terça-feira, 4 de junho de 2019

A Guerra. A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil.

Cheguei ao livro A Guerra - A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, de Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias, pela revista CULT, nº 244, na qual havia uma entrevista com Bruno Paes Manso, um dos autores do livro. O título da entrevista foi "Como atuam as milícias - suas origens, a infiltração no poder público e o seu modelo de negócios". Não é o tema do livro, mas é uma decorrência da organização do crime organizado no Brasil, a partir de sua organização maior, qual seja, O PCC, o Primeiro Comando da Capital.
Uma radiografia da organização do crime no Brasil, a partir da hegemonia do PCC.

O livro é impressionante e antes de mais nada deixo a autorizada voz de Drauzio Varella para tecer este comentário, que se encontra na contracapa do livro. "A guerra é um daqueles livros que a gente começa a ler e não consegue parar. Nunca vi descrição tão detalhada e análise tão profunda dos acontecimentos que levaram à formação das quadrilhas que hoje disputam a hegemonia no mundo do crime. É um livro essencial para entendermos a violência urbana que nos aflige e as contradições da sociedade brasileira".

O livro foi concluído em julho de 2018, sendo esta, portanto a data limítrofe dos acontecimentos. O livro foi editado no mesmo ano de 2018, pela Todavia. São 342 páginas, divididas em nove capítulos e uma espécie de conclusão sob o nome de Ubuntu, "filosofia sul-africana que em 1994 serviu de base para que Nelson Mandella e o bispo Desmond Tutu costurassem um novo pacto social para a reconstrução do país no pós-apartheid". Ubuntu emite a opinião dos autores sobre como a questão do crime deveria ser tratada e leva em conta também os estudos de Marielle Franco em sua dissertação de mestrado sobre as UPPs.

Antes de entrar nos nove capítulos deixo ainda a nota de Sergio Adorno, também da contracapa do livro. Síntese perfeita da obra: "Enquanto o crime organizado se modernizou, o Estado permaneceu atrelado ao passado. A expansão do PCC além das fronteiras, os rachas entre facções, a dinâmica dos negócios ilegais, a contabilidade dos mortos, as políticas de regulação e controle social - este livro é um retrato do Brasil contemporâneo sob chamas".

Vamos então aos títulos dos nove capítulos: 1. O racha; 2. As rebeliões; 3. O Projeto Paraguai; 4. O sistema; 5. A consciência; 6. A fronteira; 7. A expansão; 8. O novo mundo do crime; 9. Desequilíbrios e a conclusão sob o título de Ubuntu. Também existe uma radiografia do PCC, com mapas indicando posições do crime organizado e um preciosa indicação bibliográfica.

No primeiro capítulo é mostrada a ascensão do PCC à posição hegemônica do crime organizado, as tentativas de aproximação entre o PPC - Primeiro Comando da Capital (SP) e o Comando Vermelho (RJ), os fracassos destas tentativas e a nova organização do crime, a partir do sistema prisional, com a entrada em cena do telefone celular. Ainda ganha atenção o tema da expansão do PCC, para os estados do MS e PR, por suas posições estratégicas junto a fronteira. O segundo capítulo é uma decorrência da não conciliação entre as duas grandes organizações e o consequente surgimento de inúmeras outras facções, especialmente no norte e nordeste do país. As rebeliões carcerárias e as inúmeras mortes mostram as divergências entre estas organizações.

No terceiro capítulo vemos os avanços do PCC em sua estratégia de aumento de lucros com a eliminação de intermediários, nos caminhos entre a produção e o consumo da droga. Isso implica no domínio das fronteiras no Paraguai, na Bolívia e no Peru e em menor escala na fronteira norte do país. É de estarrecer, especialmente, o que é contado do que ocorreu nas cidades limítrofes entre Pedro Juan Caballero e Ponta Porã e entre Coronel Sapucaia e Capitan Bado. O PCC se torna uma organização criminosa internacional. O capítulo de número quatro conta sobre a organização do crime, a partir do PCC, sua origem e organização até a sua internacionalização, inspirados em grupos colombianos e mexicanos.

O quinto capítulo é dedicação a formação da consciência dos participantes e o sentido de grupo, de pertencimento dos integrantes para com a sua organização criminosa. São mostrados os seus códigos de conduta e de ética. Enfatiza muito os conceitos de hierarquia e de obediência. "O crime precisa se unir. O crime fortalece o crime. Os inimigos são as polícias e o sistema". São apontados também os motivos que levam os jovens ao mundo do crime. No sexto capítulo volta a questão das fronteiras, e mais uma vez, de forma mais específica, as fronteiras com o Paraguai. O sétimo capítulo é dedicado à expansão, com os avanços do PCC pelos estados do Nordeste e do Norte. Um interessante paralelo é traçado entre o PCC e as agências reguladoras. O PCC exerce ou procura exercer esta função no mundo do crime. Outro interessante paralelo traçado é o que mostra o PCC como o STF do mundo do crime.

O oitavo capítulo mostra a reorganização do crime com a entrada em cena do Sistema Prisional Federal, na tentativa de desmantelar o crime e também da formação das milícias e o seu confronto com o mundo do crime. É crime contra o crime. "Milícias e policiais engrossaram o caldo da opressão armada, sob o aplauso da população amedrontada, que também tinha raiva e aposta na violência para se proteger. Como se fosse impossível escapar desse ciclo autodestrutivo". O nono capítulo mostra divergências ou desequilíbrios do PCC no exercício do poder, por brigas na disputa pela liderança interna e a generalização da violência quando os grupos entram em conflito. São as inúmeras mortes nas prisões e fora delas.

No Ubantu lemos, na voz de Marielle Franco, em sua dissertação de mestrado: "O mais correto, se estivesse em jogo uma alteração qualitativa na política de Estado e de Segurança Pública, seria nominar as UPPs de Unidades de Políticas Públicas, por se tratarem de uma necessária mudança cultural em territórios nos quais a presença do Estado não ocorre na completude. [...] O que ocorre é uma propaganda geral pela paz, na qual a polícia, e não a política, ocupa lugar central. [...] A abordagem das incursões policiais nas favelas é substituída pela ocupação do território. Mas tal ocupação não é do conjunto do Estado, com direitos, serviços, investimentos, e muito menos com instrumentos de participação. A ocupação policial, com a caracterização militarista que predomina na polícia do Brasil". 

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