sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

As meninas. Lygia Fagundes Telles. Vestibular 2022. UFRGS.

Mais um dos livros que me chega por indicação de vestibular. Nesta série, já é o terceiro. Os anteriores foram Caderno de memórias coloniais, de Isabela Figueiredo e Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo. Deixo a resenha ao final do parágrafo. Agora, o livro da vez foi As meninas, de Lygia Fagundes Telles. É o meu primeiro contato com a escritora. Lygia não é uma escritora fácil de se ler. Ah, a sua estrutura narrativa! As conversas das meninas! O real, o espontâneo, a ficção! Mas vamos aos links, antes de continuar.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/12/caderno-de-memorias-coloniais-isabela.html e

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/12/poncia-vicencio-conceicao-evaristo.html

As meninas. Lygia Fagundes Telles. Companhia das Letras. 2020.

Para a compreensão do livro ele precisa necessariamente de uma contextualização. A sua primeira edição data de 1973 e Lygia confessa que levou mais de três anos para escrevê-lo. O livro nos dá algumas pistas de que as conversas entre as meninas ocorreram no ano de 1969 (o empréstimo do carro da mãe de Lorena, a referência a Argélia, onde se encontrava o namorado de Lia), ano do recrudescimento do regime militar e da forma de combatê-la pela Luta Armada. Mas... vamos devagar. Primeiro, o romance conta a história de três meninas, bem caracterizadas. Lorena Vaz Leme, Lia de Melo Schultz e Ana Clara Conceição. A conversa entre elas se dá, tudo indica, na cidade de São Paulo e o cenário político é o da ditadura militar, regime instaurado em 1964 e aprofundado por um golpe dentro do golpe e a edição do Ato Institucional número 5, que limitou ou extinguiu as liberdades individuais. O poder simplesmente podia tudo.

As três meninas são internas de um pensionato de freiras, com o sugestivo nome de Nossa Senhora de Fátima, a mais anticomunista das Nossas Senhoras (Tempos de bipolaridade - da Guerra Fria). Não obstante, as freiras, sob o comando da madre Alix, são compreensivas e progressistas. É o tempo de ventos de papas progressistas (João XXXIII e Paulo VI) e da Teologia da Libertação. Embora não tenhamos nenhuma referência no livro, creio que o fenômeno mundial do maio de 1968 também deve ser levado em conta, ao menos, sob o estado de ânimo das meninas. Paira sobre elas um enorme vazio existencial. Ah, Jean Paul Sartre! Parece óbvio que as meninas tenham perfis diferentes.

Lorena é rica e culta. É a mais estabilizada entre elas. É herdeira de família rica e tradicional. Ela meio que namora um homem casado, um tal de M. N., Marcus Nimesius. Lia, a Lião, estuda ciências sociais e está envolvida na guerrilha contra a ditadura. Ela é baiana, filha de um alemão (Schultz) ex-nazista. Ana Clara (ou turva) é a mais perdida entre as meninas. É linda, namoradeira, consumidora de drogas e que, loucamente, busca a ascensão social.

Estes são os componentes do romance. A pauta dos costumes! Lorena preserva a sua virgindade, um valor da tradicional família católica brasileira. Eram tempos de desquite e não de divórcio. Tempos também de liberação sexual, com a qual Ana Clara conviveu sem dificuldades. Lia queria as transformações sociais, num mundo contraditório, em que o Leste Europeu dava sinais do esvaziamento do socialismo real (Primavera de Praga). O vazio existencial transpira em todos os fluxos do real e do imaginário. Marx, Lacan, Sartre, Simone de Beauvoir, são constantes nesses fluxos.

O livro, apesar de marcar um tempo curto da ocorrência dos fatos é relativamente longo. São 370 páginas, divididas em doze capítulos, mais posfácio, escrito por Cristóvão Tezza e outras pequenas referências ao livro, retiradas de edições anteriores. Recomendo muito o posfácio do professor Tezza. Nele, ele nos deixa uma indicação final muito interessante: "Naturalmente, esse é um olhar distanciado de hoje, três décadas depois (hoje já seriam cinco), mas o fato de o romance recriar os mecanismos éticos de sua tensão original em outro tempo é prova de sua permanência e vitalidade". Lygia é paulista, nascida em 1923. Escreveu este romance entre os seus 37 a 40 anos, na condição de atenta observadora de um mundo em profundas transformações.

Deixo ainda o primeiro parágrafo da orelha do livro da primeira edição (1973), escrito por Paulo Emílio Sales Gomes: "O que reúne As meninas - denominação dada por Lygia  Fagundes Telles a três moças de mentalidade definida e arrojada - é um daqueles antigos pensionatos religiosos, destinados a protegê-las contra os riscos da cidade. Contudo, as personagens que fazem parte do círculo de Lorena, Ana Clara e de Lia são tão frágeis e vulneráveis quanto elas próprias. porque o tal pensionato não é mais um casulo intocável - exposto como se encontra, como toda a sociedade do nosso tempo, às diferentes formas da fraternidade ou do medo: política, sexo, drogas. Porque o que une essas três jovens brasileiras não é apenas a amizade mas a circunstância de serem filhas do mesmo lugar e do mesmo tempo. A romancista as segue por fora e por dentro no relacionamento com os companheiros, com as freiras e com a família. Através do fato, da memória e da imaginação".

Este livro é mais uma bela indicação da notável universidade gaúcha. Esses temas devem fazer parte do mundo cultural de um jovem que queira ingressar na universidade de nossos tempos e também se engajar nas lutas, como a escritora se envolveu em seu tempo, em favor da democracia e contra todas as formas de regimes autoritários e de seus instrumentos de cerceamentos em todos os campos do viver. Afinal, o viver pulsa por mais viver. E a liberdade é a condição fundamental para tal. Ah, como eu vivi esses tempos! Me  formei em filosofia no ano de 1968, em Viamão, no Rio Grande do Sul e em 1969, iniciava a minha vida profissional em Umuarama, no Paraná. Eu vivia muito mais os valores do passado, pela forte influência católica em minha formação.

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