segunda-feira, 13 de maio de 2019

Amada. Toni Morrison. A primeira negra Nobel de literatura. 1993.

O principal motivo que me levou à leitura deste livro Amada, de Toni Morrison, foi o de ela ter sido prêmio Nobel de literatura. E com um acréscimo. Ela foi a primeira mulher negra a ser laureada com este título. Ler um Nobel, certamente, nunca decepciona. O ano em que ela recebeu o prêmio, foi o de 1993. Como escritora negra, o tema da escravidão, por óbvio, é o mote de sua obra. Ele está presente em todas as 363 páginas de seu livro. O livro é datado em 1987.
Amada, de Toni Morrison tem publicação pela Companhia das letras. Nobel de 1993.

Ultimamente estou lendo romances de estrutura narrativa complexa. Amada não fugiu desta estrutura. Narrador, tempo, o real e a ficção, o simbólico, as entrelinhas, o poético, a linguagem figurativa são todos elementos que fogem a uma narrativa simplesmente linear. A mulher negra e as suas lutas por um espaço na sociedade, numa sociedade que nega estes espaços, é o grande tema da obra. Sethe é esta mulher.

No Prefácio Toni Morrison nos dá a origem ou a concepção da obra: "Um recorte de jornal do The Black Book [O livro negro] resumia a história de Margaret Garner, uma jovem que, depois de escapar da escravidão, foi presa por matar um de seus filhos (e tentar matar os outros), para impedir que fossem devolvidos à plantação do senhor. Ela se transformou numa cause célèbre da luta contra as leis dos Escravos Fugitivos, que determinava que os que escapassem fossem devolvidos a seus donos. O equilíbrio e a ausência de arrependimento dela chamavam a atenção dos abolicionistas, assim como dos jornais. Ela era, sem dúvida, determinada e, a julgar por seus comentários, tinha a inteligência, a ferocidade e a vontade de arriscar por aquilo que, para ela, era a necessidade de liberdade".

Eis o romance. Margaret Garner será Sethe. Junto dela viverá Paul D e a filha Denver. E para assombrá-los, Amada, uma espécie de fantasma da filha, que fora morta pela mãe. A partir desta estrutura narrativa ocorrerá uma viagem no tempo para as principais cidades e estados escravocratas, com muitas reminiscências dos horrores que foram estes tempos. Ao final, apresento duas destas passagens. Como a estrutura narrativa é complexa e difícil para se fazer uma resenha, apresento a orelha do livro, que certamente será um bom indicador para a leitura.

"Qual o sentido da memória numa existência marcada pelo horror? Como reconstruir afetos em meio aos tormentos do rancor e da culpa? São questões como essas que perpassam este livro, vencedor do Prêmio Pulitzer de 1988.

Amada gira em torno de Sethe, ex-escrava que, alguns anos após o fim da Guerra Civil, vive com a filha numa casa nos arredores de Cincinatti. Sua família já foi bem mais numerosa. O marido, Halle, deveria ter escapado com ela da fazenda onde eram cativos, mas desapareceu; os filhos mais velhos fugiram de casa; Baby Suggs, sogra e principal liderança familiar morreu há algum tempo, deixando Sethe e a caçula Denver às voltas com a desconfiança dos vizinhos e, dentro de casa, com estranhos e assustadores fenômenos.

A verdade é que as duas não estão exatamente sozinhas. Com elas vive o fantasma de um bebê, responsável pela atmosfera atormentada que paira sobre a casa: trata-se de outra filha de Sethe, morta cerca de dezoito anos antes. Suas aparições cessam com a chegada de Paul D, velho conhecido dos tempos de escravidão que, à sua maneira, devolve a Sethe a esperança de construir uma vida nova, alheia aos traumas do passado. Mas uma segunda e inesperada visita traz novamente à tona cada um dos tormentos da protagonista - e a desafia a encarar o lado mais tenebroso de sua existência.

Amada é uma jovem misteriosa, que carrega como nome a única palavra gravada na lápide do bebê falecido. Com sutileza ela conquista a confiança de Denver e, aos poucos, inicia um processo de 'imersão' na vida de Sethe, num movimento que conjuga doses iguais de afeto e vingança.

Com estilo sinuoso, alternando registros e pontos de vista, Toni Morrison constrói uma narrativa complexa, que entrelaça com maestria brutalidade e lirismo, danação e encantamento. Baseado em acontecimentos reais, Amada é a bem-sucedida tentativa de compreender de forma profunda o legado da escravidão. Não por acaso, tornou-se um clássico contemporâneo, considerado por muitos o romance definitivo sobre o período mais doloroso da história americana".

Desta dolorosa história selecionei duas pequenas passagens: "Na casa de Lillian Garner, dispensada do trabalho no campo que quebrou seu quadril e da exaustão que entorpecia sua mente; na casa de Lillian Garner, onde ninguém a violava (nem espancava), ouvia a mulherbranca cantarolar durante o trabalho; via seu rosto se acender quando mr. Garner chegava e pensava: aqui é melhor, mas eu não estou melhor. Os Garner, parecia-lhe, tinham um tipo especial de escravidão, tratavam os escravos como trabalhadores pagos, ouviam o que diziam, ensinavam o que queriam que soubessem. E não faziam seus rapazes procriarem. Nunca os levavam à sua cabana com ordens de 'deitar com ela', como faziam na Carolina, nem alugavam seu sexo para outras fazendas. Isso a surpreendia e agradava, mas preocupava também. Ele iria escolher mulheres para eles ou o que achava que ia acontecer quando aqueles rapazes sentissem o gosto de sua natureza? Ele estava namorando algum perigo e certamente sabia disso. Na verdade, sua ordem de não saírem da Doce Lar, a não ser em sua companhia, não era tanto por causa da lei, mas pelo perigo de deixar à solta escravos criados como homens" (193).

"... Mil oitocentos e setenta e quatro e homens brancos ainda à solta. Negros eliminados de cidades inteiras; oitenta e sete linchamentos em apenas um ano em Kentucky; quatro escolas de pretos queimadas até o chão; homens adultos chicoteados como crianças; crianças chicoteadas como adultos; mulheres negras estupradas pela multidão; propriedades tomadas, pescoços quebrados. Ele sentiu cheiro de pele, pele e sangue quente. A pele era uma coisa, mas sangue humano cozido numa fogueira de linchamento era outra coisa completamente diferente. O fedor fedia" (242).

Ainda, dados biográficos da laureada, retirados da contracapa: Toni Morrison nasceu em 1931, em Ohio, nos Estados Unidos. Formada em letras pela Howard University, estreou como romancista em 1970, com O olho mais azul. Amada lhe valeu o prêmio Pulitzer. Foi a primeira escritora negra a receber o prêmio Nobel de literatura, em 1993". A versão brasileira do livro é da Companhia das Letras (2018), com tradução de José Rubens Siqueira.

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