terça-feira, 19 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 30. A organização nacional. Alberto Torres.

Este é o trigésimo trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por Rolf Kuntz, professor de Filosofa da FFLCH, da Universidade de São Paulo, do livro A organização nacional, de Alberto Torres. A resenha encontra-se em Introdução ao Brasil - um banquete no trópico, volume II, páginas 259 a 278, livro organizado por Lourenço Dantas Mota. O livro teve a sua primeira edição no ano de 1914 e destinava-se basicamente a uma revisão da Constituição republicana de 1891, por ter sido uma Constituição transplantada, sem identidade nacional. A essa reforma ele chamava de A organização nacional.

No volume II, a resenha de A organização nacional.

Vou começar o post com o parágrafo de abertura da resenha de Rolf Kuntz: "Soluções políticas não se inventam: só se pode produzi-las observando a terra e a gente, para identificar os interesses gerais e permanentes do país. Por isso mesmo não se copiam. Soluções copiadas, como o federalismo inscrito na constituição de 1891, a primeira da República, são condenadas ao fracasso. A denominação Estados Unidos do Brasil consagrada no Artigo 1º reflete um equívoco. Não se transplantam histórias, costumes, crenças, condições naturais. Essas ideias balizam os principais escritos de Alberto Torres e informam, do começo ao fim, as propostas contidas no livro A organização nacional. Ele defende, nesse texto, o fortalecimento do governo central, a reconversão de estados em províncias, a criação de um poder coordenador e a inclusão, entre os senadores, de um grupo eleito por sindicatos, associações profissionais, igrejas e outras entidades de representação civil. Define o Brasil como um país de vocação agrícola e prega a diversificação da agricultura e uma economia menos dependente da exportação. Insiste na preservação dos recursos naturais - a tese é econômica e ecológica - e a distribuição de terras e meios de trabalho aos agricultores. Educação básica, difusão de técnicas agrícolas e criação de um instituto de estudos brasileiros são as suas principais propostas para o desenvolvimento cultural". É uma síntese de seu A organização nacional.

O livro contém suas marcas pessoais como o antirracismo e a não transposição de instituições políticas, um modismo dos pensadores de seu tempo. Suas ideias de identidade nacional foram inspiradoras para a Semana da Arte Moderna, enquanto as de centralização, motivaram o integralismo de Plínio Salgado. Como juiz do STF se dedicou à defesa da Soberania e identidade nacional e dos direitos individuais. O resenhista traça uma bela contextualização do período em que escreveu o seu principal livro, com destaque para as decepções com o regime republicano. Foram duas décadas de desequilíbrio regional, de corrupção e atraso econômico. Como causas, aponta para o desencontro entre o homem e o meio natural, diferente do de suas origens europeias e para a desorganização que se estabeleceu em decorrência de uma falta de concepção política que definisse os interesses comuns em torno dos quais o país se agregaria. O estadista, acima de tudo, deveria ser um organizador, um sistematizador dos interesses nacionais. A Constituição seria para ele "uma lei política, de fins práticos, fundada em objetos sociais concretos, e destinada principalmente a manter ligados, harmônica e organicamente, os interesses gerais e permanentes do país". A de 1891 era contra a organização.

O resenhista também nos apresenta seus dados biográficos. É filho de juiz, nascido em Itaboraí (RJ), que irá começar os estudos de medicina no RJ e abandoná-los pelo curso de direito em São Paulo e concluído no Recife, por incompatibilidades com um professor. Formado, ingressa no mundo jurídico, no jornalismo e na vida política. Era um pacifista que previu a primeira grande guerra. Barbosa Lima Sobrinho assim o definiu: "Alberto Torres sente como que a presença da catástrofe próxima, a Grande Guerra que vai consumir milhões de vidas humanas, nos campos de batalha ou nas trincheiras, em que na verdade lutam antagonismos econômicos, defendendo-se e alimentando-se com as proteínas da "chair à canon".

O resenhista assim apresenta a obra: "A organização nacional é um texto formado por um longo prefácio e três seções, 'A terra e a gene do Brasil', com dez capítulos, 'O governo e a política', com seis, e 'Da revisão constitucional', com quatro. O projeto de revisão constitucional aparece num apêndice, no final, depois da Constituição de 1891".

No prefácio, depois de refutar a Constituição de 1891, com sua "roupagem de empréstimo", inspirado no australiano Cockburn, prega uma forte intervenção estatal, uma presença ativa do poder público na condução dos interesses nacionais.

