terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 17. Jacob Gorender.

Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos ver hoje o historiador Jacob Gorender, numa resenha de Mário Maetri. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial, do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 intérpretes, em resenhas escritas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

A resenha de Mário Maestri é um pouco mais longa que a de outros intérpretes e se foca mais em sua obra, começando, porém, com a apresentação de alguns dados biográficos e da sua trajetória de teórico e  militante no campo da esquerda brasileira. Jacob Gorender nasceu em Salvador, no ano de 1932, vindo a morrer em São Paulo, em 2013. A sua formação se deu nos melhores colégios de Salvador, onde também ingressou no curso de Direito, que logo abandonou, em função de ter abraçado a militância política dentro do PCB. Participou da Força Expedicionária Brasileira na Itália, onde encontrou-se com dirigentes partidários do PCI.

Em sua volta, abraça a carreira jornalística. Participa de cursos de formação em Moscou, quando também domina o idioma russo. Como dirigente do PCB, abraça todas as suas causas, especialmente a adesão aos governos burgueses, como um imperativo do avanço dos modos de produção, em que se defendia que o socialismo substituiria o modo de produção capitalista. Por isso, o apoio. Atentamente observa os movimentos internacionais, especialmente a Revolução cubana. Com o golpe de 1964 as teorias do PCB se desmoralizam e o Partido se desintegra. Em 1968, no Rio de Janeiro, participa da fundação do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), junto a uma série de camaradas seus. Depois dedica-se mais ao campo teórico do que à militância revolucionária. Nos anos 1990 filia-se ao Partido dos Trabalhadores, mas também, sem militância efetiva.

A partir desse momento a resenha enverada pelo campo de sua obra teórica, de seus livros. O primeiro deles é O escravismo colonial, uma publicação do ano de 1978. Essa obra representa o fim da tese, que imperava desde 1928, de nosso passado semi feudal. Não havia a superposição etapista de modos de produção, mas, uma pluralidade dos modos de produção na formação da sociedade brasileira. A obra representa uma ruptura com os dogmas stalisnistas, com a burocracia e com o reformismo. A fonte de inspiração será Marx, Ernest Mandel e Trotski. O resenhista assim descreve o caráter dessa sua obra essencial:

"A tese O escravismo colonial tratava-se de investigação organizada para estabelecer bases metodológicas sólidas para a interpretação crítica da moderna formação social brasileira, para revolucioná-la em um sentido socialista. A poderosa reflexão empreendida em O escravismo colonial teve seguimento sobretudo em dois ensaios, indiscutivelmente de menor fôlego - Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e Burguesia brasileira". Esse último ocupa-se do processo de industrialização.

Em 1987 produziu o seu livro mais conhecido Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada, livro "reconhecido como clássico da historiografia do Brasil". O resenhista lhe tece o seguinte comentário: "No livro, aponta o caráter inconsequente da ruptura armada com o pacifismo e o colaboracionismo do PCB".

O resenhista acompanha Gorender, agora nos anos 1980, anos em que, nas palavras do resenhista, "a maré neoliberal fez recuar globalmente o mundo do trabalho, dissolvendo partidos operários, desmoralizando milhares de políticos, intelectuais e lutadores sociais. O processo contrarrevolucionário alcançaria o ápice com a restauração capitalista nos países de economia nacionalizada e planejada, dissolvendo as conquistas obtidas pelos trabalhadores nos últimos setenta anos, drama histórico epocal". Como encontraremos Gorender diante desse processo? O resenhista nos indica a sua visão:

"Gorender sofreu duramente aquele processo, com destaque para a destruição da URSS. Nesse contexto, estabeleceu-se dissintonia essencial entre o caráter de sua produção anterior sobre a formação social brasileira e seus posteriores ensaios de interpretação da crise do mundo do trabalho, do socialismo, da URSS". sobre o tema escreve dois livros: Perestroika: origens, projetos e impasses (1991) e Marcino e Liberatore: diálogos sobre marxismo, social democracia e liberalismo (1992). Marcino e Liberatore são referências a Marx e a um liberal.

Ao final da sua vida ainda escreveu Marxismo sem utopia em que, segundo o resenhista, Gorender sofreu uma recaída social democrata, que já o acometera em 1958. E o resenhista assim termina o seu trabalho: "Um marxista revolucionário não pode viver à margem da utopia, compreendida como compromisso férreo com ideal racional e objetivamente fundado, mas em geral de materialização distante, difícil e penosa. Fortemente influenciado pela luta social, essa instância psicológica individual é posta sob tensão crescente sobretudo nos momentos de triunfo dos opressores.

Triunfo que certamente jamais alcançou a dimensão conhecida dos nossos dias de crescente domínio da barbárie capitalista. Dessa contradição surge o permanente conflito entre a perseverança, a acomodação e a rendição que se materializa comumente sob a forma de crença ou descrença na necessidade - possibilidade da superação da exploração social

Dilaceramento que indiscutivelmente engoliu em sua idade tardia este que foi sem dúvida o mais criativo marxista revolucionário brasileiro". 

Ainda quero deixar um comentário final de uma experiência minha. Em 1990, participando de uma campanha política em favor do Partido dos Trabalhadores, encontrei, na cidade de Cianorte, várias pessoas que integraram as fileiras do PCBR. Fiquei muito curioso, mas não tive condições de fazer uma pesquisa com essas pessoas, embora morrendo de curiosidade.

E como de hábito, a resenha anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_15.html



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