sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Sagarana. A Hora e a vez de Augusto Matraga. Guimarães Rosa.

Sagarana é o livro que lançou João Guimarães Rosa como escritor. A primeira edição é de 1946 e é uma coletânea de nove contos. Na orelha do livro lemos sobre o significado do título. "O título, Sagarana, é uma criação do autor, que juntou a palavra saga ('narrativa histórica ou lendária') o sufixo tupi - rana, que expressa a ideia de semelhança. Então temos em Sagarana - nove narrativas semelhantes a um conto. Creio que, sem favor nenhum, A hora e a vez de Augusto Matraga é o que se tornou o mais famoso. Sobre ele o próprio autor comentou:
Os nove contos de Sagarana. Uma bela edição da Nova Fronteira.

"A hora e a vez de Augusto Matraga - História mais séria, de certo modo síntese e chave de todas as outras, não falarei sobre o seu conteúdo. Quanto à forma, representa para mim vitória íntima, pois, desde o começo do livro, o seu estilo era o que eu procurava descobrir". Quando Graciliano Ramos leu estes contos, manifestou vivo desejo de vê-lo escrevendo romances. Isto viria dez anos depois, com o consagrado Grande Sertão: Veredas.

Os nove contos são: O burrinho pedrês, A volta do marido pródigo, Sarapalha, Duelo, Minha gente, São Marcos, Corpo fechado, Conversa de bois e a hora e a vez de Augusto Matraga. Poucos são os autores que conseguem tanta perfeição em abordar o regional e transformá-lo em tema universal. Psicologia e ética estão presentes num tosco personagem, desencontrado e reencontrado da vida, produto do sertão. 
O conto A Hora e a vez de Augusto Matraga também foi levado ao cinema.

Augusto Matraga é Augusto Esteves, ou simplesmente Nhô Augusto. É filho de coronel, arruinado, porém. O encontramos em fim de festa de procissão, arrematando Sariema, em Leilão. Dionóra, junto com a filhinha Mimita o abandonam, fugindo com Ovídio. Revoltado, junta os seus bate-paus, mas já não os encontra. Tinham se bandeado para o lado do major Consilva. Lhe sobra apenas o Quim Recadeiro. Assim Augusto Matraga tem duas missões pela frente, matar o major e lavar a honra.

Na primeira tarefa se dá muito mal. É jogado longe e dado como morto pelo pessoal do major Consilva. Foi encontrado pelo preto Nhô Augusto, que junto com a sua preta, o recolheram e lhe aplicaram um terrível diagnóstico; "Deus que me perdoe, - resmungou a preta, - mas este homem deve ser ruim feito cascavel barreada em buraco, porque está variando que faz e acontece, e é só braveza de matar e sangrar... E ele chama por Deus, na hora da dor mais forte, e Deus não atende, nem para um fôlego, assim num desamparo que eu nunca vi". Lhe chamam um padre.
O grande escritor integrou a Academia Brasileira de Letras. Este, merecidamente.

"Peça a Deus assim, com esta jaculatória: 'Jesus, manso e humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso", lhe ordenou o padre e o milagre aconteceu. Mudou de vida. Vejamos o que aconteceu: "Nos domingos, tinha o seu gosto de tomar descanso: batendo mato, o dia inteiro, sem sossego, sem espingarda nenhuma e nem nenhuma arma para caçar; e, de tardinha, fazendo parte com as velhas corocas que rezavam o terço ou os meses dos santos. Mas fugia às léguas de viola ou sanfona, ou de qualquer outra qualidade de música que escuma tristezas no coração". E assim foi vivendo e o autor nos avisa:

"E assim se passaram pelo menos seis ou seis anos e meio, direitinho desse jeito, sem tirar e nem pôr, sem mentira nenhuma, porque e esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acontecido, não senhor". Em todos os casos, a história continua. Um dia passa um andante que lhe dá notícias da mulher e da filha e de Quim Recadeiro. Os desejos de vingança se reacendem, mas prefere a oração. "Jesus manso e humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso". Um novo contratempo veio com a passagem de um bando de jagunços, o bando de Joãozinho Bem-Bem. Se afeiçoam e o novo Nhô Augusto tem especial atenção para com Juruminho. Recebe convite para se integrar ao bando. De nova reza: "Jesus manso ....", e..., fica.
Outra edição dos contos reunidos em Sagarana.

Mais tarde resolve ir embora, para onde o jumento o levasse. O destino lhe marcou um reencontro. Com o bando de Joãozinho Bem Bem. Novo convite e,... pergunta por Juruminho. Recebe a notícia da sua morte. Ainda estavam aí para vingá-lo. O pai do assassino clama por clemência. Joãozinho impõe a lei do bando. O convertido Augusto Matraga se defronta com Joãozinho. Na luta os dois morrem. Primeiro Joãozinho e depois Augusto Matraga. Esta foi a hora e a vez de Augusto Matraga, reencontrado e pacificado consigo próprio. Mas vejamos o comentário do crítico Paulo Rónai, de 1946, junto com a primeira edição:

"Aplicação ainda mais perfeita deste processo (Espera-se em "O burrinho pedrês", um assassínio, que todos os indícios fazem prever... e sobrevém um desastre de proporções maiores, que resolve a tensão por um cataclismo imprevisto) observa-se em 'A hora e a vez de Augusto Matraga', a novela talvez mais densa de humanidade de todo o volume. A vida retraída do valentão arrependido que, depois de ter sido deixado como morto pelos capangas do adversário, levou anos a restaurar a saúde do corpo e a amansar o espírito sedento de vingança inspira ao leitor uma inquietação crescente. Treme-se por esta alma perdida e reencontrada, que por fim só escapará à tentação da desforra por outro ato louco de valentia que o redime, mas ao mesmo tempo o aniquila".

 

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