Na primeira parte mostra os desajustes entre a terra e a gente do Brasil, um desajuste histórico em que o homem não se adaptou à terra, nem às instituições. O Brasil carecia de estadistas de estatura, como o eram os pais fundadores dos Estados Unidos. Aqui não havia princípios que amalgamariam a unidade nacional. Só havia interesses incrustados nos homens do poder. A ausência de solidariedade era total. Na primeira seção, na descrição do povo e de sua ocupação econômica, aponta para o caráter predador da economia, voltada totalmente para a exportação. De patriotismo tínhamos apenas assomos mas não uma ação tenaz, refletida e duradoura. Apontava para os fatores em torno dos quais a unidade nacional seria construída. Sua visão era fundada no positivismo. Numa primeira leitura, em 2009, eu sublinhei um parágrafo quase inteiro, sobre essa unidade e identidade a ser construída em países emergentes:

"A pluralidade racial, porém, é uma característica normal das sociedades formadas por migração e de nenhum modo representa uma desvantagem. Alberto Torres se opõe explicitamente às doutrinas do branqueamento. Nenhum grupo humano tem predisposição espontânea para ser superior ou inferior. Suas possibilidades dependem totalmente das condições ambientais, das oportunidades de trabalho, de educação e de desenvolvimento intelectual. Qualquer indivíduo, seja qual for sua origem, estará sujeito à degradação, se abandonado, como tantos brasileiros, nas condições mais desfavoráveis. Isso ocorre também aos colonos europeus, quando lhes faltam os meios para dominar o ambiente, aplicar seus conhecimentos de organização e de produção. Esses colonos, porém, vinham recebendo, segundo Torres, maior atenção governamental que os trabalhadores brasileiros".

A função criadora da política ocupa a segunda seção do livro. Essa função criadora é a parte central da obra, a sua tese.  Ele propõe uma agenda brasileira que incluiria como pontos principais, um novo estilo de ocupação territorial, menos destruidor e menos dependente, que necessitaria de uma exploração mais inteligente, racional, de preservação e não de cultivo predador. Da agenda ainda constaria a prioridade para a produção de alimentos, de indústria para atender às necessidades básicas, fornecimento de terras, meios de trabalho, medidas de apoio à comercialização, enfim, promover "o bem-estar popular. Entre tantas outras medidas, sempre de indução do Estado.

Para isso, seria necessária a reforma da Constituição. Essa reforma ocupa a terceira seção de seu livro. Viu na República, a destruição de todos os princípios de organização, "A Revolução de 15 de novembro lançou por terra toda a organização política e administrativa do país". Caberia aos constituintes, a total reorganização. E aí entram as suas várias propostas, com todo o destaque para a instituição de um Poder Coordenador, que teria como finalidades "concatenar todos os aparelhos do sistema político", garantir "a soberania da lei, a democracia, a república, a autonomia e a federação". Também a composição do Senado chamava particular atenção, com a representação da sociedade civil. Apresenta todo um esboço de reforma constitucional.

E uma pergunta. Seria o Poder Coordenador um programa autoritário? O resenhista assim trata a questão. "Talvez, mas essa palavra é mais um carimbo do que um esclarecimento. O projeto de revisão constitucional, poderia responder Alberto Torres, nasceu de um exame da realidade brasileira, não de um modelo abstrato de forma de governo. Seria difícil contestar esse argumento. O livro A organização nacional foi escrito há mais de oitenta anos (agora já há mais de cem), mas alguns de seus grandes temas, como a ordem federativa e a articulação de políticas nacionais, continuam presentes nos debates sobre o sistema de impostos e sobre o processo orçamentário".

Para encerrar, o resenhista usa a voz de Oliveira Viana para falar da importância de Alberto Torres: "Torres e eu, o que um e outro fizemos - em relação ao conhecimento científico das instituições políticas e da estrutura do Estado - constitui, aqui, nesta novidade metodológica: considerar os problemas do estado ou, melhor, os problemas políticos e constitucionais do Brasil, não apenas simples problemas de especulação doutrinária ou filosófica - como então se fazia e como era o método de Rui; mas como problemas objetivos, vinculados à realidade cultural do povo econsequentemente, como problemas de comportamento do homem brasileiro na sociedade brasileira - de 'comportamento', no estrito e técnico sentido que a esta expressão lhe dão os sociologistas americanos (como, por exemplo, Ralph Linton e Donald Pierson, em livros que estão hoje, em nosso país, nas mãos de todos os estudiosos das ciências sociais".

Sobre Oliveira Viana vejamos. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-14-instituicoes.html

E como de hábito, a última publicação, A América Latina: males de origem, de Manuel Bonfim.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/05/um-banquete-no-tropico-america-latina.html

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