quarta-feira, 13 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 21. História da Companhia de Jesus no Brasil. Serafim Leite.

Este é o vigésimo primeiro trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por João Adolfo Hansen, professor de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo, da obra História da Companhia de Jesus no Brasil, de Serafim Leite (1890-1969), um padre jesuíta português. A resenha encontra-se em Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, volume II, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 43 a 73. O livro de Serafim Leite foi escrito entre os anos de 1938 - 1950. Tinha dez volumes e 5.136 páginas. UFA!

No volume II.  Os jesuítas. Que história.

Imaginem o trabalho do resenhista! Ele foi bem sistemático e dividiu o seu trabalho em onze tópicos. A sua resenha ocupou dez páginas a mais do que o normal, dos outros trabalhos. Plenamente justificável. Mas vamos aos tópicos:

Tópico I. É apresentada a obra, a estrutura, o conteúdo e as finalidades. A sua vasta obra tinha por objetivo mostrar a atuação missionária, catequética e educacional da Companhia de Jesus na Bahia (1549) e no Maranhão e Grão-Pará (1615) até o ano de 1759, ano da sua expulsão, pelo marquês de Pombal, ministro de D. José I. São 210 anos de história, com quadros geográficos, narrativas de conflitos e tensões dos padres da Companhia com os indígenas, com os colonos, com a Coroa, com os padres seculares e com as outras ordens religiosas. Apresenta ainda os temas específicos de cada volume e, para terem uma ideia, havia três tomos reservados para anotações e bibliografia. Observem bem, a obra missionária, catequética e educacional. É uma obra em louvor!

Tópico II. Creio que caracterizar Serafim Leite como um padre jesuíta português é a observação mais importante a ser feita. A obra é uma defesa da corporação. Na qualidade de padre jesuíta, teve acesso a fontes que só mesmo ele poderia ter. Buscou essas fontes em Portugal, Espanha, Itália, França, Bélgica, Holanda e no Brasil, privilegiando relatórios e cartas. Tudo é narrado sob a ótica da defesa da Companhia e do seu princípio ad maiorem Dei gloriam, tanto nas ações históricas narradas, quanto as do tempo de sua escrita. Os jesuítas portugueses sempre foram "bons, caridosos, justos e injustiçados". Não expõe os argumentos dos adversários. Seus procedimentos historiográficos são discutíveis, mas trata-se de um grandioso trabalho. É história eclesiástica.

Embora se considere neutro em seu trabalho, quem escreve é um padre jesuíta, sob a premissa da verdade, da verdade católica. Nas atividades dos padres da Companhia pode ter havido excessos e omissões, mas não na sua essência metafísica. O primeiro imperativo era o de que almas deveriam ser salvas e, fora do catolicismo não haveria salvação. Era a visão da Contra Reforma e do Concílio de Trento. Quanto aos índios, ele os via pelo aspecto religioso e não pelo lado antropológico. Para Serafim Leite, os padres jesuítas sempre foram humanistas e os portugueses sempre praticaram uma colonização branda. Como podem observar, era também um nacionalista. A obra é uma defesa dos interesses conservadores, nacionalistas e colonialistas de Portugal. Fez também a defesa dos grandes nomes da Companhia, como Anchieta, Nóbrega e do padre Antônio Vieira. Os não portugueses, como Andreoni (Antonil), não tiveram a mesma sorte. 

Tópico III.  O resenhista apresenta o século XVI. Ao longo desse século aconteceram os chamados anos heroicos (1549-1570), quando a Companhia se instala no Brasil. Na Bahia, em São Vicente e no Espírito Santo. No primeiro momento o grande nome é o padre Manuel da Nóbrega, do qual apresenta dados biográficos. Narra a fundação dos primeiros colégios e descreve as formas pedagógicas de atuação. Depois entra em cena o padre José de Anchieta. Fala também dos recursos que financiavam as suas atividades, provenientes em sua maior parte, da criação do gado. Também recebiam subsídios da Coroa. Os colégios seguem modelos europeus.

Tópico IV. Essa parte é dedicada a descrição de como os padres se relacionavam com os indígenas. De modo geral isso se dava pelos aldeamentos. Os padres eram os delegados do governador. É notável a defesa da Companhia contra a escravidão indígena, razão de inúmeros atritos com os colonos.

Tópico V. São mostrados os limites do Brasil no século XVI, que já iam do Amapá até a Colônia do Sacramento. Um vasto sertão do interior foi conquistado em favor da "conquista espiritual". A partir dos colégios eram organizadas as expedições para o interior, as conhecidas "Entradas". O destaque todo é dado para a expansão territorial pela ação dos padres da Companhia.

Tópico VI. São mostrados os serviços que a Companhia prestava ao povo. É interessante lembrar os objetivos que os trouxeram para a Colônia, a ação missionária, catequética e educacional. Aqui temos uma preciosa página da história da educação brasileira em seus primórdios. A organização dos colégios é descrita com muitos detalhes. O que se ensinava, a organização em séries, os modelos pedagógicos, a organização de bibliotecas, os livros que não poderiam faltar nelas. O padre também se empenha em mostrar a defesa que eles faziam dos índios contra a escravidão e a concepção que deles tinham como seres humanos, dotados de memória, inteligência e vontade.

Tópico VII. É o momento da descrição do conceito de educação, bem como o das suas finalidades. Ensinavam a devotio moderna da Contra Reforma, ou seja, o ensino da fé católica, depois da divisão protestante, pelos princípios do Concílio de Trento. Era um ensino de evangelização e de combate aos inimigos hereges. Quanto à catequese, ela se justificava pela necessidade de oferecer aos índios a possibilidade da salvação de suas almas, possível apenas, após a conversão. A escravidão poderia até ser suportada, a perda das almas, jamais. A conversão dos gentios fora a principal missão confiada à Companhia pelo rei D. João III.

