quarta-feira, 22 de maio de 2019

Terceiro Reich. Na história e na memória. Richard J. Evans.

Costumo preparar minuciosamente as minhas viagens. Como estou projetando uma para a Alemanha e para as capitais próximas como Praga, Bratislava, Budapeste e Viena, comecei esta preparação com a leitura de Terceiro Reich - Na história e na memória - Novas perspectivas sobre o nazismo, seu poder político, sua intrincada economia e seus efeitos na Alemanha do pós-guerra. O autor é o londrino Richard J. Evans, com tradução de Renato Marques. A edição original é de 2015 e a brasileira de 2018, pela Crítica.
O ilustrativo livro de Richard J. Evans.

O autor é  um especialista em história da Alemanha e foi professor nas universidades de Colúmbia e de Londres, lecionando hoje na universidade de Cambridge. Ele é o autor de uma trilogia que é considerada como o mais importante estudo sobre o nazismo. Apenas isso! A trilogia tem os seguintes títulos: A chegado do Terceiro Reich; Terceiro Reich no poder e Terceiro Reich em guerra. Para datar o autor, constatamos que ele nasceu em 1948.

A obra é densa, de quem efetivamente conhece o tema. Fiquei agradavelmente surpreso com a qualidade da obra, pela precisão das informações e a sua contextualização. Ele abrange a origem dos fatos históricos, os contextualiza durante a guerra e mostra, e este é objetivo maior da obra, as múltiplas consequências que estes fatos provocaram. A primeira afirmação que posso fazer é de que a minha perspectiva de leitura foi inteiramente alcançada e já estou bem mais apto para empreender a minha viagem. Quem tem poucas oportunidades para viajar tem que aproveitá-las muito bem.

Como atualmente vivemos uma situação extremamente conturbada no Brasil, também estou me dedicando a leituras sobre a questão do fascismo e do nazismo. Tenho duas indicações  prévias a fazer. Uma é do escritor Philip Roth, Complô contra a América, uma memorável ficção sobre os Estados Unidos frente a Segunda Guerra http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/04/complo-contra-america-philip-roth.html e o extraordinário Espelho do ocidente - o nazismo e a civilização ocidental de Jean-Louis Vullierme http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/03/espelho-do-ocidente-o-nazismo-e.html. Mas vamos ao livro de Richard J. Evans.

Ele tem 495 páginas, distribuídas ao longo de um prefácio e sete capítulos. No prefácio ele apresenta a Alemanha a partir de sua unificação, em 1871. Da unificação à formação de um Império poderia ser o título desta apresentação. Os capítulos tem os seguintes títulos, que especificarei logo em seguida: 1. República e Reich; 2. Por dentro da Alemanha nazista; 3. A economia nazista; 4. Política externa; 5. Vitória e derrota; 6. A política de genocídio e 7. Consequências e desdobramentos.

O primeiro capítulo, República e Reich, tem os seguintes subtítulos: Projeto de genocídio?; imaginando o Império; A derrota de 1918; Walter Rathenau; Berlim na década de 1920 e Forasteiros sociais. As abordagens são de encher os olhos, especialmente, de lágrimas. Projeto de genocídio? Ao que tudo indica, sim. As práticas de extermínio tiveram uma escola de treinamento no colonialismo que a Alemanha impôs ás sua colônias na África, especialmente, na Namíbia. Ali se formou e se forjou o conceito de "raça inferior útil". Ali não houve uma missão civilizadora mas experimentos científicos e práticas de extermínio. Observe-se que isto era uma regra gral do colonialismo. Com este prenúncio não fica difícil imaginar a pretensão da formação de um Império. Todas as nações o queriam. O mais impressionante tópico é, sem dúvida, o último que poderia receber um título como as origens do ódio e da segregação, desde as guildas e o desprezo pelas pessoas que ocupavam as funções inferiores na divisão social do trabalho. Um horror de "processo civilizatório".

O segundo capítulo, Por Dentro da Alemanha nazista, tem os seguintes subtítulos: Coerção e consentimento; A "Comunidade do Povo"; Hitler era doente e Adolf e Eva. Creio ser visível, pelos títulos, a importante questão da adesão ao nazismo e os esforços de propaganda neste sentido. O sentir-se "alemão" e o orgulho da raça ariana foram os conceitos amplamente trabalhados e, com sucesso. E mais dois tópicos de curiosidades que envolvem a vida do Führer.

