Este livro ficou anos no aguardo de sua leitura. O comprei em 2009, na Primeira Bienal do livro de Curitiba. Sim, já tivemos uma Bienal do Livro em Curitiba. Estou falando de Dom Helder: O artesão da paz, livro organizado por Raimundo Caramuru Barros e Lauro de Oliveira e editado pelo Senado Federal. A edição é do ano de 2009. É o volume de número 120 das Edições do Senado Federal. O livro traz uma bela síntese biográfica de Dom Helder (as primeiras 80 páginas) e os seus principais discursos e pronunciamentos (o restante do livro de 391 páginas). Aqui vou me deter apenas na síntese biográfica.
Dom Helder: O artesão da paz. Raimundo C. Barros e Lauro Oliveira (organizadores).
Dom Helder Câmara nasceu na cidade de Fortaleza no ano de 1909 e veio a falecer na cidade de Recife em 1999. Iniciou os seus estudos em Fortaleza (uma formação absolutamente conservadora), onde também concluiu a sua formação para a ordenação sacerdotal. Posteriormente veio ao Rio de Janeiro, para trabalhar próximo ao cardeal Leme, onde, pelos trabalhos desenvolvidos, ganhou a sua grande notoriedade.
Depois de longos trabalhos desenvolvidos no Rio de Janeiro, foi nomeado bispo para a cidade de São Luís do Maranhão, onde nem mesmo chegou a tomar posse, sendo nomeado para a arquidiocese de Olinda e Recife, onde permaneceu até a sua aposentadoria compulsória, aos 75 anos. Depois ali permaneceu até o tempo de sua morte, no ano de 1999. A síntese biográfica é desenvolvida por sete tópicos, dos quais apresento, primeiramente os títulos, para depois, me deter um pouco neles. Eles tem um título geral: Perfil e trajetória de Dom Helder no século XXI. Vejamos os títulos:
I. Preâmbulo; II. Primeiros sinais de uma vida de fé em Cristo e na Igreja; III. Alargando os horizontes na dimensão do século XX; IV. Passos que marcaram a escalada ao Tabor e ao Getsemani; V. O idílio conciliar e o caldeirão brasileiro; VI. Igreja servidora e interlúdio espartano (1966-1985); Pós-escrito a Dom Helder Câmara. Observem a data que acompanha o tópico VI (1966-1985). São umas 20 páginas de rara preciosidade, por fazer toda a abordagem das relações entre a Igreja católica e o hiato espartano, como o autor denomina a ditadura militar que regia os destinos brasileiros desse período. São esses os anos do Getsemani de Dom Helder.
I. PREÂMBULO. O preâmbulo é curto. Nele o autor procura mostrar a realidade brasileira e, a inserção nela, de Dom Helder. Em meados do século XX, a expectativa de vida no nordeste brasileiro era de apenas 40 anos. Dentro dessa realidade, qual foi o papel exercida pelo bispo, na sua transformação? É o que se busca nessa síntese biográfica. São mostradas as diferentes etapas da vida de Dom Helder, que passam a ser analisadas nos tópicos seguintes.
II. PRIMEIROS SINAIS DE UMA VIDA DE FÉ EM CRISTO E NA IGREJA. Nesse tópico é mostrada a sua infância, adolescência, anos de formação e as suas primeiras atividades. Abrange os anos de 1909, ano de seu nascimento em Fortaleza, até o ano de 1945. São os tempos da República Velha e do governo Vargas, incluindo aí o Estado Novo. São anos de ebulição em uma República nada democrática. Acompanhou os movimentos desse tempo, como o Movimento dos Tenentes, do Forte de Copacabana, da Semana da Arte Moderna. Tudo isso, ele acompanha, ainda morando no Ceará. No Estado Novo já o encontraremos no Rio de Janeiro, atuando junto ao cardeal Leme. No Rio de Janeiro ele assiste e é ator dos movimentos internos da igreja católica, procurando dar a ela a unidade e a centralidade para uma ação mais vigorosa em favor das populações mais necessitadas. Recebe influências de Jacques Maritain e de Alceu Amoroso Lima.
