terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

2. A ditadura escancarada. As ilusões armadas. Elio Gaspari

Seguramente um dos livres mais tristes e deprimentes que eu já li. O título foi muito bem escolhido. A ditadura escancarada. Isso ocorria de um lado, do lado oficial. Enquanto isso, do outro lado, havia as ilusões armadas. Militares que se transformaram em guerrilheiros e jovens estudantes sacrificaram  suas vidas pelos seus ideais, de verem um país socialmente justo. O marxismo lhes dava os fundamentos teóricos. São os anos de chumbo, que se iniciaram com o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, e que perdurou por todo o governo do general Emílio Garrastazu Médici, indo além, durando a eternidade de dez anos. Médici simplesmente burocratizou a ditadura, normalizando-a. Esta ditadura foi acompanhada da tortura, pelo simples motivo de que ela funcionava, ela dava resultados. As torturas levavam às confissões, que facilitaram o combate ao "terror".


A ditadura escancarada. As ilusões armadas. Elio Gaspari. Intrínseca. 2014. É o segundo dos cinco volumes.

Os piores acontecimentos desse período foram, seguramente, o surgimento dos esquadrões da morte em São Paulo e as milícias no Rio de Janeiro. Uma aliança de militares e policiais com o crime organizado. Alguns nomes se tornaram triste e vergonhosamente célebres. Entre eles, o delegado Fleury, o coronel Brilhante Ustra, o capitão Guimarães e, ainda, na guerra do Araguaia, o major Curió. Estes nomes são idolatrados e há enormes esforços para que pessoas herdeiras das ideias do grupo retornem ao poder de forma ditatorial. Que triste momento histórico! O que não foi este Golpe de Estado "com Supremo e com tudo", de 2016? E esperanças... para 2022. Para uma sequência destes estudos deixo a resenha de "A República das milícias - dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/02/a-republica-das-milicias-dos-esquadroes.html

O livro é longo. Tem 526 páginas. Está dividido em quatro partes, mais apêndice, nomenclatura militar, cronologia, bibliografia, fontes e crédito de imagens. As imagens estão em dois blocos, com fotografias de imenso valor histórico. Lembrando que o Primeiro volume da coleção, termina com a chamada "Missa Negra" do AI-5. Deixo a resenha: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/1-ditadura-envergonhada-as-ilusoes.html

As quatro partes do livro vem precedidas de uma nota explicativa, em que diz que foram os "anos de chumbo", do aparecimento da TV em cores, da Copa de 1970, do "milagre econômico" e do pleno emprego. Ironicamente o autor diz que houve mais chumbo do que milagre. As quatro partes tem os seguintes títulos: Parte I. O choque; Parte II. A derrota; Parte III. A vitória; Parte IV. A gangrena. 

A primeira parte mostra o aparelhamento da ditadura e da sua normalização burocrática, por um Ato Institucional com prazo de validade indeterminado. Plenos poderes. Poderes ditatoriais. Poderes para matar. Esta primeira parte (O choque) está dividida em oito capítulos, a saber: 1. A praga (a corrosão das instituições) sob a justificativa que vem desde o tempo dos Romanos: "Contra a Pátria não há direitos". A tortura ganha os beneplácitos em todos os campos institucionais; 2. A dor (tortura). Ela é adotada porque funciona. O torturado fala. "Deus aqui - é nós". A certeza da impunidade; 3. A "tigrada" dá o bote. São mostradas as principais organizações que optaram pela luta armada, bem como os seus mecanismos de funcionamento; 4. A Operação Bandeirante, Oban. É organizada uma central de combate ao terror no II Exército, com amplo financiamento por parte da elite empresarial paulista. Também o DOPS e a Polícia Civil entram em cena, esta com o delegado Fleury; 5. O barítono se cala (a doença de Costa e Silva e o seu afastamento). A doença do general é tida como uma das maiores fraudes médicas da nossa história (Será que outra não poderá surgir?). Os ministros militares formam uma junta governamental, o mais folclórico dos governos, segundo o autor; 6. O grande golpe (o sequestre de Charles Elbrick, o embaixador americano); 7.Caos de estrelas. Depois da mais grave crise militar, Médici é anunciado como o novo general presidente; 8. Milito, Médice, Médici (Não podia ser Garrastazu por causa da rima). Ele foi o grande produto da anarquia militar. Teve em Orlando Geisel o seu fiel escudeiro.

