quinta-feira, 3 de maio de 2018

A noite da espera. Milton Hatoum

"Na solidão da viagem, uma parte da minha vida saía de mim, o coração dividido pela amargura e a esperança: não sabia se ia rever Dinah, quem sabe se encontraria minha mãe...".  Assim termina o romance de Milton Hatoum - A Noite da espera. Ele integra a trilogia - O lugar mais sombrio. É o seu primeiro volume, lançado pela Companhia das Letras, em 2017. Os outros ainda estão por serem lançados. É o meu primeiro contato com o autor.

Na contracapa do livro lemos dois parágrafos a respeito do livro. Tomo a liberdade de invertê-los. "Este romance de formação - no qual as memórias do narrador são transcritas e repensadas em Paris - ecoa com força no nosso tempo, em que o impasse político e a desmoralização das instituições estão no centro da crise brasileira. Por isso, pode ser lido como um romance da desilusão, que lança ao futuro o travo amargo dos jovens estudantes cujo sonho era um país mais humanizado e menos desigual e injusto." Um romance de formação. Tenho enorme apreço por romances de formação. Sim é um romance de formação. O jovem Martim está em Brasília, onde cursa o colégio e a universidade. Em seus anos de formação, a mãe estava ausente, pois, ficara em São Paulo. Com o pai, embora presente fisicamente, estava mais distante ainda.

Mas isso está dito no primeiro parágrafo, junto com algumas informações a mais. "Nos cinco anos que Martim passa em Brasília, faz anotações intermitentes sobre sua vida de estudante no colégio e, depois, na universidade. A expectativa de rever a mãe cresce no contexto turbulento e brutal da ditadura. Nessa atmosfera de dúvidas, apreensão, violência e trauma, desenvolve-se o enredo de A noite da espera, até a dissolução final do grupo de amigos. A Tribo de Brasília."

A ida de Martim a Brasília se deve a um casamento desfeito entre Rodolfo e Lina, classe média santista/paulistana. Ele engenheiro, formado na USP. Ela professora particular de francês. Anos luz de distância, que nem Martim conseguia aproximar. Lina se manda e Martim segue para Brasília junto com o filho. O ano é o de 1967. Cinco anos de ausências. Da mãe até as correspondências vão se tornando escassas, até a perda de endereços. O pai.... É a tradicional imagem freudiana de um pai. Um grosso. Dinheiro e igreja são suas únicas preocupações.

Já a Tribo de Brasília vai se formando espontaneamente. Colegas vão se aproximando dentro da diversidade da relacionalidade. Colégio, por sinal, um bom colégio, a tal ponto de ser fechado pela alta insensibilidade dos mandantes usurpadores no Brasil. A Universidade, a famosa Universidade de Brasília, a filha prostituída de Darcy Ribeiro (Não queria estar na situação dos vencedores). O curso é o de arquitetura. Dele são afastados os professores de filosofia e de estética, substituídos por verdadeiros babacas. A Tribo se forma em torno do teatro, da poesia, da literatura e do amor, que começa a ser livre, cada vez mais livre.

Nas relações, os filhos dos pais "das oportunidades" da cidade, a nova capital, começam a se envolver. É filho de senador, de embaixador, de economistas, de engenheiros, todos bem sucedidos mas infelizes, na mesma proporção de seus êxitos materiais. As relações com os filhos estão mais distantes do que as instituições deste país com o seu povo. A cidade vive sob as incertezas dos atos de força do terror, maneira, que acreditavam necessária a manutenção da ordem. 

O livro, escrito em 2017, como vimos, nos remete ao ano de 1968, quando o Brasil se aproxima dos anos de chumbo de sua ditadura civil/militar. O livro é composto das reminiscências de Martim, dez anos depois, morando em Paris. Martim, o pai Rodolfo e a mãe Lina, compõem o trio central da narrativa e que dão substância ao romance. Isso não anula os demais personagens do cenário que se forma a partir de Brasília e da ditadura.

Sob a minha ótica, o pai é o grande personagem. Ele é a própria representação da instituição do Brasil oficial. O tosco de sua elite. Ele vibra, por inteiro, com o endurecimento do regime, sob a proclamação do AI-5. Odeia os estudos de Martim e a sua pendência para o teatro, para a poesia e para as disciplinas de estética e filosofia. Mas, o maior ódio se volta ao livreiro comunista que dera emprego ao filho. A mãe ausente não recebe maior caracterização, desnecessária por sinal, devido a marca da ausência. A ausência revela outras preocupações. Enquanto isso Martim, em seus anos de formação, vai vivendo seus dramas ao dar de frente com as expectativas da vida e do futuro, pois, "não sabia se ia rever Dinah, quem sabe se encontraria minha mãe."

Vivia com "o coração dividido pela amargura e a esperança". Isso é o Brasil, essa é a minha Pátria, mais uma vez, profundamente cindida, onde as elites e suas instituições, que se afastam cada vez mais de seu maravilhoso povo, deixando como resultado um terrível abandono e solidão, com poucas perspectivas de aproximação. Um livro magnífico.


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