quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 6. Ignácio Rangel.

Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos trabalhar hoje um de nossos intérpretes mais originais, Ignácio Rangel, numa resenha escrita por Ricardo Bielschowsky. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 intérpretes, em resenhas feitas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

Ignácio Rangel nasceu em Mirador, uma pequena cidade do interior do Maranhão, no ano de 1914. Na capital desse estado formou-se no curso de Direito. Mas a sua propensão sempre foi voltada para os estudos de história e economia. Na qualidade de assistente do presidente Vargas, nos anos 1950, tornou-se um privilegiado observador da economia brasileira, transformando-se assim num intérprete muito particular, não seguindo as diferentes correntes de interpretação. A sua marca particular lhe veio da chamada dualidade básica da economia brasileira. Isso significa dizer que no Brasil sempre houve dois modos de produção, simultaneamente. Um, movido pelos fatores internos, sempre atrasados e outro, movido por fatores externos, nos apontando para um modo de produção já superior.

Confesso que é pela primeira vez que me detenho com o estudo de Ignácio Rangel. O máximo que eu conseguia estabelecer era o seu vínculo com os pensadores do ISEB, com os quais ele também entrava em constantes divergências. Creio que para entender minimamente esse intérprete temos que recorrer a Marx e ver nele a evolução dos diferentes modos de produção e a sua superação ao se esgotarem todas as suas contradições. Assim ao longo a história tivemos os seguintes modos de produção: o comunismo primitivo, o escravista, o feudal, o capitalista e o socialista. Embora os ritmos históricos diferentes, passamos por esses modos de produção, com exceção do primeiro, ao menos em nosso período, a partir a colonização.

O que diferencia efetivamente a nossa história econômica é o seu caráter complementar e dependente das economias centrais e a ausência de qualquer determinação autônoma. Assim se estabeleceu a dualidade básica. Um fator interno, sempre atrasado e outro mais avançado, donde emanavam as diretrizes de comando. Assim, no Brasil colonial, no fator interno, estávamos vinculados ao latifúndio e à monocultura de exportação, comandados pelo fator externo, já no estágio do capital comercial e assim sucessivamente. Também a nossa superestrutura era dual. As de ordem interna e externa, determinadas pela infraestrutura.

O resenhista examina três fases distintas dessa dualidade e os seus momentos de ruptura. Assim a ruptura da primeira etapa veio com 1808 e 1822, a segunda com os acontecimentos de 1888 e 1989 e a terceira, a partir de 1930, com a industrialização, quando começamos a implantar um capitalismo industrial, moderno e que representava o último estágio de nossa economia dual, que seria superado com a implantação de um projeto socialista e com determinação autônoma. 

O segundo elemento que marca o pensamento de Ignácio Rangel é a defesa da necessidade do planejamento econômico, uma influência keynesiana. O planejamento é uma interferência estatal na indução do desenvolvimento, mirando sempre a expansão da industrialização. Como assessor do governo Vargas ele exerceu forte influência na criação das estatais como a Petrobras, a Eletrobrás e o então BNDE, hoje BNDES, no qual ele trabalhou até o fim de sua vida. Também apontou os erros do planejamento econômico brasileiro, determinado pelas diferentes correntes de pensamento.

Outro fator que lhe deixou marcas foi a sua visão sobre a questão agrária brasileira, marcada pelo latifúndio. Confiava, numa determinação histórica de sua modernização e que, por isso mesmo, não havia a necessidade de uma reforma agrária. O campo, por si só, se modernizaria. Nos anos 1960 também se debruçou sobre o tema da inflação, criticando monetaristas e estruturalistas e lhe apontando as causas.

Para superar a etapa capitalista e ingressar no modo definitivo, autônomo, socialista, o país precisaria formar um sistema financeiro nacional que permitiria ser a grande alavanca do desenvolvimento sem as contradições da dualidade. Ao Estado caberia toda a função da comercialização de nossa produção com o exterior, sendo a abertura dos mercados uma importante função sua. 

Já nos anos 1980, segundo o resenhista, Ignácio Rangel cometeria outra de suas 'heresias" ao defender as privatizações, para fortalecer o sistema financeiro, lhe dando mais possibilidades para alavancar novos investimentos e assim promover o desenvolvimento. Ignácio Rangel, o pensador da dualidade básica da economia brasileira, morre no Rio de Janeiro no ano de 1994.

Veja também a resenha anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/12/interpretes-do-brasil-classicos_19.html


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