sábado, 16 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 26. O abolicionismo. Joaquim Nabuco.

Este é o vigésimo sexto trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Araraquara, da obra O abolicionismo, de Joaquim Nabuco. A resenha encontra-se em Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, volume IIlivro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 167 a 190. O abolicionismo aparece no fervor das lutas em favor da libertação dos escravizados, oferecendo subsídios para as campanhas, no ano de 1883. É considerado o mais importante livro sobre o Brasil, escrito ao longo de todo o século XIX. Na minha modesta concepção, trata-se de um dos mais importantes livros, entre todos os que buscam explicações para o Brasil do passado e o Brasil de hoje. Grande Joaquim Nabuco. Ele nasceu no Recife (1849) e morreu em Washington (1910).

No volume II, a resenha de O abolicionismo. 

O resenhista começa o seu trabalho fazendo uma contextualização da época de sua escrita, o ano de 1882 (a publicação é de 1883). O movimento abolicionista estava em crise, atravessando uma fase de profundo marasmo e calmaria e mesmo de indiferença. Era, no entanto, um momento favorável à causa, em virtude da conjuntura internacional, em meio a uma racionalidade industrial e de trabalho livre. A escravidão no Brasil era, portanto, uma instituição fora do tempo, já que o Brasil também estava dando seus passos em busca da mesma racionalidade. No plano abstrato, todos eram abolicionistas, mas na efetividade dos fatos, o Imperador e o Parlamento titubeavam e os republicanos se esquivavam. Temiam perdas. O próprio Nabuco, em 1881, perdera a sua cadeira no Parlamento.

Aos 30 anos bradava: "A grande questão para a democracia brasileira não é a monarquia, é a escravidão". Os escravocratas ainda detinham muito poder e os abolicionistas careciam de fundamentos teóricos e pragmáticos para embasar a campanha. No prefácio assim ele apresenta o livro: "sementes de liberdade, direito e justiça". E faz a convocação para que todos formem "uma
só legião" para "apressar, ainda que seja de uma hora, o dia em que vejamos a Independência, completada pela Abolição e o Brasil elevado à dignidade de país livre". Faz, portanto, uma crítica às instituições escravagistas, uma defesa apaixonada da libertação, oferecendo para isso a qualificação dos discursos. A escravidão a tudo degradava.

A forma da apresentação da resenha está focada em quatro grandes tópicos, tidos como os alicerces contra a escravidão. 1. A escravidão como fato global; 2. A escravidão como um veto à liberdade; 3. A abolição deveria se fundamentar em indignação ética e pragmatismo político; 4. O abolicionismo deveria vir acompanhado de uma ampla reforma da sociedade. Esse quarto tópico é assim sintetizado em um discurso seu, em sua campanha de 1884: "Não nos basta acabar com a escravidão; é preciso destruir a obra da escravidão". O livro não é longo. O exemplar de que disponho tem 183 páginas, divididas em 17 capítulos. Os tópicos alinhavados pelo resenhista não são títulos de capítulos.

No tópico sobre a escravidão como fato global são mostrados os estragos causados pela instituição da escravidão, do fato de ela existir. Ela deturpa a nacionalidade, o território, a população, a sociedade e a política. Ela além de ilegítima e ilegal, promove também a ruína econômica e impede o avanço do progresso. "Habitua o país ao servilismo, desonra o trabalho manual, retarda a aparição das indústrias, desvia os capitais de seu curso natural, excita o ódio entre classes, produz uma aparência ilusória de ordem, bem-estar e riqueza, a qual encobre os abismos da anarquia moral, miséria e destruição". A escravidão forma "uma nação de proletários". E ainda, "O caráter de sua cultura é a improvidência, a rotina, a indiferença pela máquina, o mais completo desprezo pelos interesses do futuro, a ambição de tirar o maior lucro imediato com o menor trabalho possível, qualquer que seja o prejuízo das gerações seguintes". Quanto ao território, a escravidão extenua o país e quanto ao tecido social, suga todas as energias dos envolvidos. Forma o inexistente cidadão brasileiro. Fechava as portas para uma sociedade plural, sob a aparência de um governo livre e de uma paródia de democracia. Assim, liberal como era, fez a denúncia de um liberalismo mentiroso. Escravidão é sinônimo de degradação total e de tudo.

O segundo tópico, um veto ao povo e à liberdade, não é menos incisivo. O hábito da escravidão gera o desprezo pela liberdade, impede a autonomia e faz abdicar das funções cívicas, da preocupação política e da responsabilidade social. Em sua campanha de 1844 era categórico em afirmar os resultados da escravidão nesse campo. "Ela só pode ser administrada com brandura relativa quando os escravos obedecem cegamente e sujeitam-se a tudo; a menor reflexão destes, porém, desperta em toda a sua ferocidade o monstro adormecido. É que a escravidão só pode existir pelo terror absoluto infundido na alma do homem". Por isso mesmo a campanha da abolição só podia ser dirigida a homens livres. Caso fosse feita pelos escravos, levaria à insurreição. Nabuco pregava a reforma que interessava a todos. Em suma, "a escravidão  corrompia os governos, tornava egoísta a sociedade e bloqueava a iniciativa da massa escrava, forçando-a à ignorância, à passividade e à resignação. Como então acabar com ela? Quais seriam seus sujeitos, seus protagonistas, seus animadores.

