terça-feira, 5 de julho de 2016

Os sindicatos e o ato de ler.

No dia 2 de julho o grupo APP independente e democrática promoveu, na cidade de Londrina, a segunda etapa de seu curso de formação. Na primeira etapa houve falas sobre a identidade e a necessidade de formação do professor e a distribuição de leituras entre os professores dos núcleos participantes. Neste primeiro momento o grande objetivo era o estudo da realidade brasileira. O mote era: Como transformar a realidade se eu não a conheço.

14 livros foram trabalhados. Alguns deles são indicações de Antônio Cândido, outros são biografias e romances e ainda, alguns livros mais recentes de interpretação de nossa realidade. Para quem interessar possa, deixo a relação, por ordem de apresentação: O abolicionismo de Joaquim Nabuco; Ser escravo no Brasil de Kátia de Queirós Mattoso; Tenda dos milagres de Jorge Amado; A América latina - males de origem, de Manoel Bonfim; Índios no Brasil de Manuela Carneiro da Cunha; as biografias de Getúlio (Lira Neto), de JK (Cláudio Bojunga) e Jango (Jorge Ferreira); Ditadura e democracia no Brasil de Daniel Aarão dos Reis; A doutrina do choque de Naomi Klein; O ódio à democracia de Jacques Rancière; Como conversar com um fascista de Márcia Tiburi e A Tolice da inteligência brasileira de Jessé Souza. Na véspera houve uma fala do professor Renato Mocellin sobre a cidadania no Brasil, seus avanços e retrocessos.
Um livro bem provocador. Filosofia para não filósofos.

Mas o que eu quero chamar a atenção com este texto é sobre a importância e a necessidade da leitura. A primeira referência que eu faço é a Monteiro Lobato. Apenas isto: "Somos o que lemos". A segunda referência remete a Albert Jacquard, ao seu livro Filosofia para não filósofos. Nele ele fala sobre a alteridade e, ao falar dela, fala da solidão e ao falar da solidão fala da companhia dos livros. "Eu tive a sorte de povoar esta solidão com todos os autores encontrados nas prateleiras das bibliotecas e que foram bastante amáveis comigo; nunca zombaram de mim, levaram-me a desejar contato com seres de carne e osso, que são mais inquietantes, embora muito mais atraentes do que aqueles de quem só restam palavras".

Mas quem eu quero mostrar mesmo é Roberto Saviano, o escritor italiano, confinado pela proteção do Estado, que investigou a máfia e que fala dos resultados da leitura de seus livros e do respeito que ele nutre pelo seu leitor. O livro em questão é ZeroZeroZero. Começo com uma citação sua, retirada do Apocalipse: "Tomei o livrinho da mão do Anjo e o devorei - na boca era doce como mel; quando o engoli, porém meu estômago se tornou amargo".
Roberto Saviano. A máfia e a globalização.


A partir desta citação Saviano nos dá um conselho: "Creio que os leitores deviam fazer isso com as palavras. Metê-las na boca, mastigá-las, triturá-las e por fim engoli-las, para que a química da qual são compostas faça efeito dentro de nós e ilumine as turbulências insuportáveis da noite, traçando a linha que distingue a felicidade da dor". Localizei o versículo. É João 10:10 e se quiser contextualizar é João 10: 1 a 11. O apreço ao leitor rapidamente se transforma em admiração por aquele que "subtrai um tempo importante de sua vida para construir nova vida". E continua:

"Nada é mais poderoso do que a leitura, ninguém é mais mentiroso do que quem afirma que ler um livro é um gesto passivo. Ler, escutar, estudar, compreender é o único modo de construir vida além da vida, vida ao lado da vida. Ler é um ato perigoso porque dá forma e dimensão às palavras, encarna-as e as espalha em todas as direções". Um pouco mais adiante continua, agora já falando da importância de conhecer o mundo do tráfico internacional da droga. "Conhecer é começar a mudar. Para quem não joga fora estas histórias, não as ignora, sente-as como próprias, para essas pessoas vai o meu respeito". E ainda  no mesmo tom, continua:
"Quem se sente arcar com as palavras, quem as grava sobre a própria pele, quem constroi para si um novo vocabulário está mudando o curso do mundo porque compreendeu como se situar nele. É como romper grilhões. As palavras são ações, são tecido conectivo. Somente quem conhece estas histórias pode se defender destas histórias. Somente quem as conta ao filho, ao amigo, ao marido, somente quem as leva aos lugares públicos, aos salões, às salas de aula, está articulando uma possibilidade de resistência. Para quem está sozinho sobre o abismo, é como estar numa jaula, mas se forem muitos a decidir enfrentar o abismo, então as grades daquela cela se dissolvem. E uma cela sem grades já não é uma cela".

E junto com a proposta aos sindicatos de se preocuparem com a formação de seus sindicalizados para que possam lutar melhor, a minha última referência, que remete a Ray Bradbury, ao Fahrenheit 451, ao personagem Beatty, o bombeiro refuncionalizado, transformado em incendiário de livros, já que materiais impermeáveis ao fogo o levam a procurar uma nova função, a de incendiar livros e, possível e preferencialmente, também os seus autores: "Um livro é uma arma carregada na casa da vizinha". E voltando a Monteiro Lobato: Também somos o que não lemos.

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