosas. Esta pousada está aberta a todos, não sendo necessário ser hóspede. Sem dúvida que é uma atração cultural à parte. Se eu voltar à cidade, ali providenciarei reserva, com boa antecedência.
O Beco do Mota, local que já foi famoso e onde o médico atendeu a tal da "puta que pariu".

Mas, quero dar destaque a três apresentações culturais específicas.  O concerto de órgão na igreja de Nossa Senhora do Carmo, que ocorre às sextas feiras que antecedem aos sábados em que ocorre a Vesperata. A particularidade deste concerto é que ele acontece num órgão inteiramente construído na própria igreja entre os anos de 1782 e 1787 e está totalmente restaurado. É um espetáculo extremamente erudito. Vejamos o que está escrito no folheto do concerto que assistimos: "Hoje o órgão Almeida e Silva (o construtor) e Lobo de Mesquita (o primeiro organista) voltou a dignificar o culto à Virgem do Monte Carmelo e faz reviver a voz do padre organeiro que, de maneira autóctone não mediu esforços para superar suas próprias limitações e é hoje a única prova viva da materialização do espírito do compositor em sua forma mais sublime: a música".
Esta pousada oferece uma hospedagem junto ao passado histórico da cidade. Mesmo não se hospedando, os seus museus merecem uma visita.

Logo após o término do concerto começa outra das atrações culturais, já na saída da igreja do Carmo. A serenata. Ela é formada por um dos grupos de seresteiros da cidade, que saem caminhando com as cantorias pelas ruas da cidade, rumo a rua da Quitanda, sendo acompanhados pelo povo. No dia, duas músicas ficaram gravadas na minha memória. Oh Minas Gerais e Saudades de JK. Soube depois que esta é de autoria de Moacir Franco. É um espetáculo bem semelhante ao que ocorre em Conservatória, no Rio de Janeiro. Um espetáculo memorável. Mas já que estamos falando da rua da Quitanda, é ali que ocorre o maior de todos os eventos. A Vesperata.
A Baiúca fica numa esquina da Rua da Quitanda, onde ocorre o maior evento cultural da cidade. A Vesperata.

Nos dias em que ocorre a Vesperata, sempre aos sábados, entre os meses de abril e outubro, duas vezes por mês, as janelas dos casarões se engalanam com ricas ornamentações, para receberem duas bandas musicais da cidade, a banda da polícia militar e a banda dos meninos e meninas dos projetos sociais. Lembra as antigas retretas das praças nas cidades do interior, nos anos 1970. Os músicos, trajados a rigor, se apresentam das janelas dos casarões, dirigidos por um maestro, que os comanda a partir de um pequeno palco erguido na rua. O repertório é muito variado. A Cavalaria Ligeira, de Franz von Suppé fez o maior sucesso. Roberto Carlos e Wando também fizeram parte do repertório. Evidentemente que Oh! Minas Gerais e Peixe Vivo também não poderiam faltar. Evocações a Minas e a JK. As datas da Vesperata são amplamente divulgadas.
Na Vesperata também esteve presente o casal mais famoso da cidade, João Fernandes e Chica da Silva.

Mais uma palavra sobre a Vesperata. Para assisti-la, ou você se acomoda nas laterais da rua, ou então compra mesa, com direito a quatro cadeiras, que infalivelmente são todas elas vendidas. As janelas das quais os músicos tocam os seus instrumentos ocupam três ruas. Existe alguma semelhança, em função da apresentação nas janelas, com o espetáculo natalino do HSBC, em Curitiba. Mas também é só. No dia da apresentação, do dia 11 de julho, que foi a que assistimos, também apareceu em uma das janelas o casal João Fernandes e Chica da Silva. Depois, muito simpáticos, desceram do casario e percorreram a rua, entre as mesas, para fotografias. A Chica estava lindíssima com a sua peruca de cabelos brancos, que fizeram a sua fama. Mas a observação mais importante. É um espetáculo que custa muito pouco aos organizadores, mas que lota a cidade em todas as suas apresentações. Uma questão de inteligência. Em função das chuvas, as apresentações são suspensas entre os meses de novembro a março.
Com os amigos paulistas no Recanto, ou no santuário do Antônio.

Antes de terminar, quero ainda apresentar um outro local cultural. O mais encantador de todos. O Recanto do Antônio, restaurante e bar. Deu empatia. Antônio, o dono, Nilson, o músico cantor, Amém o nosso guia, também músico e instrumentista da gaita de boca, os casais paulistas com quem juntamos mesa e o Valdemar, companheiro de viagem, passamos ali muitos momentos agradáveis. Lágrimas corriam os rostos, mas lágrimas de alegria e de recordação de boas emoções. Feliz o dia em que o mundo verter apenas lágrimas de alegria. O recanto do Antônio é imperdível. Já o chamei de santuário.

Em suma, já o disse em uma outra ocasião, alguns reais a menos no bolso e muito conhecimento, recordações, afeto e gratidão no peito, na memória e no coração. E se planejar uma viagem de férias, ponha Diamantina no seu roteiro. E, conforme Darcy Ribeiro, que é da região, da cidade de Montes Claros, nos diz, que não existem nos Estados Unidos cidades nem sequer parecidas com as cidades históricas brasileiras, como Ouro Preto e Salvador e que, seguramente, poderíamos entre elas incluir Diamantina. 


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