terça-feira, 5 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 10. Casa-Grande & Senzala. Gilberto Freyre.

 Este é o décimo trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html.

Trata-se da resenha feita pela professora Elide Rugai Bastos, professora de sociologia da Unicamp, da obra Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (1900-1987). A resenha é encontrada no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota. A primeira edição do livro de Freyre data de 1933.

No volume I, a décima resenha.

A professora Rugai Bastos abre a sua resenha falando da trilogia de livros do escritor, que representam três momentos diferentes da realidade brasileira. Casa-Grande & Senzala, o Brasil Colônia, Sobrados e mucambos, o Brasil Império e Ordem e Progresso, o Brasil República. Logo a seguir aponta para o ano de 1933, o ano da publicação do livro sob análise e faz algumas perguntas fundamentais, procurando contextualizar o livro. Quem é o povo brasileiro? Existe uma unidade nacional e uma cultura brasileira? Existe a possibilidade da integração do Brasil no conceito das nações? A partir de Pernambuco, e nos limites da sociedade pernambucana, procura a resposta para essas questões. Dialoga com os escritores que o precederam e rompe com os determinismos em voga na época.

Gilberto Freyre possui sofisticada formação, buscada nos Estados Unidos (Colúmbia) e na Europa. Tem a formação de sociólogo, o que lhe permitiu, em sua obra, o uso de novas categorias de interpretação e novas metodologias, como a observação do cotidiano. Aparentemente, o volumoso livro (576 páginas, a edição que tenho comigo) é de leitura fácil e extremamente agradável, diria até, sedutora. Mas o obra é complexa. A professora o apresenta como uma argumentação em espiral, sempre abrindo para novas possibilidades. Três são os elementos fundamentais do livro: o patriarcado, a interpenetração de etnias e culturas e o trópico. Sofreu grande influência de pensadores americanos e espanhóis, os mais autorizados da época.

O título do livro já denuncia que a Casa-Grande era o grande centro estruturador de tudo. Foi a partir dela que se organizou uma colonização estável e que o Senhor do Engenho estava no topo da hierarquia, tendo mais poder, muitas vezes, do que a Igreja e o próprio Estado. A Casa-Grande representava a dominação e a Senzala a submissão, mas havia entre elas uma relação de interação, numa "dinâmica democratizante". O & do título representa um símbolo de interpenetração. As teses do livro estão no primeiro capítulo. A colonização começou em 1532, com os portugueses adotando um modelo de colonização em substituição a um modelo mercantil, que se deu com a cana de açúcar e em torno da adaptabilidade e da mestiçagem cultural que prevaleceu sobre a racial. Adaptabilidade é a grande palavra do livro, acompanhada de outra, não menos importante, a incorporação. A adaptabilidade se deu com os alimentos, com as técnicas agrícolas, higiene, vestimentas e modos de vida. 

As características mais importantes foram as do patriarcado aristocrático, da iniciativa privada, do latifúndio, da monocultura e da escravidão. Dois outros fatores também são muito levados em conta. A família e a religiosidade a cargo dos jesuítas. Mas sempre volta ao seu tema, o do equilíbrio entre os antagonismos. Depois o indígena entra em suas análises. A falta de mulheres brancas favoreceu a miscigenação e a harmonia social, com a incorporação da cultura superior pela inferior, sendo também atendida a necessidade da ocupação territorial. Se deu o encontro da "luxúria dos indivíduos, soltos sem família, no meio da indiada nua, vinha servir a poderosas razões de Estado no sentido de rápido povoamento mestiço da nova terra".

Mas os índios perderam muito com a moral católica dos jesuítas. A língua geral destruiu línguas regionais e com isso, manifestações culturais e religiosas anteriores, além da perda da espontaneidade de seus hábitos. Passaram a ser contritos à moral dos padres, adaptando-se às suas imposições. Coitados dos pajés. O índio, inclusive desaparece como trabalhador. Mas houve incorporações e não destruição como nos Estados Unidos.

