sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 7. Rui Facó

Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, trabalhamos hoje Rui Facó, numa resenha de Milton Pinheiro. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são 25 intérpretes, em resenhas apresentadas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

Rui Facó nasceu em Beberibe, no Ceará. Nessa cidade fez também seus primeiros estudos, mudando-se depois para Fortaleza, onde fez o curso de Direito, conheceu Rachel de Queiroz e se filiou ao PCB. Ainda em Fortaleza, começa a trabalhar no jornalismo, profissão que não mais abandonaria. Salvador e Rio de Janeiro foram outros de seus destinos, como também Moscou. Durante o Estado Novo conheceu as amarguras da prisão política. O seu tema de estudos sempre foi a realidade brasileira.

Os seus estudos sobre a realidade brasileira tinham a clara intenção de conhecer a realidade para poder transformá-la. O pós moderno e o fim de um maior rigor na academia o transformaram num pensador "desaparecido" dos círculos universitários. O Brasil dos anos 1930 a 1960 mereceram sua atenção maior. O fato de ser do nordeste colaborou com o fato de voltar seu olhar para a questão agrária brasileira, bem como para as desigualdades regionais.  O seu principal livro foi Cangaceiros e fanáticos: gênese e luta, livro de 1963, livro póstumo, do mesmo ano de sua morte. O livro é um brado contra a opressão. Canudos, o cangaço, os beatos, a República, o latifúndio e o imperialismo estão sempre presentes em sua obra.

De acordo com o PCB, participou da visão de que a estrutura fundiária brasileira após a libertação dos escravos integrava uma estrutura semifeudal. Da mesma forma também era a favor de alianças estratégicas, defendendo as alianças com a burguesia brasileira progressista e democrática, na implantação de um capitalismo moderno, que após a sua superação levaria o país para o socialismo. A famosa teoria do etapismo, da sucessão dos diferentes modos de produção, após o esgotamento de suas contradições. O seu pensamento refletia as posições do Partido e da Terceira Internacional.

Facó nunca teve dificuldade em se posicionar dentro do processo histórico. Ele tinha muito claro de que lado se posicionar. A sua atividade jornalística e literária fizeram dele o típico intelectual orgânico, pela sua militância jornalística nos meios de comunicação vinculados com a esquerda. Via no Partido o organizador das massas populares oprimidas em busca de sua emancipação. Com entusiasmo viu o crescimento do PCB ao final da Segunda Guerra Mundial, possível com o soprar dos ventos da liberdade, ainda que por um breve tempo. O PCB, o primeiro partido brasileiro de massa se constituía na alma viva a impulsionar as transformações na sociedade brasileira.

Após as perseguições e a proibição do partido em 1947, em 1952 irá para Moscou. De lá continuou os seus estudos e as atividades jornalísticas, trabalhando na rádio Moscou. Lá também percebeu as contradições do comunismo soviético, como o culto à personalidade de Stalin e o tolhimento da liberdade para o desenvolvimento das potencialidades. De volta ao Brasil, aprofunda a sua visão de Brasil, cuidando de seus dois livros fundamentais: Brasil do século XX e Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas.

No período de 1958 a 1963, período dedicado ao aprofundamento de seus estudos, ele observa também a transformação brasileira pelo desenvolvimento industrial e pela formação de uma burguesia nacional. Também se envolveu nas lutas contra o racismo e por uma sociedade sem classes e culturalmente emancipada. Dedicou-se ao estudo de biografias, retratando Prestes, o "Cavaleiro da Esperança". Foi um grande "militante da pena", denominação que mereceu em função de sua cada vez maior e mais intensa atividade jornalística.

Em 1963 empreendeu a sua última batalha. Iniciou uma viagem pelos países da América Latina, para denunciar as mazelas do imperialismo que dominava o continente. A sua viagem de trabalho foi interditada por um acidente aéreo na Bolívia, no qual morreram as 39 pessoas que estavam no avião, 36 passageiros e três tripulantes. Para deixar clara a sua importância perante a história, transcrevo os dois últimos parágrafos da resenha de Milton Pinheiro:

"Homem de imensa modéstia, que não fazia jus à sua enorme capacidade intelectual, sempre dialeticamente envolvido na luta, pois pensava e agia na sociedade, estava o tempo todo a serviço da transformação social. Rui Facó morreu em 15 de março de 1963 em um desastre aéreo na Bolívia, numa viagem pela América Latina como correspondente do jornal Novos Rumos. Não obstante o prematuro desaparecimento, ele nos legou uma explicação sobre a realidade brasileira e sobre a história das lutas sociais desse breve século XX. Afinal, novos atores, trabalhadores do campo e da cidade, tiveram em Rui Facó o pesquisador participante, o cientista social que não foi leviano com a verdade.

Quando os tempos atuais encontrarem o seu caminho para uma nova sociabilidade, e a verdade sobre os acontecimentos sociais for escrita, lá teremos Rui Facó como historiador das lutas que construíram a nação no seu processo de emancipação".

 Deixo também a publicação anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/12/interpretes-do-brasil-classicos_21.html

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