quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Crime e Castigo. Fiódor Dostoiévski.

Recorro a Paulo Bezerra, o tradutor de Crime e Castigo, diretamente do russo, para iniciar este post: "Há cento e cinquenta anos uma bomba explodia em Petersburgo; vinha à luz o romance Crime e Castigo (1866), narrando a história de um jovem inteligentíssimo e culto que assassina uma velha usurária, motivado por uma teoria segundo a qual os indivíduos socialmente nocivos e inúteis devem ser eliminados". Esta nota aparece ao final da obra, em uma espécie de posfácio - sob o título de - Um romance que o tempo consagrou.
Tradução direto do russo. Editora 34.


A velha usurária é Aliena Ivánovna, com quem Rodion Románovitch Raskólnikov, ou simplesmente Ródia, o inteligentíssimo e culto jovem penhorava alguns objetos que lhe sobravam, em troca de dinheiro. Mas o assassinato é duplo. Como aparecera, no momento do assassinato, a sua meia-irmã, Lisaveta Ivánovna, também sobrou para ela. As duas, na concepção de Ródia, eram inúteis em virtude da prática da agiotagem e da venda dos objetos penhorados. Este fato é o tema central do romance. Um complexo romance de 566 páginas. O livro que eu li é da Editora 34, em reimpressão de 2018. O livro se divide em seis partes, mais um epilogo, lista de personagens, posfácio do tradutor e breves traços biográficos do autor e do tradutor.

O jovem Ródia nos oferece o fio condutor de toda a obra. Na primeira parte (sete capítulos) encontramos o jovem morando mal, em verdadeiros cubículos, em Petersburgo e, completamente desencontrado da vida e que, entre momentos de lucidez e de loucura, irá perpetrar o seu crime. Na segunda parte (mais sete capítulos) ele é acometido pela culpa, que se transforma em loucura. Procura se desfazer de todos os sinais e do butim do duplo assassinato, destacando-se que ele não tirou proveito nem dos objetos e nem do dinheiro roubado. Nessa segunda parte chegam a Petersburgo a sua mãe, Pulkhéria Aleksándrovna Raskólnikova, e a irmã Advótia Románovna Raskólnikova, a Dúnia, para casar-se com Piotr Pietróvitch Lújin, seguramente, um personagem do mal. Este namoro marca um encontro entre a singeleza e a inocência com o mal absoluto. Ródia impedirá o casamento. Ainda neste capítulo, Ródia acode um conhecido, morto em um atropelamento. Era o pai de Sônia, personagem fundamental, na continuidade do romance. Ródia dá todo o dinheiro, que recém acabara de receber de sua mãe, para os funerais. Sua bondade não tinha limites.

Na terceira parte (seis capítulos) muitos personagens são envolvidos, com destaque para Porfiri Pietróvitch, o astuto juiz de instrução, que insinua não desconfiar de nada, jogando verde para colher maduro. As suspeitas se avolumam e o cerco se fecha. Iniciam-se as discussões jurídicas em torno do mote do crime. Na quarta parte (de novo seis capítulos) um antigo personagem se transforma em ator principal. Trata-se de Arkadi Ivánovitch Svidrigáilov, marido de Marfa Pietróvna, donos de uma propriedade rural onde Dúnia, a irmã de Ródia, trabalhou como governanta e fora importunada pelo proprietário. Este, na condição de viúvo, retorna ao cenário. Dostoiévski lhe reserva um final trágico. Outro personagem do mal. Aparece um assassino confesso das irmãs Ivánovna. Aparentemente, Raskólnikov está livre de suspeitas.

Na quinta parte (cinco capítulos) praticamente todos os personagens são envolvidos. O grande destaque fica para a confissão do crime, que Ródia faz para Sônia, apontando também para os seus motivos: "Vê só: eu queria tornar-me um Napoleão e por isso matei". E continua, aprofundando as razões do crime: "O negócio foi o seguinte: certa vez me fiz uma pergunta: o que aconteceria se, por exemplo, no meu lugar estivesse Napoleão e, para começar a carreira, ele não tivesse nem Toulon, nem o Egito, nem a travessia do Mont Blanc, mas em vez dessas coisas bonitas e monumentais houvesse pura e simplesmente alguma velha ridícula, usurária, que ainda por cima ele precisasse matar para lhe surrupiar o dinheiro do cofre (para a sua carreira, estás entendendo)?" Eis o mote. Não um assassino, mas um herói.

Na sexta parte (oito capítulos) ocorrem os encaminhamentos para o final. O juiz de instrução o acusa e o tribunal o condena a trabalhos forçados na Sibéria. Ao tribunal ele confessou:"Fui eu que matei com um machado a velha viúva do funcionário e sua irmã Lisaveta e a roubei". Seguem dois capítulos, na qualidade de epílogo. Neles é narrada a prisão, a relação com o trabalho e com os colegas presos e, acima de tudo, a dedicação de Sônia. Juntos leem a Ressurreição de Lázaro numa simbologia com a sua própria ressurreição, ao lado de Sônia, para um novo mundo e para um novo sentido do viver. Vejamos o parágrafo final: "Mas aqui já começa outra história, a história da renovação gradual de um homem, a história do seu gradual renascimento, da passagem gradual de um mundo a outro, do conhecimento de uma realidade nova, até então totalmente desconhecida. Isto poderia ser o tema de um novo relato - mas este está concluído". Cheio de simbolizações e intenções. Acima de tudo um show de narrativa e de descrição de personagens.

Apresento ainda os dois parágrafos da contracapa do livro: "Publicado em 1866, Crime e castigo é a obra mais célebre de Fiódor Dostoiévski. Neste livro, Raskólnikov, um jovem estudante, pobre e desesperado, perambula pelas ruas de São Petersburgo até cometer um crime que tentará justificar por uma teoria: grandes homens, como César ou Napoleão, foram assassinos absolvidos pela História. Este ato desencadeia uma narrativa labiríntica que arrasta o leitor por becos, tabernas, e pequenos cômodos, povoados de personagens que lutam para preservar sua dignidade contra as várias formas da tirania.

Pela primeira vez em nossa língua em tradução direta do russo, Crime e castigo - agora revelado sem a mediação e o peso que a cultura francesa representava para os tradutores do passado - mostra  com nitidez suas múltiplas possibilidades de leitura: a voz inconfundível de cada personagem, a análise aguda da sociedade, os diversos movimentos da alma de Raskólnikov, da extrema contração do ódio à redenção pelo amor".





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