terça-feira, 11 de dezembro de 2018

O ódio como política. I. A reemergência da direita brasileira. Luis Felipe Miguel.

Tenho prestado muita atenção nas publicações da Boitempo. Estão espetaculares. A mais recente obra publicada pela editora que eu entrei em contato é O ódio como política - a reinvenção das direitas no Brasil. O livro é organizado por Esther Solano Gallego e é uma coletânea de quase vinte textos, tendo cada um em torno de cinco páginas. Como consta no título, o ódio é o grande mote do livro e este ódio é algo intrinsecamente ligado à direita, à direita brasileira, mas as suas fontes são mundiais. Vou resenhar alguns textos do livro.
Fundamental para entender o que se passa no Brasil de hoje.

O primeiro destes textos, que é também o primeiro do livro, é de autoria de Luis Felipe Miguel e tem por título A reemergência da direita brasileira. Luis Felipe afirma que esta direita se reestruturou, especialmente, a partir do governo de Dilma Rousseff em movimentos organizados por extremistas de direita e pelos constantes deslocamentos dos tucanos para a direita. Aponta para a existência de três grandes eixos ou fontes, que tem em comum, o ódio ao PT. Estes três eixos são as doutrinas ou ideologias do libertarianismo, os fundamentalismos religiosos e, ainda, o velho anticomunismo.

O libertarianismo tem as suas origens no próprio liberalismo, mas como ele teve muitas ressignificações, o de hoje se fundamenta nas reações a um de seus movimentos internos, que foi a social democracia, o Estado de bem-estar ou então o Estado Democrático de Direito. É uma forte reação à intervenção estatal na economia, surgida a partir da doutrina de Hayek, em O Caminho da servidão e que ficou conhecida como neoliberalismo. Hayek ganhou novos contornos com Friedamn e a sua escola de Chicago, que espalhou mundo afora, os seus Chicago boys. Este ultra liberalismo ganhou novos contornos dentro da escola austríaca, que, cada vez mais à extrema, apresenta novos nomes como os de Murray Rothbard e Hans Herman Hoppe. Um maior relato pode ser encontrado em http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/02/a-nova-razao-do-mundo-ensaio-sobre.html. Chegam ao ponto de negar qualquer tipo de solidariedade social, oriunda a partir de políticas públicas.

A sua defesa da liberdade atinge até os campos da moral, admitindo o princípio da liberdade individual, que no campo religioso seria o livre arbítrio, para questões como o uso das drogas e da  estruturação familiar. Se somam, no entanto, ao fundamentalismo religioso, na manutenção da autoridade patriarcal. Mas o seu grande alvo será sempre o impedimento de ações positivas do Estado em favor da cidadania. O destrinchar de regulamentações é um de seus grandes princípios, levando tudo para a esfera dos contratos celebrados entre as pessoas, em suas condições de igualdade e de livre negociação. Um cinismo sem tamanho.

A segunda grande vertente é a do fundamentalismo religioso, que brota e jorra, especialmente, a partir das igrejas evangélicas neopentecostais, ligadas às denominadas "teologias da prosperidade. Para entrar nesse campo recomendo muito a leitura de Os demônios descem do norte, de Délcio Monteiro de Lima, do qual apresento uma pequena resenha. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/12/os-demonios-descem-do-norte-delcio.html

Mas o fato novo é que estas denominações começam a entrar diretamente no campo da política, a partir dos anos 1990, formando a chamada bancada evangélica. A estas bancadas se aliaram setores do catolicismo conservador, anulando toda a ação de católicos e evangélicos progressistas. O seu fundamento se encontra na verdade revelada, na oposição à descriminalização do aborto, no culto à homofobia e na aversão ao que chamam de "ideologia de gênero". Em nome da moral cristã, impõem toda uma pauta conservadora no campo da política, dos direitos civis, das chamadas liberdades individuais. O PT procurou se aproximar desta bancada. Se no começo teve algum êxito, se viu logo abandonado, no surgimento da primeira crise.

A terceira fonte é a do velho anticomunismo, que marca uma volta às práticas do macarthismo, da guerra fria e da ideologia da segurança nacional, todas presentes no golpe civil militar de 1964. Embora o comunismo, em seu estilo stalinista ou do socialismo real, não mais exista, ele foi e está sendo ligado ao PT. Hoje, tentam emplacar a ideia de que o comunismo e o PT são absolutamente a mesma coisa. O filósofo e astrólogo (Contradictio in terminis) Olavo de Carvalho é o seu grande representante. A defesa da cultura ocidental, capitalista e cristã, e a não dissolução da família tradicional, com os valores do patriarcalismo, são seus grandes motes de atuação.
Com Luis Felipe Miguel, em autógrafo no livro Dominação e resistência - Desafios para uma política emancipatória.

Seus locais de pregação são os lugares tradicionais, acrescidos pelas novidades das redes sociais. O seu discurso também ganhou novos componentes com o discurso anti corrupção (do PT), contra os direitos humanos, que protegem bandidos, da satanização das políticas públicas pró cidadania, que destroem os valores da meritocracia, substituindo-os por uma preguiça e indolência atávicas. Como resultado visam e estão alcançando êxitos na desregulamentação das leis do trabalho, na limitação do acesso ao ensino superior, na limitação do direito de aposentadoria, no senso de justiçamentos sumários e na demonização geral das políticas públicas como instrumentos da cidadania. Qual será o resultado final de todo este processo?

Deixo ainda os próximos textos, na sequência: Neoconservadorismo e liberalismo, de Sílvio Luiz de Almeida; A nova direita e a normalização do nazismo e do fascismo, de Carapanã; As classes dominantes e a nova direita no Brasil contemporâneo, de Flávio Henrique Calheiros Casimiro: O boom das novas direitas brasileiras: financiamento ou militância, de Camila Rocha. Sobre os outros textos eu volto em outras postagens. Recomendo muito toda a leitura, que traz nomes, instituições e formas de ação destes seres e entidades na defesa de seus escusos e nada solidários interesses.

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