terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 8. Everardo Dias.

Dando continuidade na análise dos "intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincln Secco, vamos hoje trabalhar o pensamento e a ação de Everardo Dias, numa resenha de Marcelo Ridenti. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 intérpretes, em resenhas apresentadas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

A resenha de Marcelo Ridenti começa com a obra de Leandro Konder A derrota da dialética, em que o autor fala da pouca e má interpretação do pensamento de Marx no Brasil, ao longo das primeiras décadas do século XX. Poucas traduções e o envolvimento direto nas lutas sociais da esquerda brasileira seriam as razões para essa má compreensão.  Marx era confundido com o evolucionismo, com o positivismo, com o anarquismo e, depois com a larga difusão do stalinismo. O livro de Leandro Konder recebeu amplas contestações.

Everardo Dias se enquadraria, assim mais no perfil das experiências de luta do que nas reflexões teóricas. Ele foi marcado pelo seu pensamento anticlerical, anarquista, positivista e comunista. Em registro nos arquivos do DOPS-SP se lê, sobre o ativo militante o que segue: "Anarquista. Comunista. Tem tido contínuo contato com a polícia, por efeito de suas ideias avançadas a cuja propaganda tem se dedicado com muito carinho. Tem prestado sua atividade intelectual a uma intensa propaganda comunista [...]. Seus discursos sempre foram contra os poderes constituídos [...]. É um propagandista ativo e perigoso".

Everardo Dias nasceu em Pontevedra, na Espanha, no ano de 1883, mas já em 1886 estava no Brasil, com a sua família, com o pai trabalhando em São Paulo como tipógrafo, profissão que depois ele
também seguiria. Cursou a Escola Normal da Praça da República, única escola do hoje denominado ensino médio existente. Por um breve tempo exerceu a função de professor em Monte Alto, no interior de São Paulo, voltando para a capital para exercer a profissão de tipógrafo e jornalista. Já em 1903 o encontramos à frente do jornal O Livre pensador, em que defendia o uso da razão contra o catolicismo conservador. É a sua fase acentuadamente anarquista, defendendo inclusive a ideia de que Jesus Cristo era um pensador anarquista.  

Por ter participado ativamente das greves de 1917 e 1919 foi preso, condenado a 25 chibatadas e deportado. Por influências maçônicas, recebeu indulto presidencial, mesmo condenado pelo STF da época. Ele pertencia a ordem maçônica. Em sua volta se estabelece no Rio de Janeiro. É também o momento de sua participação no recém fundado PCB. Escreve um de seus principais livros Memórias de um exilado, um relato das agitações sociais da década de 1910. Como se tornou bastante conhecido em função de sua deportação e anistia, escreve para jornais de vários estados brasileiros. Sua outra obra importante Bastilhas modernas, relata suas memórias das prisões (no plural, sim - várias e em vários lugares) que se constituiu num dos mais importantes documentos sobre o sistema prisional da época, um sistema de perseguições contra os deserdados, como o classificou.

Essa sua obra teria servido de inspiração para Graciliano Ramos escrever Memórias do cárcere. As prisões ocorreram sob o governo de Artur Bernardes (1922-1926). A obra é marcada por uma profunda indignação moral. A saída da prisão marca o seu retorno a São Paulo. A sua filiação ao PCB marca o seu afastamento da maçonaria, mas não de seus amigos maçons. No início dos anos 1930 é expulso do PCB, num expurgo dos intelectuais em favor dos obreiros. Em 1932 adere à rebelião paulista, volta à maçonaria, sem abandonar as suas convicções socialistas. Nos anos 1950 o encontraremos trabalhando na imprensa com os comunistas mais independentes do Partido, na Revista  Brasiliense. Os seus artigos resultarão no seu mais importante livro História das lutas sociais no Brasil, livro que já resenhei aqui no blog. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/06/historia-das-lutas-sociais-no-brasil.html

No encerramento da resenha Marcelo Ridenti volta ao livro de Leandro Konder, em defesa de Everardo Dias, e mostra também a sua importância pelas lutas das quais sempre foi ativo participante. Vejamos: 

"A natureza da obra de Everardo Dias - notadamente seus livros principais, Memórias de um exilado, Bastilhas modernas e História das lutas sociais no Brasil - não permitem falar em "derrota da dialética" do ponto de vista teórico, já que nunca se propôs a fazer uma análise dialética da sociedade brasileira. Não obstante, ajuda a compreender o período, marcado menos pelo esforço de teorização e mais pela ênfase na experiência prática de vida nos meios sociais de esquerda, em que atuavam as mais diversas correntes de livres-pensadores, anarquistas, positivistas, nacionalistas (tenentistas) e comunistas, enraizados socialmente em diferentes grupos e classes, entre operários, pequeno-burgueses, militares e intelectuais oriundos de setores oligárquicos dissidentes. Então, é o caso mais de constatar e compreender do que de criticar o ecletismo de Everardo Dias e de seus companheiros de geração à esquerda, que lutaram nas circunstâncias mais adversas e pagaram um preço alto por isso".

Deixo ainda a resenha anterior.http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/12/interpretes-do-brasil-classicos_23.html

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