A partir daí o português entra em cena. O português de economia feudal, com leves traços burgueses. O português, já mestiçado com o sangue mouro. O português em suas adaptações passou a ter uma visão prática e não teórica do mundo. No Brasil, o escravo fez com o português o que os mouros fizeram com ele em Portugal. E o escravo mais do que o português foi o elemento colonizador do Brasil. Vejamos um pouco da narrativa da professora: "Com esses escravos tem um aprendizado técnico que possibilita a instalação de engenhos - máquinas de tirar água, moinhos de vento, instrumentos de moagem. Essa dependência explicita-se em vários aspectos da vida social: na vestimenta - uso do algodão, do bicho da seda; na alimentação - desenvolvimento da oliveira, cultivo dos cítricos, cultura da cana de açúcar; nos diferentes ofícios - ferreiros, sapateiros, peleteiros, pedreiros, ourives, moedeiros, tanoeiros; e, ainda, na medicina, na arquitetura, na higiene, nas matemáticas, nas artes decorativas". Se plasma a visão de que "trabalho é só para negro".

Agora é a vez do negro entrar em cena. Quatro tópicos são apontados: a adaptabilidade ao trópico; as relações apontaram mais para fusão do que para antagonismos; o negro, a partir das experiências africanas exerceu o papel de colonizador e que aqui formou-se, a partir dessas integrações, uma "democracia racial". Usa também a aplicação de testes de QI, para provar a não inferioridade racial do negro. Destaca os seus modos alegres e extrovertidos como fatores de sua adaptabilidade e, ainda lhes reconhecia elementos de superioridade como o saber ler e escrever. Vejam essa bela descrição: "O negro é, também, responsável pelo traço dionisíaco do caráter brasileiro; é ele quem ameniza o apolíneo presente no ameríndio, marca tão patente em seus rituais. A dança, por exemplo, nos primeiros tem caráter sensual, enquanto nos segundos é puramente dramática. A alegria do africano contrabalançou o caráter melancólico do português e a tristeza do indígena". Freyre ainda atenta para o fato de o brasileiro ter duas faces, uma dura e antipática, a do dominante e outra suave e simpática, pronta para obedecer, a do dominado. E a professora conclui, a partir de Freyre: "Essas duas faces do indivíduo estendem-se à sociedade. É isso que caracteriza nossa forma de nos relacionarmos socialmente. Somos uma democracia social porque somos uma democracia racial".

A resenha termina com um balanço sobre a recepção da obra e as críticas que lhe foram feitas. Por óbvio, a principal crítica recai sobre a proclamada "democracia racial". Ela teria provocado uma falsa consciência da realidade. Segundo Freyre e a sua teoria, aqui não houve problemas para a integração do negro, pois havia igualdade de oportunidades. A segunda crítica é a de que a miscigenação provocou a democratização. É falso. O biológico e o sociopolítico são processos independentes. este foi um fator impeditivo para toda a análise da estruturação da sociedade brasileira. O que houve, foi sim, dominação e discriminação. Encobriu-se a realidade com a mistificação e a propagação de mitos. Sérgio Buarque de Holanda também lhe criticou a questão do limite. O Nordeste não representava toda a realidade brasileira.

E o que há de positivo na obra? A ruptura com os determinismos. O Brasil passou a ser estudado sob a luz das teorias sociológicas e com a incorporação de novas metodologias, como o estudo do cotidiano. Na edição que eu tenho comigo, comprada em 1976 e já sem capa, tem uma anotação muito importante: O fim de dois mitos, o geográfico e o racial. Também me lembro do que eu falava em sala de aula. Rompeu-se com a crença da visão negativa sobre o nosso futuro. O nosso processo de formação não representava mais um empecilho para o nosso desenvolvimento. A miscigenação passou a ser vista como algo positivo.

Também considero importante ver a posição que Gilberto Freyre adotou diante da ditadura militar, embora isso nada tenha a ver com o sua obra. Ele foi amigo de Salazar, simpático à ditadura militar brasileira e amigo do general Golbery do Couto e Silva. Deixo ainda o trabalho anterior, Retrato do Brasil. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-9-retrato-do.html

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