sexta-feira, 7 de junho de 2019

Agosto. Rubem Fonseca. O romance da nossa desesperança.

Primeiramente quero expressar toda a minha satisfação com a leitura deste livro, Agosto, de Rubem Fonseca. Superou todas as minhas expectativas. Muito tinha ouvido falar do romance, especialmente, porque o mesmo foi transformado em minissérie pela Rede Globo de Televisão. As 366 páginas do livro foram transformadas em 16 capítulos televisivos. No livro são 26. Os três personagens centrais do livro foram interpretados por José Mayer, no papel do Comissário Mattos, sendo que as duas mulheres de sua vida, Salete e Alice receberam a interpretação de Letícia Sabatella e Vera Fischer, respectivamente. Mas quem me fez mesmo ler o livro, foi a insistente recomendação do meu amigo Sebastião Donizete Santarosa.
A história do Brasil resumida pelo mês de agosto de 1954.

Bem, creio que já entramos na resenha do livro ao enunciar o primeiro trio de personagens. Vamos começar pelos já citados. O Comissário ou delegado de polícia Mattos é uma figura que já não existe mais no serviço público. Ele era honesto e absoluto cumpridor da lei. No curso de direito sempre fora um aluno dedicado. Para conhecê-lo melhor, transcrevo um diálogo mantido junto a Paiva, um outro comissário:

"'O que você quer saber'? Pergunta Mattos para Paiva.

'Moralmente somos obrigados a sacrificar a própria vida, se necessário, para cumprir o nosso dever, que é impedir que se cometam crimes. Não é verdade? Por que não podemos, também para cumprir o nosso dever, matar um bandido para impedi-lo de cometer um crime?'

'Vou responder de maneira bem simples à sua pergunta simplória. Porque a lei não nos dá esse direito. E a lei é feita para todos, principalmente para pessoas que têm alguma forma de poder, como nós. Um policial pode morrer no exercício de seu dever, mas não pode desobedecer a lei'". Página 298-9.

Mattos investigava crimes pesados de toda a ordem. O romance começa exatamente com o assassinato de um empresário de nome Paulo Gomes Machado de Aguiar, o crime do edifício Deauville. O crime é de natureza político-econômica, com favorecimentos governamentais mediados por políticos. Esta investigação ocupa uma das linhas narrativas do romance. As sub tramas nos levam a uma crônica policial do Rio de Janeiro deste agosto de 1954. O comissário Mattos sofria de problemas estomacais, tomando muito leite e estava sempre acompanhado de cápsulas de Pepsamar, um anti ácido, que, por sinal, ainda existe nos dias atuais. As duas meninas do delegado são complicadíssimas e em muito agravavam os seus problemas estomacais.

Mas o mote principal do livro, que lhe dá, inclusive, o título de Agosto, é o suicídio do presidente Vargas, no dia 24 de agosto de 1954. O romance se ocupa exatamente desses dias que antecederam este suicídio. Aí aparece uma outra série de personagens, que são bem conhecidos para os que minimamente conhecem a nossa história. Carlos Lacerda e os políticos da UDN, que junto com os coronéis da aeronáutica tramam pela queda do presidente, políticos do PTB e PSD, a base de apoio do presidente, com destaque para o senador pernambucano Freitas, metido em todas as maracutaias da corrupção governamental. E obviamente o Gregório, o anjo negro de Getúlio, chefe da guarda presidencial. Esta linha de narrativa tornou o romance um romance histórico. É a parte real. A do comissário é a parte da ficção. 

Os destaques desta parte vão para o atentado da rua Tonelero, que era para ter vitimado Carlos Lacerda, o virulento jornalista que tirava o sossego do presidente. Mattos, inclusive, terá participação nos desvendamentos do crime. A outra parte vai para os movimentos finais que antecedem o suicídio. Os momentos da trama palaciana em que as forças militares, a partir da aeronáutica, abandonam o presidente. Não falta também a comoção popular pós suicídio.

Nunca tinha lido uma obra do escritor, por isso mesmo, me impressionou a sua extraordinária capacidade narrativa. Não tem como parar de ler. Várias tramas de investigação correm sempre paralelas e sempre em meio a muita ironia e extremado senso de humor. As frases são curtas e certeiras. Muitos diálogos entre os personagens tornam a leitura muito fluente. Um escritor de muitos méritos. É também um passeio, especialmente, pelas ruas centrais da cidade do Rio de Janeiro. Em suma, teremos três importantes assassinatos e o suicídio do presidente. Apenas para instigar a leitura.


Antes de terminar, recorro ao enunciado no título do post. "o romance da nossa desesperança". O comentário é de  Roberto Pompeu de Toledo, em resenha feita para o jornal do Brasil. Eis a sua justificativa: "Tudo somado, a visão que fica de Agosto é a do emparedamento histórico brasileiro". Sérgio Augusto, em comentário final, contido no próprio livro, assim justifica este qualificativo para o romance: "Nem antes, nem durante, nem depois do 24 de agosto de 1954 o país conseguiu romper com o ciclo do atraso e da violência, da corrupção e da injustiça, da miséria e da demagogia. Não estávamos melhor quando o livro foi lançado; muito pelo contrário: em novembro de 1990 o país atravessava uma das fases mais deprimentes de sua história moderna, daí por que Toledo qualificou Agosto de "o romance da nossas desesperança'". 

E o que dizer dos dias de hoje. O Fla-flu entre a UDN e o PTB continua a todo o vapor e, no atual momento, com ampla vantagem para as forças que levaram Vargas ao suicídio. O comissário Mattos continua sendo assassinada diariamente, várias vezes ao dia. E assim vamos nós, com a soma da voracidade econômica do capitalismo financeiro destroçando um mundo de direitos e o obscurantismo cultural que nos remate, de volta, à idade média.

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