O terceiro capítulo, A Economia Nazista, é um fenômeno à parte. Tem os seguintes subtítulos: Recuperação econômica; O "Carro do Povo"; As armas da Krupp e o simpatizante. É sabido que Hitler recuperou a economia alemã, domando a alta inflacionária e eliminando o desemprego. A indústria bélica em muito ajudou. A história da estatal Volkswagen é muito interessante, desde a sua concepção, seus usos e a modernização da fábrica. A história da Krupp é de arrepiar. A família Krupp me lembrou muito os novos ricos empresários brasileiros e a sua vontade absoluta de enriquecimento, passando por alto sobre toda a questão da cidadania e dos direitos. Krupp exerceu o que se pode chamar de "escravidão com trabalho remunerado", que se tornou uma prática constante, que culminou com as mortes por exaustão nos futuros campos de concentração. A Krupp se transformou no atual poderoso grupo da Thiessen. O simpatizante é um empresário, absolvido nos tribunais, Alfred Toepfer, que criou uma fundação, sediada em Hamburgo, que financia estudos sobre o nazismo. Uma interessante questão, um tanto particular ao autor. A meu ver faltou o envolvimento da IGFarben neste capítulo.

O quarto capítulo, Política Externa, tem os seguintes subtítulos: O aliado de Hitler; Rumo à guerra e nazistas e diplomatas. É evidente que o grande aliado de Hitler foi Mussolini e que os seus grandes inimigos foram a França, a Inglaterra, a União Soviética e os  Estados Unidos. Estes tópicos contém interessantes revelações sobre a diplomacia deste conturbado período. O autor procura desvendar se o Ministério era, ou não, linha auxiliar do regime nazista. Busca ainda esclarecer sobre este Ministério no pós-guerra.

O quinto capítulo, Vitória e Derrota, apresenta os seguintes temas: Decisões fatídicas; Engenheiros da vitória; O alimento da guerra, Derrota na vitória e Declínio e queda. Muito mais do que decisões que possam ter sido contestadas, a força econômica dos aliados foi o fator que pesou mais forte. O capítulo vale, especialmente, pelo fato de mostrar o intrincado xadrez dos passos da guerra, tanto nos avanços quanto na derrocada nazista e os bastidores destas terríveis decisões. Também é dada a devida importância para a questão dos alimentos, a produção de novas armas e a questão dos combustíveis ao longo da guerra. Estes fatores foram absolutamente determinantes. Ao final a questão da não suspensão da guerra é levantada. Ela se arrastou, mesmo após a derrocada.

O sexto capítulo, A Política de Genocídio, aborda as seguintes questões: Império, raça e guerra; A "Solução Final" foi singular?; Os campos de morte da Europa. Logo no início do regime Hitler pede a seus seguidores fechar o coração para a piedade e convoca os alemães a agir com brutalidade, pois o judeu era o inimigo mundial a ser derrotado. Este era o grande projeto de Hitler, que na juventude se aproximou da ópera de Wagner e dos romances de Karl May, que possivelmente o influenciaram. Quanto a "solução final", ou a ordem de extermínio dos judeus, a morte já era uma prática bastante comum nos regimes de dominação que a Europa impôs nos tempos do colonialismo. Com Hitler se chegou aos extremos, formando par com Stálin. Outra abordagem que acompanha todo o livro é a questão de Hitler com o leste europeu. Aí estava o "Lebensraum" do Império. A expansão dos Estados Unidos, em sua marcha para o oeste, serviu de inspiração.

O sétimo e último capítulo, Consequências e Desdobramentos apresenta estes tópicos: O outro horror; Utopias urbanas e Arte em tempos de guerra. O outro horror foi a viagem de volta dos alemães, do leste europeu para a Alemanha, um tempo pouco estudado no período pós-guerra. As utopias urbanas se relaciona aos projetos urbanos pós destruição, pelos bombardeios aéreos e as cidades sob novas perspectivas urbanísticas. O último tópico fala de roubos. Os mostra ao longo da história e também os saques praticados pelos alemães.

Deixo ainda, a contracapa do livro, junto com a recomendação de leitura e, de um modo todo especial, para os professores e estudiosos da história: "Uma das maiores autoridades mundiais sobre o nazismo, o historiador inglês Richard Evans, autor da trilogia que é a maior referência sobre o assunto, explica neste livro como o nosso entendimento sobre a Alemanha nazista vem se transformando no século XXI. Através de uma série de ensaios e textos, ele aborda diversos pontos que vivem sob o escrutínio. Analisa, por exemplo, a ação global de companhias alemãs criadas na época do nazismo, como a Volkswagen: mostra como os historiadores passaram a enxergar o Holocausto não como um evento histórico único, mas como um genocídio com similaridades aos praticados em outros países e em outros tempos. Cada tópico é discutido em um texto separadamente, facilitando a leitura e a compreensão".

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