Tópico VIII. Nesse tópico é mostrada a ação da Companhia no Maranhão e Grão Pará. Lá a situação sempre fora mais tensa entre os colonos e a Companhia por causa da escravidão indígena. O padre Antônio Vieira dedicou vários sermões ao tema. Houve até amotinação da população contra o padre e ele definitivamente perdeu a questão com a sua expulsão e a proibição de sua volta.

Tópico IX. Voltamos a ter uma página da história da educação brasileira, com a abordagem da questão dos colégios e o que se ensinava neles. Havia internatos e externatos e, também, já havia a preparação para a formação de padres. No básico, se ensinava a ler, a escrever e o latim. Nas fases mais avançadas entravam as artes, a teologia e a moral. A Summa Theologica, de Tomás de Aquino, era dissecada, junto com a filosofia aristotélica. Coimbra servia de modelo a ser copiado. Quanto às crianças, não tinham apenas aulas de catequese. também aprendiam a ler e a escrever. A frequência era livre.

Tópico X. É um aprofundamento da questão anterior, quanto a organização das atividades nos colégios, a partir de 1599. Vejamos o resenhista: "Depois de 1599, todos os colégios brasileiros passaram a ser organizados pelo Ratio studiorum atque Institutio Societatis Jesu. Ratio é um conjunto de normas que definem saberes a serem ensinados e condutas a serem inculcadas, e um conjunto de práticas, que permite a transmissão desses saberes e a incorporação de comportamentos, normas e práticas [...]. Na situação contra-reformista do século XVII, a intervenção não podia dissociar-se da prática das virtudes cristãs. Logo, o sentido das normas e práticas do Ratio studiorum de 1599 é o da ortodoxia católica, seguindo-se no ensino, com a máxima fidelidade, a tradição e os textos canônicos fixados e autorizados a partir do Concílio de Trento". E por aí segue a descrição, que avança com a apresentação dos conteúdos.

Nos estudos inferiores ensinava-se gramática, humanidades e retórica e nos superiores, filosofia e teologia. O estudo dos clássicos permeava toda a formação. Havia, porém, autores excluídos. Outro componente onipresente era a oratória. O ensino tinha finalidade essencialmente prática, a utilidade. O curso de filosofia durava três anos e o de teologia quatro. Na filosofia estudava-se Aristóteles e Tomás de Aquino. Quanto à metodologia, privilegiavam-se as preleções e os exercícios de memória. As exigências eram enormes. Do Colégio de Salvador cobrava-se equivalência a Coimbra e Évora.

Tópico XI. Por óbvio, ainda falta um tema. A expulsão em 1759, pelo marquês de Pombal. Serafim Leite considerou o ato como um ato despótico e o atribui aos inimigos da ordem. Primeiramente aos jansenistas, instalados em Roma, junto ao alto clero e ao poder papal. Outro fator importante foi o Tratado de Madri (1750). Este provocou a rebelião indígena dos Sete Povos e, aos jesuítas foi atribuída a culpa. Eles teriam insuflado o movimento. Também houve problemas no norte, como também foram acusados de sedição em Portugal. João Adolfo termina a sua resenha com uma resposta de Serafim Leite à questão da expulsão. Se foi um bem ou um mal? A resposta, segundo o padre, é fácil para quem é sinceramente cristão e católico:

"Mas como nem todos o são no mesmo grau, ou mesmo em grau nenhum, a resposta poderá ser outra, quando se decidir se a sociedade há-de ter Religião, ou não ter religião, se o Espiritual há-de prevalecer sobre o Temporal, ou, na lógica e última consequência desta matéria, se a sociedade há-de ser com Deus ou sem Deus". E o resenhista conclui: "Provavelmente, aqui o leitor partidário da total separação de Igreja e Estado discordará de Serafim Leite. Mas, por ser leitor democrático, certamente também não concordará com os exílios em massa e as crueldades contra os padres".

Uma consideração final, pessoal minha. Em meus anos de formação fui rodeado de jesuítas por todos os lados. Eu nasci em Harmonia, então terceiro distrito de Montenegro (RS). O padre vigário, embora secular, tinha três irmãos padres, todos jesuítas. Ele encaminhava jovens seminaristas para os colégios dos jesuítas. Na minha vez, mandou para os padres seculares. São momentos decisivos em uma vida. Os jesuítas tinham seminários em Salvador do Sul e em Pareci Novo, tudo nas proximidades de Harmonia. São Leopoldo e a hoje UNISINOS, ficava a uns cinquenta quilômetros. Mas eu fui encaminhado para Bom Princípio, Gravataí e Viamão. Em Viamão fiz três anos de filosofia. Ainda restavam quatro de teologia. Saí quando terminei a filosofia. Se, talvez, tivesse sido encaminhado para os jesuítas, a trajetória de minha vida poderia ter sido diferente. Os estudos sempre me fascinaram muito. Talvez...

Deixo ainda a resenha de um importante livro sobre a presença dos jesuítas no sul do Brasil. A missão dos jesuítas alemães no Rio Grande do Sul, do padre Ambrósio Schupp, SJ.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2017/11/a-missao-dos-jesuitas-alemaes-no-rio.html. E, como de hábito, o último trabalho do presente projeto, Visão do paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-20-visao-do.html


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