sexta-feira, 11 de maio de 2018

História do cristianismo. Parte um. Ascensão e resgate da Seita de Jesus. Paul Johnson.

A finalidade deste post atende a um grupo de leitura formado por professores da Rede Pública do Estado do Paraná, que tem por objetivo fomentar a leitura e o conhecimento. O curso recebeu a denominação  de - Formação do Pensamento Ocidental. Este texto é preparatório para a Leitura das Confissões de Santo Agostinho (354 - 430). Por ele se mostra a importância de São Paulo na sedimentação do cristianismo. O texto é retirado do livro História do Cristianismo, de Paul Johnson. É o início de seu primeiro capítulo - Ascensão e resgate da Seita de Jesus.
 O monumental livro de Paul Johnson, donde retiramos este texto.

"Em algum momento, em torno de meados do primeiro século d.C., e muito provavelmente no ano 49, Paulo de Tarso saiu de Antióquia e rumou para Jerusalém, ao sul, onde encontrou os seguidores sobreviventes de Jesus de Nazaré, crucificado cerca de dezesseis anos antes. Essa Conferência Apostólica, ou Concílio de Jerusalém, foi o primeiro ato político na história do cristianismo e o ponto inicial a partir de que podemos procurar reconstruir a natureza da doutrina de Jesus, bem como as origens da religião e da igreja que ele trouxe à luz.

Temos dois relatos quase contemporâneos desse concílio. Um, datando da década seguinte, foi ditado pelo próprio Paulo em sua carta às congregações cristãs da Galácia, na Ásia Menor. O segundo é posterior, e provém de uma série de fontes ou relatos de testemunhas oculares, reunidos por Lucas nos Atos dos Apóstolos. É uma descrição branda e quase oficial de uma disputa na Igreja e sua resolução satisfatória. Examinemos essa segunda versão antes. Ela conta que "acalorado debate e controvérsia" tinham surgido em Antióquia porque "certas pessoas", de Jerusalém e da Judeia, em direta contradição com a doutrina de Paulo, vinham dizendo aos convertidos ao cristianismo que não poderiam ser salvos, a menos que se submetessem ao ritual judaico da circuncisão. Por consequência, Paulo, seu companheiro Barnabé e outros da missão para os gentios em Antióquia viajaram para Jerusalém para consultar "os apóstolos e os anciãos".

Ali, tiveram uma recepção mista. Receberam as boas-vindas da "Igreja, apóstolos e anciãos"; todavia, "algumas pessoas do partidos fariseus, que tinham abraçado a fé", insistiam em que Paulo estava errado e que todos os convertidos deveriam não apenas ser circuncidados como também aprender a seguir a lei judaica de Moisés. Houve "uma longa discussão", seguida de discursos de Pedro, que apoiava Paulo, do próprio Paulo e de Barnabé, e uma síntese de Tiago, o irmão mais novo de Jesus. Ele propôs um meio-termo que foi, aparentemente, adotado "com a concordância de toda a Igreja". Assim sendo, Paulo e seus companheiros seriam enviados de volta para Antióquia, acompanhados por uma delegação de Jerusalém, que levava uma carta. Esta estabelecia as regras da conciliação: os convertidos não precisariam submeter-se à circuncisão, mas teriam de observar certos preceitos da lei judaica, em termos de regime alimentar e conduta sexual. O relato de Lucas, nos Atos, assevera que se chegou a essa posição intermediária "por unanimidade", e que, quando a decisão foi comunicada à congregação de Antióquia, "todos se rejubilaram". Os delegados puderam, portanto, retornar a Jerusalém, tendo solucionado o problema, e Paulo prosseguiu com sua missão.

Essa, pois, é a descrição do primeiro concílio da Igreja, tal como narrada por um documento consensual, que se poderia considerar uma versão conciliatória e ecumênica, designada para apresentar a nova religião como um corpo místico dotado de uma vida própria, coordenada e unificada, encaminhando-se para conclusões inevitáveis e predestinadas. Os Atos, de fato, afirmam especificamente que a determinação do concílio foi "decisão do Espírito Santo". Não admira que tenha sido aceita por unanimidade! Não admira que "todos" em Antióquia se tenham "rejubilado frente ao ânimo por ela proporcionado".

A versão de Paulo, no entanto, apresenta um quadro bem diferente. E seu relato não é o de uma mera testemunha ocular, mas o do participante principal e central, talvez o único que compreendia a magnitude das questões em jogo. Paulo não está interessado em apurar as arestas ásperas da controvérsia. Ele está apresentando um caso a homens e mulheres cujas vidas espirituais são dominadas pelas questões com que se defrontaram os anciãos naquela sala em Jerusalém. Seu objetivo não é pacificador nem ecumênico, e muito menos diplomático. É um homem determinado a dizer  a verdade e imprimi-la como fogo nas mentes de seus leitores. Nos apócrifos Atos de Paulo, escritos talvez cem anos após sua morte, a tradição de sua aparência física é preservada com nitidez: "... um homem pequeno com uma grande cabeça careca. Suas pernas eram curvas, mas seu porte era nobre. Suas sobrancelhas eram bem unidas e ele tinha um grande nariz. Um homem que inspirava amistosidade". Ele mesmo diz que sua aparência não impressionava. Admite que não era orador; tampouco, externamente, um líder carismático. Contudo, as cartas autênticas que sobreviveram irradiam seu carisma interior: possuem a marca indelével de uma personalidade maciça, ávida, aventurosa, incansável, volúvel, um homem que luta heroicamente pela verdade e, então, apresenta-a com incontrolável entusiasmo, correndo à frente de sua capacidade de articulação. Não um homem com quem se poderia trabalhar, ou a quem confutar em uma discussão, fazer calar ou propor compromissos com facilidade: um homem perigoso, rígido, inesquecível, inspirando amistosidade, de fato, mas criando monstruosas dificuldades e declinando de resolvê-las por meio de qualquer sacrifício de verdade.

