Dando continuidade às "interpretações do Brasil", com base no livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, veremos hoje a figura singular de Nelson Werneck Sodré, militar e militante do Partido Comunista, numa resenha de Paulo Ribeiro da Cunha. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial, do ano de 2014. Ao todo são apresentados 25 autores/intérpretes, em resenhas apresentadas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentes, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.
Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.
Nelson Werneck Sodré tem uma peculiaridade que hoje é rara no Brasil. Ele foi um militar militante do PCB, portanto, um militar de esquerda. Para a sua época isso era normal. Depois de 1964, isso se tornaria praticamente impossível. A Guerra Fria e a Ideologia da Segurança Nacional, marcadas pelo anticomunismo tomaram conta de nossas forças armadas. Nelson Werneck Sodré nasceu em 1911, no Rio de Janeiro e morreu em Itu (SP) em 1999. A política desde cedo fez parte de sua vida. Vejamos uma afirmação sua: "Quem não tem posição política não tem alma". Ao todo escreveu 56 livros, além de inúmeros artigos nos órgãos de imprensa da esquerda.
Dentro de sua vasta obra, dois livros ganharam um destaque maior: Formação histórica do Brasil e História militar do Brasil. Esses livros estão praticamente ausentes nas escolas de formação militar. Ele é de origem pequeno burguesa e viu na formação militar uma das únicas possibilidades para se dedicar aos estudos. Desde a sua infância sempre foi um leitor voraz.
Um dos elementos mais interessantes de sua obra é a que se refere à formação dos militares e o papel reservado ao exército. A sua importância e configuração se estabelece ao longo da Guerra do Paraguai, quando se torna necessário fazer um grande recrutamento, o que em muito contribuiu para uma imagem popular do exército brasileiro e bem menos nas outras armas. Esse caráter popular levou à politização e muitos se tornaram abolicionistas e republicanos. Temas como a democracia e o imperialismo faziam parte do currículo das academias. Isso explica a existência do movimento tenentista dos anos 1920. Era uma geração marcada pelas utopias e os sonhos de uma transformação da realidade brasileira. Eram uma forte expressão de inconformismo. Dois grupos se formaram, os de esquerda, que se vincularam ao PCB e os de direita, que optaram pelo fascismo que atendia pelo nome de integralismo. A Intentona de 1935 em muito contribuiu para a formação de uma mentalidade anticomunista. Os que optaram pela esquerda, de maneira geral, aderiram aos princípios da Terceira Internacional.
Apesar de todas as dificuldades de carreira para os que optavam pela esquerda, esta foi a escolha de Nelson Werneck Sodré. A sua opção se deu por princípios ético culturais e político morais. Na sua escolha também pesou muito a sua indignação com os rumos seguidos ao longo da República Velha. O conhecimento da dura realidade interiorana o fez abraçar a ideia de que no Brasil Colonial ainda vivíamos restos do regime feudal, que também foi uma bandeira do PCB. Essa visão lhe veio pelas suas observações ou através do partido? Uma bela discussão. A moral do compromisso o levou a duras críticas à instituição militar pela sua guinada conservadora, quando o exército se negou a incorporar negros e filhos de pais separados em suas fileiras.
Manteve contatos com Roberto Simonsen, a quem considerava um burguês progressista. Foi um duro crítico do Estado Novo de Vargas, não obstante ao apoio a algumas de suas políticas. Os anos de 1943 e 1944 o aproximaram da militância no Partido. Não o fez de forma isolada. O PCB praticamente se tornou o abrigo dos antigos tenentes. Além disso havia a vibração com o Exército Vermelho e as suas vitórias contra o nazismo, especialmente com a vitória na Batalha de Stalingrado e também com a volta de combatentes da FEB, da Itália. O fim da 2ª Guerra marcou o início da Guerra Fria e a cassação do Partido em 1947.
Se manteve atuante ao longo dos anos da década de 1950, quando um forte grupo de militares lutava pela manutenção da democracia (A garantia da posse de JK). Nesse período também participou dos trabalhos realizados pelo ISEB. Foi preso em 1964, quando a militância política se tornou absolutamente impossível aos partidos de esquerda, ainda mais como membro da instituição militar. Nesse período se dedicou com mais afinco à sua produção teórica. De 1962 é o seu livro Formação histórica do Brasil, de 1965 o História militar do Brasil e de 1967 o Memórias de um soldado. Nesse período atuou na clandestinidade, sob uma vigilância extremamente severa. Assim se tornou um militante invisível, atuando na imprensa comunista, defendendo a redemocratização e a anistia. Procurou ainda estabelecer uma reaproximação das forças armadas com a sociedade civil.
Viu no avanço neoliberal dos anos 1990 uma nova forma de atuação do imperialismo. Vejamos a parte final do último parágrafo da resenha para mostrar os seus últimos combates e a sua importância perante a história. "O imperialismo, em sua versão neoliberal, era o inimigo maior que se fazia presente e o desafio estratégico a ser superado. Isso tudo, sem dúvida, tinha por desígnio a reafirmação de princípios ideológicos que nortearam as teses de Sodré, mas também significava sua revalidação sob outros pressupostos. Fica então a indagação: qual seria o espírito desse último desafio - missão ou tarefa - que norteou o general-de-brigada e historiador Nelson Werneck Sodré nessa fase final de sua longa trajetória militante? Talvez não seja possível apreender, e nem seja o caso, mas seguramente foi o último combate. O bom combate de um dos últimos tenentes".
Vamos ainda ver a resenha anterior: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/12/interpretes-do-brasil-classicos_16.html
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