quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 10. Gilberto Freyre.

Primeiro post de 2023. Na continuidade da apresentação dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje trabalhar o grande clássico Gilberto Freyre, numa bela resenha de Mário Hélio Gomes de Lima. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 autores, apresentados por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes. 

Intérpretes do Brasil - Clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

Ao ler a resenha, quem me chamou muita atenção foi o resenhista, Mário Hélio Gomes de Lima. Devo dizer que ele, como o personagem resenhado, é pernambucano, formado em comunicação social, mestre em história, doutor em antropologia e trabalhou na Fundação Joaquim Nabuco. Tudo a ver com Gilberto Freyre. A resenha tem o seu foco voltado para os anos de formação de Gilberto Freyre, ressaltando que ele é nordestino e pernambucano, estado e região que perdeu a proeminência em nossa história e a mais profundamente  marcada pelas desigualdades sociais. Ali estão cravadas as marcas maiores do modelo de colonização implantado pelos portugueses no Brasil, quais sejam, a escravidão, a monocultura, o latifúndio e o patriarcalismo.

Não é por acaso que estes sejam os grandes temas presentes em suas obras, especialmente as da década de 1930, com todo o destaque para Casa-Grande & Senzala (1933). Gilberto Freyre é o escritor da exaltação da miscigenação, contrariando as teorias predominantes na época das teorias que apontavam para as consequências nefandas dessa mistura de raças e da defesa das  teorias da necessidade do branqueamento, teorias defendidas, entre outros, por Nina Rodrigues e Oliveira Viana. Para ele, a convivência das raças e a sua miscigenação não seriam impedimento para o desenvolvimento do Brasil. As críticas maiores que ele recebe são as de que ele teve uma visão de abrandamento da escravidão no Brasil, numa visão um tanto romântica de relações marcadas até pela afetividade e cordialidade.

Gilberto Freyre tem origens familiares na classe média em busca de ascensão social, de busca da fidalguia, como destaca o resenhista. Diferente da maioria dos intelectuais brasileiros, de formação francesa, ele buscou a sua formação nos Estados Unidos, especialmente na conceituada Universidade Colúmbia de Nova York, passando antes por Baylor, de Dallas. Em sua formação estão presentes princípios protestantes, de influência batista. Toda a sua formação está voltada para a antropologia e para a sociologia.

Deixo registrada uma passagem que o resenhista aponta como o eixo norteador de sua obra: "Atente-se, porém, ao que, nessa civilização, é conjunto de formas favorável à expressão de substâncias diversas sem a diversidade ou a pluralidade dessas substâncias vir impedindo um sentido dinâmico de unidade de harmonizar contrários étnicos e culturais dentro daquelas formas flexíveis, porém básicas, de existências e de coexistência, de vivência e de convivência". Destaque para "harmonizar contrários étnicos e culturais" e "formas flexíveis de existências e de coexistência, de vivência e de convivência". E o resenhista continua na afirmação de que estes serão os eixos norteadores de sua visão antropológica: "O marco de partida e de chegada é a sua mais famosa teoria de hispano-lusotropicologia, que tentava, ousadamente, como poucos portugueses e espanhóis fizeram, construir um mundo comum para ambos, tendo o Brasil, a África e outros lugares como os campos mais férteis para reelaboração disso".

Convivência dos contrários, relações e mestiçagem - mas que mantiveram as desigualdades sociais, contra as quais brigamos até hoje. O resenhista aponta para outra característica importante em sua obra. O caráter de biografia. Ele escreve a história de seus avós, a sua vida social e a sua vida cultural, com fundamentação teórica que ele recebeu em seus anos de formação nos Estados Unidos. O resenhista ainda dá destaque para o subtítulo de Casa-Grande & Senzala para mostrar esta relação. Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal.

Em suma, as obras iniciais, as da década de 1930, Casa-Grande & Senzala, Sobrados e mucambos e Nordeste, são mostras de que a colonização portuguesa e, de um modo especial, a escravidão, não foi apenas de conflitos. Ela foi marcada por acomodações, amalgamentos e fusões. A sua obra teve a pretensão de ser uma biografia da realidade e não uma obra de ficção e uma obra de superação do preconceito contra a miscigenação, elemento que foi fundamental na constituição e reconhecimento da formação de uma nacionalidade e identidade para o Brasil e de seu povo.

Como também trabalhei as resenhas do livro Introdução ao Brasil, Um banquete no trópico, deixo aqui o que escrevi a respeito de suas três principais obras, com base nas resenhas desse memorável livro, em seus dois volumes. Deixo pela ordem: Casa-Grande & Senzala, Sobrados e mucambos e Ordem e progresso.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-10-casa-grande.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-33-sobrados-e.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-34-ordem-e.html

Como fiz nas resenhas anteriores, deixo também a última delas, sobre Sérgio Buarque de Holanda.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/12/interpretes-do-brasil-classicos_31.html


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