quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 2. Heitor Ferreira Lima.

Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - Clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje trabalhar o militante do partidão Heitor Ferreira Lima, num ensaio/resenha de Marcos Del Roio. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 autores/intérpretes, em ensaios ou resenhas apresentados por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.
Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014. Páginas 27-38.

Heitor Ferreira Lima nasceu em Corumbá (MS) no ano de 1905 e morreu em São Paulo em 1989. Datas bem sugestivas. O início das revoluções na Rússia e a Queda do Muro de Berlim. Tudo a ver com a sua vida. Na sua apresentação inicial Marcos Del Roio o apresenta como um estudioso da ruptura colonial brasileira pelo processo de industrialização, mirando no horizonte a perspectiva da transformação socialista. Ocupou-se assim com os estudos da revolução burguesa no Brasil, ocorrida entre os anos de 1930 e 1980. Sua vida esteve envolvida em contradições entre a sua formação marxista e o seu entusiasmo com a transformação industrial do Brasil. Contradições profundas. Além do marxismo também um positivismo de esquerda entrou em sua vida.

Não pertenceu a uma família abastada, mas, aos 17 anos já se encontrava no Rio de Janeiro, dividindo a sua vida entre o trabalho e os estudos. Participou do movimento sindical e por ele foi levado ao Partido Comunista, fundado em 1922. O Partido o levará a Moscou para estudar na escola leninista, onde fez o seu "curso superior", entre os estudos de economia e de história. De volta ao Brasil, na qualidade de dirigente partidário, empreende viagens que o aproximam da realidade brasileira. Sente dificuldades dentro do Partido e a sua rígida hierarquia e a obediência às ordens do COMINTERN. Passa por prisões e por grandes dissabores. Encontra no jornalismo a sua atividade profissional, agora fixado na cidade de São Paulo. A sua primeira publicação será uma biografia de Castro Alves, que o levou ao tema da escravidão e do colonialismo. 

Entra em contato com o liberal Roberto Simonsen, presidente da FIESP e formulador da política de industrialização de Getúlio Vargas. Essa aproximação o tornou entusiasta do processo de industrialização, mais pelas suas transformações técnicas do que pelas relações sociais. Considerava Roberto Simonsen como o introdutor do fordismo na industrialização brasileira. Isso o aproximou com o positivismo de esquerda e até com a UDN, para se distanciarem do integralismo. Os seus estudos desse período o levaram ao seu livro Formação industrial do Brasil. A industrialização significava para ele a verdadeira ruptura com o colonialismo e as suas estruturas básicas do latifúndio e da escravidão. Aí vem a primeira grande crítica do resenhista. Vejamos:

"Sem negar o valor de autores como Caio Prado e Nelson Werneck Sodré, por exemplo, é inegável que na fase em que o marxismo se implanta no Brasil e que coincide com a revolução burguesa, de fins dos anos 1920 a meados dos anos 1970 do século XX, tanto o movimento operário quanto o marxismo aparecem como força secundária. O resultado é um marxismo vulgar e subalterno, embebido de economicismo, de positivismo, o qual, por um lado, teve enorme dificuldade de ver e fazer do proletariado um protagonista de uma revolução democrática, em virtude de dificuldades teóricas e práticas (que não cabe discutir agora), e, por outro, traduziu a ideologia burguesa ao modo, por exemplo, de industrialismo e industrialização para expressar o processo de revolução burguesa (sem democracia)". Problemas de ordem teórica e prática.

As suas observações sobre a industrialização, o fazem ver a inspiração alemã, de indução do processo a partir do Estado (Friedrich List), a chamada "via prussiana" de industrialização. Critica no entanto, a ausência de planejamento, afirmando que o processo se deu de uma forma meio espontânea, a partir das crises mundiais, que induziram a uma política de "substituição das importações". Criticou também a presença externa em nossa economia, mas, afirma o resenhista, que o seu entusiasmo prejudicou um senso crítico maior. A sua visão mais economicista do que marxista o levou a ser um intelectual mais orgânico à burguesia do que ao marxismo. Viu também, no processo de industrialização a nossa via de ruptura colonial e de afirmação nacional.

Em 1975 publica outro livro, dentro da mesma temática. História do pensamento econômico no Brasil, curiosamente editado pela FIESP, pela proximidade do autor com Roberto Simonsen, a quem tece rasgado elogio: "Roberto Simonsen foi o mais combativo e o mais coerente industrialista que o Brasil já teve". Na sua fase final volta-se, como no seu início, às biografias. O seu entusiasmo agora o leva a Silva Jardim (1860-1891), um personagem dentro da esquerda do positivismo. Ele batalhou pela abolição e pela República, mas a República não o entusiasmou. Preferiu um autoexílio, no qual encontrou a sua morte. Vejamos um parágrafo dedicado a Silva Jardim:

"A postura de Silva Jardim em defesa das ideias mais à esquerda que o embate político suportava formam as mesmas ideias que o fizeram angariar grande prestígio público e a marginalização política, logo que alcançado o objetivo da instauração da república. A morte o colheu em acidente no vulcão Vesúvio, em 1891, antes mesmo de completar 31 anos de idade, quando havia se imposto um exílio voluntário".  Consta que ele fora advertido da erupção iminente do vulcão. Curioso...

Quanto a importância de Heitor Ferreira Lima, vejamos o último parágrafo da resenha: "O interesse de Heitor Ferreira Lima pela biografia de Silva Jardim pode ter um significado esclarecedor do seu próprio pensamento e visão de Brasil. Silva Jardim foi um jovem intelectual positivista de esquerda, vertente que se alongou no tempo no Brasil e foi o tronco do qual se originaram as ideologias do movimento operário, inclusive o marxismo particular do Brasil, marxismo do qual foi Heitor Ferreira Lima um representante dos mais dignos e expressivos, ainda que não lhes tenha sido possível romper com a subalternidade ante a vanguarda do pensamento burguês brasileiro". 

Marcos Del Roio é autor do belo livro sobre as greves operárias do ano de 1917. Veja:

Veja também a publicação anterior - sobre Octávio Brandão: 


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