III. ALARGANDO OS HORIZONTES NA DIMENSÃO DO SÉCULO XX. O período de abrangência é a dos anos de 1946 a 1951. Nesses anos se iniciam os trabalhos pastorais na igreja, especialmente os voltados aos operários, aos migrantes e ao povo das favelas, pelo famoso método do padre belga Joseph Cardijin, do VER - JULGAR e AGIR. Três atividades são destacadas nesse período: 1. A preocupação da igreja com o desenvolvimento regional; 2. O olhar da igreja se volta para a questão da estrutura fundiária, inserindo-se nos movimentos em favor de uma reforma agrária; 3. O desenvolvimento de um colegiado episcopal, com a criação da CNBB. Esta foi fundada em 1952, sendo Dom Helder o seu secretário geral. Prenuncia-se a realização do Concílio Vaticano II, convocado em 1962.
IV. PASSOS QUE MARCARAM A ESCALADA AO TABOR E AO GETSEMANI. Os anos de abrangência são os de 1952 a 1962. São anos de intensa participação de Dom Helder no cenário brasileiro e início de sua projeção e reconhecimento internacional. Em 1952, ele é nomeado e sagrado bispo na igreja da Candelária no Rio de Janeiro. Houve resistências por causa de seu envolvimento, nos anos de formação, com o integralismo de Plínio Salgado. Organiza um Congresso Eucarístico e ajuda na criação do CELAM, uma espécie de CNBB latino americana. Organiza, no Rio de Janeiro, um Congresso Eucarístico Internacional. Dedica-se ao trabalho de orientação de catequistas. Ajuda a promover uma intensa relação entre Igreja e Estado, tanto no governo Vargas, quanto no de JK, quando houve grandes aproximações. Continuam as influências de Jacques Maritain em sua vida, acrescidas agora, com as do padre Lebret, que também inspirou o papa Paulo VI nas encíclicas de forte cunho social. A igreja brasileira passa a ter uma forte visão crítica da realidade brasileira e procura se inserir em seus movimentos de transformação. Jango assume o governo brasileiro e anuncia as Reformas de Base. A situação fica tensa, e Dom Helder inicia a subida ao Getsemani, recebendo ameaças por sua atuação comprometida com os pobres. Vejamos uma advertência que recebeu de Dona Ondina, dona do influente jornal carioca Correio da Manhã:
"Dom Helder, ainda está em tempo. Junte-se a nós; gostamos do senhor e muito o admiramos. Acabe com essa mania de denunciar injustiças sociais em favor dos pobres. Caso contrário, vão acabar com o senhor". Também vale a pena citar uma frase sua, muito conhecida, que não está registrada nessa síntese biográfica: "Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista".
V. O IDÍLIO CONCILIAR E O CALDEIRÃO BRASILEIRO. O período de abrangência são os anos 1962-1965. Como o título mostra, dois movimentos fortes ocorrem no período: a convocação do Concílio Vaticano II. e o ferver da política brasileira, com o golpe de Estado de 1964 que se instaura para deter as Reformas de Base do governo Jango. O padre Lebret é nomeado perito do Concílio e inspira os documentos progressistas da Igreja desse período. Dom Helder irá assumir a arquidiocese de Olinda e Recife, nesse período.
