quarta-feira, 21 de junho de 2017

Meios sem fim - Notas sobre a política. Agamben.

Esta leitura é mais um fruto da palestra do professor Gaudêncio Frigotto que assisti recentemente. O livro é formado de uma série de pequenos ensaios publicados por revistas europeias no início dos anos 1990. Fazer uma resenha é uma tarefa difícil, embora todos os textos tenham entre si uma unidade. Assim seguirei o próprio livro, no qual a contracapa é usada para uma citação e a orelha contem uma pequena descrição do que é o livro.
Pequenos ensaios fundamentais para a leitura do mundo em dias atuais.


Tomo a íntegra desta descrição. "Publicado na Itália, em 1996, Meios sem fim é, segundo o próprio Agamben, um conjunto de textos (escritos entre 1990 e 1995) que se referem, cada um à seu modo, a um canteiro de obras cujo primeiro fruto tinha sido a publicação do primeiro volume do Homo Sacer (O poder soberano e a vida nua, Einaudi, 1995). Embora não se constituam propriamente como um dos volumes da série Homo Sacer, os breves ensaios de Meios sem fim antecipam os seus núcleos originais e apresentam alguns de seus 'estilhaços e fragmentos': a vida nua, a biopolítica; o estado de exceção; o campo de concentração; o refugiado; as sociedades democrático-espetaculares; a política como esfera dos meios puros ou dos gestos.

Mas Meios sem fim é também o exercício de um confronto visceral entre um filósofo vivo e os mais urgentes acontecimentos de seu tempo (o que se passou nos territórios da antiga Iugoslávia, a situação de um Estado sem povo, como o Kuwait, ou de povos sem Estado, como os curdos, os armênios, os palestinos e os judeus da diáspora; os eventos de Timisoara, na Romênia, que levaram à queda do ditador Nicolae Ceausecu; os protestos na China, na praça da Paz celestial, a Guerra do Golfo). Todos esses eventos pedem um novo pensamento que lhes dê inteligibilidade. E é esse novo pensamento que o leitor tem diante dos olhos nestes ensaios. Uma nova filosofia, como toda filosofia, surge somente no embate com o mundo que a cerca e que está aí para dar lições. Os filósofos são aqueles que sabem aprendê-los".

O trecho escolhido que figura na contracapa é retirado do ensaio O que é um povo?,logo em seu começo. "Toda interpretação do significado político do termo povo deve partir do fato singular de que este, nas línguas europeias modernas, sempre indica também os pobres, os deserdados, os excluídos. Ou seja, um mesmo termo nomeia tanto o sujeito político constitutivo como a classe a que, de fato se não de direito, está excluído da política. [...] Uma ambiguidade semântica tão difundida e constante não pode ser casual: ela deve refletir uma anfibologia inerente à natureza e à função do conceito de povo na política ocidental. [...] Mas isso significa, também, que a constituição da espécie humana num corpo político passa por uma cisão fundamental e que, no conceito de povo, podemos reconhecer sem dificuldade os pares categoriais que vimos definir a estrutura política original: vida nua (povo) e existência política (povo), exclusão e inclusão, zoé e bíos. Ou seja, o povo já traz sempre em si a fratura biopolítica fundamental. Ele é aquilo que não pode ser incluído no todo do qual faz parte e não pode pertencer ao conjunto no qual já está desde sempre incluído".

Pelo meu arbítrio busco mais duas citações. "Nada é mais nauseante do que o descaramento com que aqueles que fizeram do dinheiro a sua única razão de vida agitam periodicamente o fantoche da crise econômica, e os ricos vestem, hoje, roupas austeras para alertar os pobres de que sacrifícios serão necessários para todos. Igualmente estupefaciente é a docilidade com que aqueles que se tornaram totalmente cúmplices do desequilíbrio da dívida pública, cedendo ao Estado todas as suas economias em troca de BOT (título do tesouro), recebem sem pestanejar a adnominação e se preparam preparam para apertar o cinto. E, no entanto, qualquer um que tenha conservado alguma lucidez sabe que a crise está sempre em curso, que ela é o motor interno do capitalismo em sua fase atual, assim como o estado de exceção é hoje a estrutura normal do poder político". p.119-120.

E ainda mais uma última citação sobre o transigir, ou às concessões que fazemos. "... A Revolução tinha que transigir com o capital e com o poder, assim como a Igreja tinha precisado entrar em um acordo com o mundo moderno. Desse modo, foi tomando forma, aos poucos, o mote que guiou a estratégia ao progressismo em sua marcha rumo ao poder: é necessário ceder a tudo, reconciliar cada coisa com o seu oposto, a inteligência com a televisão e a publicidade, a classe operária com o capital, a liberdade de palavra com o Estado espetacular, o meio ambiente com o desenvolvimento industrial, a ciência com a opinião, a democracia com a máquina eleitoral, a má consciência e a abjuração com a memória e a fidelidade". p. 123-124.

Por falar em espetáculo, um dos pontos altos do livro é o ensaio Glosas à margem dos Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Senti uma ligeira necessidade de retomar este maravilhoso livro de Guy Debord. Mas o que segue, sob o nome de O rosto é mais do que extraordinário. Se constitui numa penetração no fantástico mundo da linguagem.

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