segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Final dos anos 1970. Os partidos comunistas perdem a hegemonia. De: A ditadura encurralada. Elio Gaspari.

Ao ler a monumental obra de Elio Gaspari sobre a ditadura militar brasileira, encontramos em seu volume IV, A ditadura encurralada - O sacerdote e o feiticeiro, um importante ponto de inflexão em nossa história. Até o final da década de 1970, as causas populares, especialmente as do meio estudantil e operário, ficavam sob o comando dos partidos comunistas, obedecendo a uma tendência mundial. É um reflexo das "Internacionais" que chegam ao Brasil. O mais famoso deles foi o PCB, o Partidão, fundado em março de 1922. As dissidências são dos anos 1960. O trotskismo chega um pouco mais tarde.


A ditadura encurralada - O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari. Intrínseca. 2014. Esta passagem está no quarto volume.

Um dado muito interessante a observar, quando se estuda o golpe militar brasileiro de 1964, é o de que nenhuma força organizada, nem de direita, nem da esquerda, lutavam pela democracia. Queriam impor ditaduras. Mais uma vez, a força das influências internacionais. No caso brasileiro, as esquerdas muito se inspiraram na Revolução Cubana e nos ideais propagados por Che Guevara. As formas de combater a ditadura militar dividiram as forças da esquerda. As suas organizações foram praticamente exterminadas pela "turma do porão" ou da "trigada" da ditadura militar. Ao PCB, o Partidão, se soma agora o PCdoB.

Mas, não é esta a finalidade deste post. A finalidade deste é a de mostrar que, mais uma vez, a exemplo do que ocorre no mundo, também no Brasil ocorrerão grandes mudanças, especialmente a partir da exaustão das forças da ditadura militar, já tão prolongada. Se a ditadura conseguiu praticamente exterminar com as organizações de esquerda, jamais ela conseguiu arrefecer os seus ideais. Esses ficavam latentes, qual água buscando jeito, insistindo em brotar.

Elio Gaspari mostra essa nova realidade, a partir da parte III desse seu quarto volume, A cama de Alice, já em seu primeiro capítulo, com o título de A "surpresa de Alice". O nome de Alice aparece numa referência ao livro de Lewis Carroll, quando Alice, despertando em novas e diferentes camas, procura ou busca a sua identidade. Já na abertura do capítulo, Gaspari pergunta: "Quem era quem no final de 1976"? E, de imediato, nos dá uma primeira resposta: "Três anos de abertura haviam mudado a cena política. Como Alice, a ditadura e a oposição sentiam-se diferentes" (página 319).

As esquerdas que permaneceram no Brasil se reagrupam e as que estão no exílio clamam por anistia. A demografia também ajudou nas mudanças. O país já contava com 110 milhões de habitantes. Destes, 70 milhões habitavam nas cidades e sete milhões eram jovens. Havia um milhão de estudantes universitários. Para eles, vejam esta fina observação de Gaspari, "em 1968, uma parte da juventude estudantil divergira do PCB, mas tivera-o como aliado anacrônico. Em 1976, o Partidão, aliado ao MDB, era um suspeito para a militância radical, ativa e predominante das universidades (página 323)."

Mas, para além das universidades também houve uma grande mudança no mundo do operariado. Vejamos a narrativa: "Em 1977, no ABC paulista, militantes da Liga operária foram ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo pedir que os trabalhadores organizassem um protesto contra a prisão de três de seus quadros. Foram recebidos pelo presidente, eleito dois anos antes com 97% dos votos dos operários. Ele lhes dissera que não misturaria sindicato com socialismo". Quem era este presidente? Gaspari, de pronto nos responde:

"Chamava-se Luiz Inácio Lula da Silva. Tinha 31 anos, língua presa e sotaque nordestino. Descera de Garanhuns, com a mãe, num pau de arara. Chegaram a São Paulo em 1952, buscando o pai, que carregava sacos de café no porto de Santos. Vendera amendoim e doces nas ruas, e aprendera a ler aos dez anos. Tornara-se metalúrgico aos catorze, mas só entrara na sede do sindicato aos 22.  Vivera a expansão industrial paulista, durante a qual, num raro processo histórico, a classe operária triplicara. Em apenas dezoito anos, a indústria automobilística brasileira saíra da irrelevância para a lista das dez maiores do mundo. Em 1976, o ABC produzia perto de 1 milhão de veículos por ano. Para muita gente, o jovem presidente do Sindicato de São Bernardo ainda era o irmão do militante comunista José Ferreira da Silva, apelidado Frei Chico por conta de uma calva que parecia tonsura. Lula devera sua entrada na diretoria do sindicato ao irmão, mas era um personagem mais complexo, novo".(página325-326). Gaspari continua a sua narrativa, afirmando antes, que tudo isso parecia um sonho, em que as empresas disputavam os empregados nas portas das fábricas, oferecendo condições e salários melhores:

"A oferta de empregos para metalúrgicos em São Bernardo crescia  uma média de 8,3% ao ano. É dessa época a primeira viagem internacional de Lula. Vinte anos depois de ter vindo para o sul de caminhão, foi para o Japão de jato. Passou pelos Estados Unidos e deixou lembranças no programa de sindicalismo da Universidade Johns Hopkins. Conseguira que a justiça do Trabalho obrigasse as empresas a computar as horas extras no cálculo do 13º salário e das férias, e expandisse a estabilidade das gestantes por dois meses além do parto. Tivera o governador de São Paulo na posse e numa festa do sindicato. Afastava-se prudentemente do radicalismo esquerdista. Nessa articulação, a professora Maria Hermínia Tavares de Almeida já percebera que os operários de São Bernardo construíam uma 'nova corrente sindical'; algo próximo do 'sindicalismo de negócios' (business union) norte americano: combativo, 'apolítico', solidamente plantado na empresa, tecnicamente preparado para enfrentar e resolver os problemas gerais e específicos de seus representados" (página 327).

Bem, creio que o objetivo do post está concretizado. No meio estudantil e no meio operário há novas forças com novos princípios em sua organização. Aí já entramos nos anos 1980, cuja história acompanhamos mais de perto. São os anos da redemocratização. Quanto a trajetória de Lula, que coisa realmente extraordinária. Quanta percepção e que história. Como sugestão indico a recém lançada biografia sua, escrita pelo maior biógrafo brasileiro, Fernando Morais, que ainda não li. Compreender estas transformações é fundamental para compreender as mudanças em nosso processo histórico.

Deixo o post da resenha do volume IV. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/4-ditadura-encurralada-o-sacerdote-e-o.html 

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