sábado, 9 de março de 2019

Fascismo eterno. Umberto Eco.

Cheguei a este livro pela via da própria compra. Sabe, aquele aviso: quem compra estes livros também tem interesse em comprar... Gostei da ideia e não tive dúvida. A conjunção do tema - fascismo e Umberto Eco, autor consagrado, eliminou qualquer dúvida. Trata-se de O fascismo eterno. Umberto Eco usa muito a expressão Ur, comum a várias línguas, para a designação de eterno. A primeira coisa que eu fui verificar, foi a ano da edição brasileira. 2018. Por que será? A edição italiana é de 1997. O livro, um pequeno livro, é uma palestra do autor, realizada na Universidade de Colúmbia, no ano de 1995.
O livro é uma conferência proferida na Universidade de Colúmbia, em 1995.

Estes dados dão especificidade ao tema, pois, neste ano de 1995 ocorreu o maior atentado terrorista interno nos Estados Unidos, o atentado de Oklahoma, responsável pela morte de 168 pessoas. Ele veio junto com a descoberta de que existiam organizações militares de extrema direita nos Estados Unidos, nos alerta o autor, em nota introdutória ao livro. A conferência e o teor do livro tem, portanto, um destinatário específico. Os jovens estudantes dos Estados Unidos. Mas o tema é necessariamente universal.

A conferência começa pela memória dos fatos. Eco se reporta ao ano de 1942, ano em que ele responde positivamente a uma pergunta feita para todos os alunos, na escola em que estudava, nas proximidades de Milão: "Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália? Como o autor nasceu em 1932, ele devia estar em torno de seus dez anos. Apenas por curiosidade, Eco nasceu na cidade de Alexandria. A fala continua com o evocar de suas memórias. Já neste tempo, afirma, começou a distinguir entre liberdade e libertação e o significado que tem as palavras e o  discurso. Notável. As memórias continuam com a evocação dos movimentos de Resistência, os Partigiani, e o contato com os soldados americanos. E, também, o primeiro chiclete.

A conferência passa a situar historicamente os movimentos fascistas do século XX, precedidos pelo fascismo de Mussolini, com bases teóricas em Giovanni Gentili, mas que "refletia uma noção hegeliana tardia do 'estado ético absoluto'". Este fascismo se propaga por toda a Europa e pela América do Sul. Eco atenta para as diferenças fundamentais destes sistemas e aponta, inclusive, inúmeras contradições entre eles. Mas a centralidade da palestra está na identificação de traços comuns, encontrados em todas as suas diferentes manifestações. São 14 diferentes faces que ele nos apresenta. É impressionante a facilidade com que podemos aplicar estas características ao triste momento histórico vivido pelo Brasil do presente. Mas vamos às características, de forma bem sintética. Para quem quiser mais, remetemos para o livro.

1. O culto da tradição: O tradicionalismo é mais velho do que o próprio fascismo. No Mediterrâneo formou-se um sincretismo religioso que não mais admitia contestações. A verdade estava posta e não poderia ser contestada. A cultura ocidental. Não poderá mais haver avanço no saber.

2. A recusa da modernidade: A modernidade significa um não aos valores tradicionais. São de extrema hostilidade ao iluminismo e à idade da razão, vistos como perversões da modernidade. Admitem apenas a evolução da técnica. Os fatores vão se somando.

3. O irracionalismo da ação pela ação: A ação é bela em si e carece de qualquer reflexão. Por isso o desprezo pela cultura e pela universidade. Eco lembra uma frase atribuída a Goebbels: "Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola. Tem a marca profunda do antiintelectualismo.

4. A não aceitação da crítica: Ela gera distinções e distinções são marcas da modernidade e geram os avanços, avanços estes que ferem as tradições. Estar em desacordo é sempre uma traição.

5. A não aceitação da diversidade: o sistema não tolera o desacordo e a diversidade. Expressa um ódio profundo às diferenças e ao diverso, aos intrusos. Daí o seu fundamento racista.

6. Tem a sua raiz em alguma frustração individual ou social: Esta é uma das razões ao apelo às classes médias frustradas em função de uma crise ou humilhação política, assustados pela pressão de grupos sociais subalternos. Aqueles do medo proletário são sempre o seu auditório preferido.

7. São privados de qualquer identidade social: Tem em comum apenas o fato de terem nascido no mesmo país. Daí um nacionalismo meio sem sentido, com obsessão pelo inimigo. Daí a perigosa raiz da xenofobia. Mas, para além dos inimigos externos, também existem os internos.

8. Humilhação diante da riqueza e da força do inimigo: Mas conseguem ser convencidos de que conseguem vencer o inimigo. Isso impede a possibilidade de avaliações objetivas.

9. Não há luta pela vida mas vida a serviço da luta: Por isso o pacifismo é conluio com o inimigo. O pacifismo é incompatível com a grandeza de objetivos. A vida é uma guerra permanente. Vive-se em permanente estado de beligerância. A situações exigem uma "solução final".

10. Elitismo e aristocracia são elementos constituintes: Este fenômeno ocorre simultaneamente com o desprezo pelos mais fracos. Não existem patrícios sem os plebeus. As massas tem a necessidade de um dominador. O poder é obtido pela imposição da força.

11. Ser herói é uma norma: O maior heroísmo, no entanto, está na morte e não na vida. A morte é a recompensa para uma vida heroica. Porém sua impaciência, geralmente, provoca a morte dos outros.

12. A transferência de sua vontade de poder para a sexualidade: Mas como o poder e o jogo do sexo são difíceis de ser jogados, refugia-se no machismo. "Seus jogos de guerra se devem a uma invidia penis permanente.

13. Indivíduos enquanto indivíduos estão destituídos de direitos: Os seres humanos se realizam apenas como "vontade comum". Isso faz com que sintam a necessidade de um líder, condutor, o seu intérprete. Apenas assumem o papel de povo. Odeiam os parlamentos. Um dos primeiros sintomas.

14. Falam a novilíngua: Os textos escolares devem ter um léxico simples e uma sintaxe elementar para jamais permitirem raciocínios críticos e complexos.

No encerramento, Eco volta às suas memórias. 27 de julho de 1943. O fascismo caíra e Mussolini fora preso. A mãe mandou-o comprar jornais. Os jornais diziam coisas diferentes e diferentes partidos políticos assinavam um manifesto conjunto. "A mensagem celebrava o fim da ditadura e o retorno à liberdade: liberdade de palavra, de imprensa, de associação política. Estas palavras "liberdade", "ditadura" - Deus meu ! - Era a primeira vez em toda a minha vida que eu as lia. Em virtude dessas novas palavras renasci como homem livre ocidental". Simplesmente maravilhoso.

Estas características tem muitas afinidades com as pesquisas de Adorno, do ano de 1950, sobre a personalidade autoritária http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/01/sociedade-sem-lei-pos-democracia.html  e as teorias individualistas desenvolvidas por Nietzsche.

Estou lendo agora - Espelho do Ocidente. O nazismo e a civilização ocidental, de Jean-Louis Vullierme, que simplesmente desanca a cultura ocidental. É dentro dela que o nazismo fez o seu ninho.
Mais ou menos de acordo com o item de número 1. Com aprofundamentos.


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