sexta-feira, 7 de abril de 2017

Fausto de Goethe. 1. Uma contextualização.

Minhas obsessões de professor. Datar e situar o que você vai estudar. Assim, para melhor compreender Fausto procurei saber algumas peculiaridades sobre este personagem, como também, sobre Johann Wolfgang von Goethe. O von não está ali à toa. Ele nasceu em Frankfurt em 1749 e morreu em Weimar em 1832. Quando eu ainda estava em sala de aula, sempre pedia para localizar o fato histórico mais importante ocorrido ao longo de sua vida. Com Goethe isso é fácil de acertar, uma vez que a Revolução Francesa (1789) é um dos fatos mais importantes de toda a história da humanidade. Napoleão na sequência.
 Um pacto com Mefistófeles, para penetrar no mundo insondável do conhecimento, dos desejos e do prazer.

Deixemos um pouco de lado a Revolução Francesa e os tempos de Goethe, para localizar o personagem histórico chamado Fausto. Apesar de cada ser humano ter um pouco dele, o personagem retratado por Goethe foi real, acrescido com a imaginação de muita gente e, em especial, a de Goethe. Ele teria vivido na Alemanha e nos é assim apresentado, no prefácio da 4ª edição da Editora Itatiaia (1997), de autoria de Erwin Theodor: "Entretanto é possível afirmar, sem a menor sombra de dúvida, que entre os anos de 1480 e 1540, aproximadamente, viveu um indivíduo de nome Georg Faust, de duvidosa reputação, natural de Knittlingen [...] e teve morte, provavelmente violenta em Stauffen".

Mas vamos para mais algumas referências do personagem, buscando-as na mesma fonte: "São estes os poucos informes históricos existentes, mas as mesmas fontes que no-los fornecem excedem-se em especulações acerca de seu caráter, não havendo dúvida de que pode dizer-se, conforme Goethe o fez, que ele mesmo cuidou de que  'os vestígios de meus dias, na terra passados / nem em milênios fossem apagados'. Onde quer que se apresentasse, tornava-se logo o centro das atenções e, assim rejeitado, por exemplo, por teólogos, passava a ser aceito por naturalistas, objeto de curiosidade e temor. Ele próprio atribuía-se o título de 'filósofo-mor entre os filósofos' e dava-se ares de um semi-deus. Jactava-se de poder reanimar os mortos, dizia-se médico, praticava a astrologia, era vidente, profeta e quiromante".

Por ser muito esclarecedor continuo com mais um parágrafo de Erwin Theodor: "Viveu numa época de transição e crise. Copérnico havia pronunciado, no ano de 1500, em Roma, as suas célebres preleções astronômicas. O movimento da Reforma se anunciava e as agitações sociais, que viriam caracterizar o século dezesseis, começavam a manifestar-se. Moviam-se as guerras dos camponeses, os levantes da pequena nobreza estavam na ordem do dia, enquanto as estruturas eclesiásticas se viam abaladas".

Estes são, portanto, os acontecimentos da época vivida por Fausto, o famoso personagem. Uma época cheia de receios e temores de um tempo que insistia em permanecer. Mas é também um tempo cheio de desejos, ousadias e enfrentamentos  para que o novo encontrasse os seus espaços. A ambição não conhecia limites. Uma economia mercantil procura se estabelecer, abalando as estruturas feudais. A filosofia iria avançar até chegar ao iluminismo. Descartes alinhará as questões do método racional e David Hume adentrará ao caminho da experiência e da pesquisa científica. Kant nos aconselhará o sapere aude, o ouse saber, que implicava em afrontar os mundos de sua santidade e de sua majestade.

Época de transição e de crise! Eis o cenário para a celebração do humano. Creio que, acima de tudo, Fausto é a celebração do humano, dos desejos, da celebração do pacto para sondar o imenso mundo de possibilidades. Este mundo de possibilidades necessariamente se confrontará com o mundo do estabelecido, com o mundo da religião e dos milagres da fé, que não desaparecerá, mas que se reconfigurará em adaptação aos novos tempos.

A ousadia de Fausto não terá limites. O seu desejo de conhecimento e poder o fará retomar todos os caminhos e tentativas já trilhados pela humanidade. Percorrerá os caminhos gregos da mitologia, da magia e da tragédia, buscando o fantástico. Percorrerá os primeiros passos da filosofia e a busca da afirmação da racionalidade e, sobretudo, buscará na religião judaica, aquilo que ela procurou abafar, ou seja, sucumbir às tentações do conhecimento, para que o homem não se transformasse também em divindade.Também os desejos de mulher entram em cena, com a imagem de Lilith, a primeira e insubmissa esposa de Adão.

Eis o grandioso cenário para uma grande obra. Uma celebração da eterna oposição entre a uniformidade do comportamento social, pregado pelos ideais da conformidade e a peculiaridade específica dos anseios individuais. É o mal estar provocado pela cultura, diante da qual o indivíduo se movimenta desesperadamente, em estado de permanente inquietação e angústia. É o fantástico mundo dos desejos e dos sentimentos humanos. Uma grandiosa viagem pelos tempos, uma exaltação à coragem do afrontamento ao conformismo, que sem dúvida, alargou enormemente as fronteiras das conquistas materiais e espirituais da humanidade.

Uma contemplação ou premiação do inusitado, à coragem do indivíduo, à celebração da unidade, da pluralidade e da transcendência, da realidade da indivisibilidade no humano da existência do bem e do mal, do apolíneo e do dionisíaco, já tão celebrado na tragédia grega. Uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Uma frase de Goethe, simbolizando o espírito fáustico, para terminar. "É preciso abraçar a volúpia, fartar-se de prazeres e não ter medo da morte". Goethe vivenciou, ao menos um pouco, tudo isso.



2 comentários:

  1. Olá. A última citação, sobre abraçar a volúpia, está em Fausto? Saberia dizer onde, por favor?

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  2. Este é um trabalho meu de 2017. Numa rápida pesquisa no livro, não encontrei a frase assinalada, sublinhada ou marcada. Fiz também um pesquisa no Google, onde ela aparece várias vezes, também sem citar a fonte. Fico te devendo essa. Agradeço a sua manifestação.

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