sábado, 28 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 24. Paulo Freire.

Quase concluindo a análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, vamos hoje trabalhar o "Patrono da Educação Brasileira", Paulo Freire, numa resenha de Ângela Antunes, do Instituto Paulo Freire. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial de 2014. Ao todo são trabalhados 25 intérpretes, em resenhas escritas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

Paulo Freire nasce na cidade de Recife no ano de 1921 e morre em São Paulo em 1997. Toda a sua obra é autobiográfica e poderia se resumir, segundo a resenhista Ângela Antunes, como "o estar sendo no mundo", agindo nele e o transformando. Também reflete bem toda a sua obra o lema - ação - reflexão - ação, ou, a constante reflexão sobre a prática e o fato de sermos seres inconclusos, em construção, sempre na busca do SER MAIS. E em função disso, sermos movidos pela alegria e pela esperança, ou, numa palavra mais sua, pela amorosidade.

Seu casamento com Elza Maria Costa de Oliveira, uma professora, lhe permitiu uma ampla participação nos debates e na prática das suas atividades educacionais. Paulo formou-se em Direito, mas largou o ofício já em sua primeira causa. Começa a lecionar no próprio colégio que o abrigara com uma bolsa de estudos, mendigada pela sua mãe. Foi ser professor de português. Também trabalhou como professor no SESI de Pernambuco. Foi nessas atividades primeiras, que começa a se esboçar aquilo que se convencionou chamar de "método Paulo Freire", que é, na verdade, muito mais uma concepção de educação: "Pensar a prática para melhor praticar", ou uma "concepção dialética da educação". O seu "método" passa por três etapas, a saber: leitura da realidade - seleção de palavras (temas geradores) e a problematização. 

Como Ângela sintetizou essas três etapas, achei interessante apresentá-las: 1. Etapa da investigação: Descoberta do universo vocabular, em que são levantadas palavras e Temas Geradores à vida cotidiana dos alfabetizandos e do grupo social a que eles pertencem. 2. Etapa da tematização: São codificados e decodificados os temas levantados na fase anterior, contextualizando-os e substituindo a primeira visão mágica por uma visão crítica e social. 3. Etapa de problematização: Nessa ida e vinda do concreto para o abstrato e do abstrato para o concreto, volta-se ao concreto problematizado. Descobrem-se os limites e as possibilidades captadas na primeira etapa. Assim, a alfabetização nunca é dissociada da conscientização. Na avaliação das práticas, sempre é considerado o grau de conscientização que foi obtido. E, lembrando bem, o seu método não é uma técnica de ensino.

Essa sua concepção de educação passa por alguns pressupostos filosóficos: O ser humano é um ser de relações; as relações só se estabelecem entre seres iguais, não hierarquizados; os seres são inconclusos e conscientes da sua inconclusão e estão em busca (transcendência) do "ser mais"; o diálogo, e não o discurso, é o mediador da relação entre os seres que interagem. A humildade e a predisposição para a abertura ao saber são condições indispensáveis para o ser educador. Tudo isso passa por uma construção coletiva e não por uma mera transmissão. Busca-se assim uma cidadania ativa e uma cultura que estimule a solidariedade. 

O seu modo de pensar se formou através das atividades educacionais desenvolvidas em Recife e ele ganha grande notoriedade com o programa de alfabetização de adultos, desenvolvido na cidade de Angicos (RN). Nesse tempo é fortemente influenciado pelos pensadores do ISEB (nacionalismo desenvolvimentista) e busca uma grande compreensão da realidade brasileira, conhecê-la, para transformá-la. Essas suas atividades são tolhidas pelo golpe de 1964, quando é preso por longos 72 dias, rumando depois para o seu exílio no Chile, onde encontra condições para a escrita de seus dois primeiros grandes livros: Educação como prática da liberdade e Pedagogia do oprimido. Nessas obras estão todos os fundamentos de sua concepção educacional, uma concepção que beneficie os "esfarrapados do mundo".

Em 1969 irá para os Estados Unidos. Lá, não será estudante em Harvard, mas sim, professor. Permanece por pouco tempo, rumando para Genebra, para trabalhar no Conselho Mundial de Igrejas por dez anos. É um tempo de grandes trabalhos e novos livros. Ele colabora na organização de projetos educacionais para as recém libertas colônias da África, de língua portuguesa. Educação e emancipação na prática, na superação do colonialismo e de todos os seus vícios, como o patriarcalismo e o imperialismo capitalista. Como esses países praticariam agora a conquista da liberdade política?

O ano de 1980 marca o seu retorno ao Brasil. A UNICAMP e a PUC/SP o acolherão. Em 1989 ele assume a Secretaria de Educação da cidade de São Paulo, a convite da prefeita Luíza Erundina. (a respeito ver o livro Educação na cidade). Licencia-se do cargo, premido pela urgência de escrever. O seu último livro completo é uma espécie de testamento seu - Pedagogia da autonomia - saberes necessários à prática educativa, livro com o qual ele teve uma enorme preocupação para que ele chegasse ao máximo possível de educadores. Recebe inúmeros reconhecimentos internacionais, títulos de Doutor honoris causa das mais renomadas universidades mundiais e é agraciado com o título de Patrono da Educação Brasileira, título que lhe foi conferido em 2012 pelo Congresso Nacional.

A resenhista lhe presta um tributo com as palavras finais da Pedagogia do oprimido: "Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar".

Eu, particularmente, gostei muito de uma biografia sua, O educador - um perfil de Paulo Freire, de Sérgio Haddad, que li e resenhei. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2020/03/o-educador-um-perfil-de-paulo-freire.html. Também deixo a resenha do belo livro Pedagogia da autonomia, livro com o qual eu já trabalhei incansavelmente: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/08/pedagogia-da-autonomia-saberes.html

E, como de hábito, o trabalho anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_27.html

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