A parte dois (A derrota) é mais breve. São cinco capítulos. A derrota do título se refere aos guerrilheiros da luta armada e a sua perseguição. 1. Marighella, início e fim. Sua história é contada. É mostrado o "mito" e o seu manual de guerrilha, bem como a sua relação com os dominicanos. Mostra ainda, Fleury e as diferentes versões da captura do "comandante"; 2. A história dos mortos. Relata a história de dois torturados até a morte: Chael Schreier e Mário Alves; 3. DOI. Nada ou tudo a ver com o verbo doer. É a sigla símbolo da dor infligida pela violência policial. Mostra a importância de Orlando Geisel com a repressão militar. Houve uma verdadeira delinquência com a soma de torturadores e contraventores. As mais sofisticadas técnicas mundiais de tortura foram trazidas da Europa (França - Argélia e Inglaterra - IRA).; 4. A ratoeira (A ratoeira armada por Médici). Mostra as 18 organizações da Luta Armada. Lutavam por governos populares revolucionários e não democracias; 5. O milagre e a mordaça. O milagre da economia e a mordaça da censura à imprensa. Os jornais "nanicos", com destaque para O Pasquim e Opinião.

A parte três (A vitória) tem seis capítulos. 1. Uma elite aniquilada. A ditadura, para se fortalecer, mutilou as mais diversas instituições, como o Parlamento, o Judiciário, as Universidades e todas as lideranças populares. Como oposição sobrou a Igreja Católica progressista (D. Hélder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns e a CNBB). Mesmo assim houve grande disputa com a Igreja conservadora (D. Agnelo Rossi, cardeal Scherer). A ditadura passou a controlar os cárceres e os cofres das instituições patronais; 2. A soberba de Lúcifer. É a forma como a Igreja via a ditadura militar. A atuação da Igreja progressista é mostrada, bem como a prisão de frei Betto; 3. O Brasil difamado. São as diferentes campanhas contra a ditadura e a tortura no exterior, com grande destaque para a atuação de D. Hélder Câmara indicado, inclusive, ao Prêmio Nobel da Paz; 4. Para trás, Brasil. Mostra as cisões existentes no jornalismo e na Igreja e a aproximação dos EUA com o Porão da ditadura. O Brasil não seria uma nova Cuba. Seria uma nova China, diziam os estadunidenses; 5. Nada a fazer. São mostradas as ações da dupla Médici e Orlando Geisel, com torturas e desaparecimentos e a tolerância para com os avanços do Esquadrão da Morte. Também é mostrada uma nova ofensiva da Igreja católica sob a ação de D. Paulo Evaristo Arns; 6. A marcha de Cirilo. É a caça final a Lamarca, o Cirilo, no interior da Bahia. 

A parte quatro (A gangrena) mostra a deterioração completa e a perda de todos os valores éticos na atuação da ditadura. Anos de chumbo, de ditadura escancarada. Possui três capítulos: 1.A gangrena. Mostra a força das instituições criminosas no Rio de Janeiro e em São Paulo. As escuderias cariocas, Jason e Le Cocq e a ação do delegado Fleury em São Paulo. A tortura é instituída como política de Estado; 2. A matança. A ordem é matar a todos os que regressaram ao país, vindos de treinamentos no exterior. Mostra as casa de Tortura de Petrópolis e o cemitério de Perus. Também são mostradas as desavenças dentro da Luta Armada, cada dia mais enfraquecida; 3. A floresta dos homens sem alma. É uma longa narrativa dos desastres, sob todos os aspectos, da Guerrilha do Araguaia, organizada pelo PCdoB. Uma chacina, com decepação de cabeças, só comparável a Canudos e ao Contestado. Uma história de morte de homens em frangalhos.

Maria Adelaide Amaral nos dá, na contracapa do livro, uma imagem precisa deste segundo volume: "Os livros de Elio Gaspari sobre a ditadura formam o mais completo conjunto de obras sobre esse período histórico. Não existe nada comparável, com tal riqueza de fontes aliada a documentação até então inéditos. O autor nos dá acesso a informações privilegiadas. A ditadura escancarada trata do momento mais sombrio do regime, numa visão panorâmica que abarca desde o estabelecimento das organizações clandestinas até as movimentações de bastidores da Igreja, do Exército e da Polícia. É uma obra extraordinária".

Ufa! Sobrevivi. Que livro triste. O que foi feito com o povo brasileiro! A que custo foi mantida a "ordem" no Brasil? E que ordem que foi mantida?  O livro é tão triste quanto necessário. Estamos vivendo tempos muito perigosos, com o perigo da repetição. Marx já advertira no 18 Brumário: "A história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa". Creio que estão percebendo o momento de incertezas e de tentativas que estamos vivendo. E saber que um grande órgão de nossa imprensa escrita considerou esta ditadura como uma "ditadura branda", ou uma "ditabranda". Que vergonha! O segundo volume termina com a indicação de Ernesto Geisel, como o novo general presidente. Vamos a leitura!.

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