VI. IGREJA SERVIDORA E POBRE E INTERLÚDIO ESPARTANO. O período de abrangência são os anos de 1966 a 1985. É o mais profundo dos tópicos e mostra todo o envolvimento conflituoso entre a Igreja e o Estado, sob o período dessa longa ditadura. O tópico começa com uma belíssima reflexão sobre a Grécia Clássica, mostrando as diferenças entre Atenas e Esparta e a opção brasileira por Esparta nesse período. A análise do tópico passa por uma análise de conjuntura internacional e seus reflexos sobre o Brasil. São os tempos da Guerra Fria e da Ideologia da Segurança Nacional. Seus reflexos no Brasil se evidenciam por um regime de segurança interna, de alinhamento aos Estados Unidos e a manutenção de um Estado forte, isto é, um regime de Segurança Nacional, ditada pelas forças militares mundiais contra os avanços do comunismo, evidenciados pela revolução cubana e pelos fracassos dos Estados Unidos no Vietnã. Anos de terror e de relações tensas entre Igreja e Estado. A Igreja faz a defesa intransigente dos Direitos Humanos e se envolve nas questões fundiárias nas áreas novas de colonização. São criadas nesse período a CPT e o CIMI.
Dom Helder nesse período passou a ser proscrito, com a proibição de ter o seu nome citado na imprensa brasileira. Restam-lhe as tribunas internacionais para fazer suas denúncias, o que ele faz com maestria. Recebe a indicação para o Nobel da Paz. A própria Igreja contribuiu para que não recebesse essa honraria. O regime militar começa a se deteriorar com as crises econômicas a partir de meados dos anos 1970 e a partir da sucessão do general Figueiredo a situação se torna insustentável, com a indicação de Paulo Maluf para a sucessão. Dom Helder atinge os 75 anos de vida e passa a viver a sua aposentadoria compulsória, vivendo em estrita pobreza e de mergulho profundo nos mistérios de uma vida coerente e condigna com a pregação dos Evangelhos. Dom Helder ajudou, e em muito, a reconfigurar a fisionomia da igreja católica brasileira. A sua morte ocorre no Recife no ano de 1999.
VII. PÓS-ESCRITO A DOM HELDER CÂMARA. Esse tributo de reverência a Dom Helder busca explicar a raiz da força espiritual que sustentou a vida do "santo". Recebeu as fortes influências de dois papas, João XXIII e Paulo VI, aos quais ele também influenciou. Buscou ainda inspiração nos antigos, em Inácio de Antioquia, Basílio da Cesareia, de Santo Agostinho e de São João Crisóstomo e das influências já assinaladas de Jacques Maritain e do padre Lebret. Como tributo a Dom Helder transcrevo o último parágrafo da síntese biográfica.
"Nesses quatro setores da vida da Igreja - colegialidade e comunhão, relações entre Igreja e Estado, testemunho de uma Igreja servidora e pobre, evangelização inculturada - a atuação daquele, que criou as condições para a fundação da CNBB e foi seu primeiro Secretário Geral durante doze anos, pode oferecer subsídios e inspiração para a Igreja no Brasil no alvorecer do século XXI. Mas antes de tudo é preciso reconhecer, que o mais importante legado, que deixa para as gerações futuras é o seu testemunho espiritual, vivido dentro das exigências do Evangelho e em consonância com a recomendação, que recebeu de João XXIII: 'É preciso permanecer sempre no Amor, para permanecer em Deus'".
O deserto é fértil. Dom Helder Câmara. Civilização Brasileira.Termino com um testemunho meu. Meus anos de formação também foram profundamente marcados pelos papas João XXIII e Paulo VI e pelo Concílio Vaticano II e, depois, ao longo dos primeiros anos atuando como professor, a influência de Dom Helder Câmara. Muito utilizei em sala de aula o seu pequeno livro, de grandes ensinamentos O deserto é fértil. Dom Helder, pela Lei Federal 13.581 de 26 de dezembro de 2017 foi declarado Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos.
Deixo o link de O deserto é fértil.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/02/o-deserto-e-fertil-partir-caminhar-dom.html
O deserto é fértil , temos que " aguar" com a essência do cidadão cristão Professor Dom Helder Câmara . Parabéns , gratidão.
ResponderExcluirOi Leni. Primeiramente agradeço a sua manifestação, e também exaltar a memória de Dom Hélder. Um marco em minha formação.
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