quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 18. Antônio Cândido.

Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje trabalhar o sociólogo e crítico literário Antônio Cândido, numa resenha de Flávio Aguiar. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 intérpretes, em resenhas escritas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo editorial. 2014.

O resenhista, Flávio Aguiar, na abertura de seu trabalho atribui a Antônio Cândido, uma frase de Goethe, de que os personagens importantes e marcantes, devem deixar como herança, raízes e asas. Que bela atribuição para este homem marcado pela sociologia, pela literatura e pela crítica literária. Tudo teria começado com a revista Clima, em que trabalhou, junto com personalidades marcantes como Paulo Emílio Salles Gomes (cinema) e Décio de Almeida Prado (teatro), entre outros. Era uma época de busca de fontes, de rigor científico e de especializações, tudo influenciado pela recém fundada Universidade de São Paulo (USP).

Antônio Cândido nasceu no Rio de Janeiro em 1918, passando sua infância e parte da juventude em Poços de Caldas (MG) e a vida universitária, já em São Paulo. Deixa inconcluso o seu curso de Direito para se dedicar às ciências sociais e seguir a carreira de professor universitário, como decorrência. Essa, ele começou na cidade de Assis (UNESP), seguindo depois na USP. Em 1958, abandona de vez a sociologia para abraçar definitivamente a Literatura.  Este também será o seu campo de trabalho na qualidade de jornalista. Nessa atividade lançou o suplemento literário do jornal O Estado de S. Paulo. Sobre essa sua troca de campo de trabalho Fernando de Azevedo teria dito que ele se casara com a sociologia e que a literatura, tornou-se depois, a sua bela amante.

A sua formação foi toda ela muito consistente. Foi leitor das primeiras grandes interpretações do Brasil, convivendo, inclusive com os seus autores, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior e com suas obras Casa-Grande & Senzala (1933), Raízes do Brasil (1936) e Formação do Brasil Contemporâneo - Colônia (1942). Do último tomou de empréstimo a palavra formação, para o seu mais expressivo livro Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1959). A literatura acompanhou a sua formação universitária. Sílvio Romero (História da literatura brasileira - (1888) foi o tema de seu mestrado e a poesia popular dos Parceiros do Rio Bonito, o trabalho de seu doutorado. Muito se inspirou também em Fernando de Azevedo (A cultura brasileira, 1943).

O resenhista chama a atenção para palavras-chave sempre presentes em seus trabalhos: "Retomando as palavras-chave desse parágrafo de Roberto Schwarcz, em sentido inverso, encontramos: "juízo crítico", "experiência histórica", "elaboração intelectual", "chão social cotidiano", "disciplina histórica", "linha de trabalho". São traços delineadores de uma perspectiva que acompanhou a trajetória intelectual de Antônio Cândido desde sempre, segundo podemos inferir do depoimento do colega e amigo Décio de Almeida Prado". O rigor do método. O resenhista continua falando de sua obra:

"Por isso, embora tenha o peso de um tratado, a Formação... nunca abandonou a marca do ensaio. Ela pode ser vista, mesmo em seus aspectos teóricos, como uma coleção de ensaios com valor próprio, mas emoldurados por uma metodologia de trabalho e um objetivo único, a saber, o de analisar como cada um deles se relaciona com o propósito maior e comum do conjunto e dos períodos em tela, do albor - ainda  que um tanto vago e diluído - das letras iluministas, ao fragor, às vezes desequilibrado, do romantismo e de sua passagem ao momento seguinte, o dos 'reformadores', das letras e da pátria ao final do século. Aquele propósito maior e comum era o desejo de construir uma literatura para, no e do Brasil". Flávio Aguiar continua apresentando características da obra de Antônio Cândido, como a de um Brasil em movimento:

"A literatura, assim, é 'sistema' e 'emblema', ambos conformados por 'formação e transformação, polifonia e cacofonia' em que 'ressoam algum tipo de diálogo com outros escritos de outras literaturas, contemporâneas ou não'. É desse modelo ou, melhor ainda, dessa forma de pensar que parte a fixação de dois momentos decisivos na formação literária brasileira, o Romantismo, cuja visão ampliada abrange o período de 1836 a 1870, e o modernismo, de 1922 a 1945. São períodos de um autêntico aggiornamento na cultura brasileira, marcados, de modos diferenciados, por um 'ardor de conhecer o país'".

O resenhista ainda destaca um outro livro de Antônio Cândido A educação pela noite e outros ensaios (1987), em que ele fala dos limites da leitura erudita no Brasil. Vejamos o resenhista: "Durante muito tempo - provavelmente graças à precariedade do alcance de nosso sistema educacional - a maior parte de nossa população viveu à margem dela. Mais recentemente, quando incorporada a formas de cultura velozmente urbanizada do Brasil do pós-guerra e mais ainda a partir do golpe militar de 1964, essa população simplesmente 'saltava' por cima dessa literatura, incorporando-se à cultura de massa do rádio, da fonográfica, do cinema e da televisão (saltando também sobre o teatro)". Devo intervir para lamentar a educação cada vez mais reduzida em nossas escolas pela visão do projeto mercantil da educação neoliberal.

Flávio Aguiar assim termina a sua bela resenha: "Nas últimas décadas, Antônio Cândido ajudou decisivamente a consolidar uma visão de nossa literatura - e, portanto, com ela, do próprio Brasil, como parte da América Latina. Ele já assinalara, desde sempre, nossa pertença latina como herdeiros que somos desse legado europeu. Porém, a partir de seu encontro com o crítico uruguaio Angel Rama, em 1960, ambos passaram a visualizar uma visão unitária para os processos literários da América Latina, baseada nos grandes projetos e processos de "modernização" social e cultural do continente: mais ou menos o que se define a partir de 1870, depois a partir dos anos 1920 e da crise de 1929, e no período posterior à Segunda Guerra Mundial. À ideia dos influxos de culturas originais - a matriz europeia miscigenada às raízes africanas e indígenas - ajuntou-se a de uma autêntica fratria literária, numa América Latina vista não como um passado comum a manter e a recuperar, mas como um projeto cultural a construir, vislumbrado na(s) sua(s) literatura(s).

Dessa forma, ao lado do descortinar e do escrutinar suas raízes e seus espaços presentes por meio da leitura literária, Antônio Cândido ajudou a aprestar  a nossa literatura e a nossa crítica para novos voos além-fronteiras". Deixo também o trabalho feito sobre Antônio Cândido, a partir do livro Introdução ao Brasil - um banquete no trópico. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico17-formacao-da.html 

E como de hábito, o trabalho anterior.http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_17.html


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