quarta-feira, 9 de março de 2016

A República Comunista Cristã dos Guaranis. Padre Clovis Lugon.

Uma viagem sempre traz muita riqueza cultural. Em fevereiro fizemos, eu e meus amigos Valdemar e Adilson, uma viagem para as terras missioneiras no Paraguai, na Argentina e no Rio Grande do Sul. Numa banca de artesanato, nas ruínas de São Miguel, comprei um livro com o título de Sepé Tiaraju - Romance dos Sete Povos das Missões, de Alcy Cheuiche. Este livro tem um prefácio maravilhoso de um padre suíço, chamado Clóvis Lugon, autor de um livro com o significativo título A República Comunista Cristã dos Guaranis - 1610-1778, que já localizei e comprei na Estante Virtual. A edição original do livro, escrito em francês, data de 1949 e a primeira edição brasileira, de 1970.
O autor deste livro prefacia o romance histórico Sepé Tiaraju - Romance dos Sete Povos das Missões.

O presente post se foca apenas no prefácio, o Préface Historique, escrito para o livro de Alcy Cheuiche. O faço em função da bela síntese nele apresentada sobre o que foi esta maravilhosa experiência das missões jesuíticas. Padre Clovis manifesta enorme satisfação em reencontrar Sepé e apresentar pequenas notas históricas como prefácio ao livro. Assim ele se manifesta: "Trata-se aqui, mesmo apresentada rapidamente e com elementos fragmentários, de uma visão geral dos fatos históricos, onde está inserido o romance". Desta visão geral seleciono alguns tópicos, tecendo ainda ligeiros comentários.
Neste romance histórico está inserido o prefácio escrito por Clovis Lugon.

"O romance faz alusão aos terríveis atentados sofridos pelos guaranis durante as duas ou três primeiras décadas de instalação das comunidades cristãs, até 1641, data da vitória decisiva de Mbororé sobre os escravagistas. Estas comunidades já eram prósperas e bem organizadas. Muitas contavam  de 6.000 a 10.000 almas. Além das dezenas de milhares  de vítimas mortas ou vendidas, muitos indígenas pereceram quando das migrações maciças de 1631 e 1638-39, impostas pela necessidade de abandonar as áreas mais expostas".  Me lembro de Romina, a nossa guia em Trinidad, no Paraguai e o seu enorme ódio, quando se referia aos bandeirantes. Já em Loreto, na Argentina, o guia nos falava que estas eram as reduções que eram originárias da região de Guaíra e deslocadas neste período referido. Também nos informou que, na época, Buenos Aires contava com uma população de cinco mil habitantes.

"As trinta e três populosas cidades da República dos Guaranis estavam construídas e equipadas segundo um urbanismo de vanguarda para a época. Sem emulação malsã, posto que a riqueza material era excluída, a vida social era intensa e os lazeres prolongados graças a uma jornada de trabalho que não ultrapassava oito horas por dia. Quantos aspectos originais e de sucesso na instrução das crianças, obrigatória para meninos e meninas, com orientação profissional em agricultura, artesanato, indústria, comércio, administração da justiça! O espírito geral pode ser exemplificado por uma carta  escrita pelo cabildo de São Luís Gonzaga logo após a expulsão dos jesuítas e que diz, entre outras coisas: 'Nós queremos fazer ver que não gostamos do costume espanhol de cada um por si, em lugar do nosso de ajudar-se mutuamente". A melhor visão destas cidades é vista na redução de Trinidad no Paraguai.
Adilson, a guia Romina e o Valdemar na redução de Trinidad, no Paraguai.

"A guerra guaranítica só se desencadeou verdadeiramente quatro anos após a assinatura do tratado (Tratado de Madri - 1750), ou seja em 1754, porque os jesuítas, orientadores espirituais dos guaranis, conseguiram obter um primeiro adiamento, depois um segundo, e porque os chefes militares espanhois e portugueses não se entenderam sobre a condução das operações". Clovis Lugon destaca ainda algumas frases do chefe Sepé: "O território que pretendeis invadir pertence a Deus e a São Miguel" e "O que nós possuímos é o fruto de nossas fadigas... Nós não somos somente os Sete Povos da margem esquerda, mas doze outras reduções estão decididas a se sacrificarem conosco". Estas frases foram ditas aos chefes espanhois.

Lugon também fala sobre os motivos da derrota: "Para os guaranis, no entanto, faltou o essencial durante o armistício: a mobilização efetiva, moral e militar, das 26 outras reduções". "O território da República se prestava admiravelmente a uma resistência sem fim por uma configuração, suas florestas, os grandes pântanos do oeste paraguaio. Além disso, [...] os guaranis estavam preparados para derrotar então não importa qual exército colonial. Durante mais de um século, ninguém mais ousara atacá-los". Sobre a riqueza de São Miguel fala o seguinte: "A catedral foi avaliada em um milhão de pesos pelo engenheiro-chefe das tropas espanholas. Um candelabro de prata maciça com trinta ramificações guarnecidas de ouro estava suspenso ao teto da nave por uma corrente também de prata".
As ruínas da mais famosa igreja das Missões, a de São Miguel, no Rio Grande do Sul.

Também fala das estratégias de guerrilha adotadas por Sepé: "Ataques surpresa, reagrupamentos rápidos sobre nova linha após uma retirada, tática dos campos queimados, todo um campo de cavalaria feito prisioneiro". Também os jesuítas merecem uma palavra sobre este momento final: "Preferindo a ruína da República Guarani à da própria Companhia de Jesus, seus altos responsáveis conseguirão a ruína de uma e de outra. Pombal e todos os adversários dos jesuítas serão tranquilizados por sua submissão rápida e integral a um tratado imoral e contrário aos direitos humanos. A verdadeira escolha não estava entre a existência da Companhia de Jesus ou da República Guarani", e continua:

 "No momento mais duro, alguns padres vão fazer causa comum com os guaranis atacados. Alguns deles, no entanto, só ficarão com suas ovelhas sob ameaça de morte. Onze jesuítas, entre eles o Pe. Balda, terão a honra de ser colocados em uma lista negra de traidores enviada a Madri. Os outros obedecerão às ordens estritas enviadas de Roma pelo Geral da Companhia, Visconti. Antes da retomada das hostilidades, o provincial do Paraguai  renunciará oficialmente aos Sete Povos e garantirá que os jesuítas estão prontos a abandonar sem hesitação as outras reduções".
Monumento em São Sepé. Homenagem a um mito, um santo popular.


Lugon termina o memorável Préface Historique também de maneira extraordinária: "Com sua graça infantil, a república Guarani viverá por muito tempo ainda, interpelando cristãos e comunistas, muito cristã para os comunistas da época burguesa, muito comunista para os cristãos burgueses".

Estou terminando de ler O Mal sobre a Terra. Uma história do terremoto de Lisboa, de Mary del Priore. Este terremoto ocorreu no dia primeiro de novembro de 1755. Contextualiza muita coisa, do envolvimento dos jesuítas com o rei D. José e de seu ministro, o marquês de Pombal. As causas maiores da expulsão dos jesuítas teriam sido a acusação de envolvimento com uma tentativa de regicídio e as pregações do famoso padre Malagrida.



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