Ademais, Paulo tinha certeza de estar com a verdade. Não faz referência a nenhum endosso, nem mesmo sugestão, por parte do Espírito Santo, da solução conciliatória tal como apresentada por Lucas. Em sua epístola aos gálatas, algumas frases antes de sua versão do Concílio de Jerusalém, ele repudia, como tal, toda e qualquer ideia de um sistema conciliar que orientasse as questões da Igreja, todo e qualquer apelo ao julgamento dos mortais ali reunidos. "Tenho de deixar claro para vocês, meus amigos", escreve ele, "que o evangelho que me ouviram pregar não é nenhuma invenção humana. Não o recebi de homem algum; nenhum homem ensinou-o para mim; recebi-o por meio de uma revelação de Jesus Cristo". Assim sendo, ao descrever o concílio e suas consequências, Paulo escreve como se sente, de forma crua, concreta e inequívoca. Seu concílio não é uma reunião de espíritos inspirados, agindo de acordo com a infalível orientação do espírito, mas uma conferência humana de homens fracos e vulneráveis, dos quais somente ele possuía mandato divino. Como poderia ser diferente, sob seu ponto de vista? Os elementos judaicos estavam arruinando sua missão em Antióquia, que ele conduzia por instruções explícitas de Deus,"que me havia destinado desde o nascimento e chamado por meio de sua graça, escolheu seu Filho para mim e através de mim, a fim de que eu pudesse proclamá-lo entre os gentios". Para derrotá-los, pois, ele foi a Jerusalém "porque fora revelado por Deus que eu deveria fazê-lo". Viu os líderes dos cristãos de Jerusalém, "os homens de renome", como ele os chama "em uma entrevista particular". Esses homens - Tiago, o irmão de Cristo, os apóstolos Pedro e João, "esses bem considerados pilares de nossa sociedade" - sentiram-se inclinados a aceitar o evangelho tal como Paulo o ensinava e a reconhecer suas credenciais como apóstolo e mestre da doutrina de Cristo. Dividiram o território missionário, "concordando que deveríamos ir para os gentios enquanto eles iam para os judeus". Tudo que pediram foi que Paulo se certificasse de que suas congregações gentílicas proporcionassem apoio financeiro para a Igreja de Jerusalém, "exatamente o que me encarreguei de fazer". Tendo chegado a esse acordo, Paulo e os pilares "firmaram o pacto". Não se faz referência a qualquer concessão feita por Paulo quanto à doutrina. Pelo contrário, ele se queixa de que a imposição da circuncisão aos convertidos fora, até então, "estimulada" como aliciamento de "certos falsos cristãos, intrusos que se haviam imiscuído para espreitar a liberdade de que usufruímos em companhia de Jesus Cristo". Mas "nem por um momento cedi aos seus ditames". Encontrava-se "determinado na verdade plena do evangelho". Infelizmente, prossegue Paulo, sua aparente vitória em Jerusalém não encerrou a questão. Os "pilares", que se haviam comprometido a permanecer firmes contra os "falsos cristãos" judeus, em troca de apoio financeiro, não o fizeram. Quando Pedro, posteriormente, veio a Antióquia, estava pronto, a princípio, para tratar os cristãos gentios como iguais em termos religiosos e raciais, e comer suas refeições com eles; porém, depois, quando os emissários de Tiago chegaram à cidade, ele "retrocedeu e começou a manter-se à parte, por temer os partidários da circuncisão". Pedro encontrava-se "claramente em erro", o que Paulo lhe disse "em sua cara". Infelizmente, outros mostraram "a mesma falta de princípios", até Barnabé, que "agiu com a mesma falsidade dos demais". Paulo escreve em um contexto que a batalha, longe de estar ganha, continua e intensifica-se; e dá a clara impressão de que teme estar perdido.
Um encontro do nosso grupo de leitura.


Paulo escreve com paixão, urgência e medo. Discorda do relato nos Atos não apenas por ver os fatos de outro modo, mas porque tem uma ideia rematadamente mais radical de sua importância. Para Lucas, o concílio de Jerusalém é um incidente eclesiástico. Para Paulo, é parte da maior luta já travada. O que há por trás dele são duas ideias por resolver. Jesus Cristo havia fundado uma nova religião, a verdadeira, por fim? Ou, em outras palavras, ele era um Deus ou um homem? Se Paulo for vindicado, nascerá o cristianismo. Se for desautorizado, os ensinamentos de Jesus não passarão das peculiaridades de uma seita judaica, fadada a submergir no fluxo principal de um antigo credo". JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro. Imago. 2001. Páginas 11-14.




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