O terceiro tópico, o da indignação ética e pragmatismo político, se relaciona com a administração da abolição. Os estragos da escravidão, por si só, deveriam garantir a luta pela abolição. Ela prejudicava a todos, especialmente, os mais envolvidos: Coroa, latifundiários e, obviamente, os escravos. Pela conjuntura internacional ela não mais viveria em paz. Ela teria que corromper e corromper-se. Aí passa a analisar a administração da abolição por uma série de medidas protelatórias. Define a Lei do Ventre Livre (1871) e a dos Sexagenários (1884) como leis de berço e de túmulo. Elas não atingiam ninguém. Essas medidas eram como a Divina Comédia, amputada do Paraíso. Só tinham Inferno e Purgatório. Foram mais de dez anos de protelações. A campanha deveria se fazer por meio de uma agitação permanente, por uma frente que envolvesse a todos, especialmente, os agentes políticos. A campanha deveria ser assumida por todos como "a escola primária de todos os partidos, o alfabeto da nossa política". Ela deveria ser feita pelo Poder, pela Coroa, tendo o Parlamento como a sua tribuna.

No quarto tópico, o abolicionismo como reforma social, aparece o seu programa de emancipação dos escravos libertos. Aí aparece uma das frases mais marcantes de Nabuco, pronunciada na sua campanha de 1884. "Não basta acabar com a escravidão; é preciso destruir a obra da escravidão". Era preciso um trabalho completo para efetivar a emancipação, da qual a abolição era apenas a tarefa mais imediata. Para ela ser completa anuncia o seu programa de reformas sociais. Para apagar o vestígio de trezentos anos, a primeira medida seria a do "derramamento universal da instrução". As reformas deveriam ser profundas com a alteração de todas as "estruturas da sociedade, os hábitos e as hierarquias, as instituições e os valores". Seria inimaginável conceber a abolição sem uma reforma agrária, que seria a constituição da democracia rural", pela difusão da pequena propriedade do campo, na qual hoje, em contraposição ao agronegócio, se firma a chamada agricultura familiar. Além disso, uma legislação trabalhista e previdenciária seriam necessárias para completar esse quadro de reformas. Esse processo jamais se daria por geração espontânea. Deveriam ser medidas induzidas pelo Estado.

Ao não se fazer essas reformas, abolindo apenas o fato da existência da escravidão, seria "manter um foco de infecção moral permanente no meio da sociedade, tornando endêmico o servilismo e a exploração do homem pelo homem". As reformas decisivas "não poderão ser realizadas de um jacto, aos aplausos da multidão, na praça pública". Terão de ser executadas "dia por dia, noite por noite, obscuramente, anonimamente, no segredo de nossas vidas, na penumbra da família, sem outro aplauso, nem outra recompensa, senão os da consciência avigorada, moralizada e disciplinada, ao mesmo tempo viril e humana". Só assim teríamos "um povo forte, inteligente, patriota e livre. Só assim seria possível "suprimir efetivamente a escravidão da constituição social".

Anuncia ainda os resultados finais da primeira etapa da abolição. 8 de maio - apresentação da proposta; 9 de maio, aprovação na Câmara; 11 de maio, aprovação no senado; 13 de maio, aprovação por Lei Extraordinária, em pleno dia de domingo. Com a não implementação de seu plano de reformas e com a proclamação da República, num "espírito jacobino" e "militarismo plebeu", Nabuco se afasta da vida política, continuando como um "monarquista ortodoxo e melancólico", na classificação dada pelo resenhista. Em 1899 volta ao governo para cumprir missões diplomáticas.

Na coleção de livros Grandes nomes do pensamento brasileiro, publicado pela Folha de S.Paulo, por ocasião das comemorações dos 500 anos do "descobrimento", O abolicionismo está incluído. É a edição que tenho. Dela seleciono dois parágrafos da apresentação, escrita por Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco. O primeiro é uma citação do estudioso das questões pernambucanas, Evaldo Cabral de Mello. "Ele foi, com efeito, o primeiro a articular uma visão totalizadora da nossa formação histórica, fazendo-a a partir do regime servil. Nessa perspectiva, a escravidão não constitui um fenômeno a mais, inegavelmente relevante mas devendo ser levado em conta em igualdade de condições com outros, como a monocultura ou a grande propriedade territorial. Segundo Nabuco, foi a escravidão que formou o Brasil como nação, ela é a instituição que ilumina nosso passado mais poderosamente que qualquer outra. A partir dela, é que se definiram entre nós a economia, a organização social e a estrutura de classes, o Estado e o poder político, a própria cultura. O abolicionismo fez assim da escravidão o protagonista por excelência da história brasileira, instituição que tem sido longamente explorada por historiadores, sociólogos e antropólogos, embora raramente reconheçam esta dívida intelectual". 

A segunda é do próprio Nabuco, feita num pronunciamento no Recife, em 1884 e que hoje estão contidas no livro Campanha abolicionista no Recife; eleições de 1884. "A propriedade não tem somente direitos, tem também deveres, e o estado da pobreza entre nós, a indiferença com que todos olham para a condição do povo, não faz honra ao Estado. Eu, pois, se for eleito, não separarei mais as duas questões - a da emancipação dos escravos e a da democratização do solo. Uma é o complemento da outra. Acabar com a escravidão não nos basta; é preciso destruir a obra da escravidão. [...] Sei que falando assim, serei acusado de ser um nivelador. Mas não tenho medo de qualificativos. Sim, eu quisera nivelar a sociedade, mas para cima, fazendo-se chegar ao nível do art. 179 da Constituição do Império que nos declara todos iguais perante a lei".

Deixo mais dois links. O primeiro é o de um trabalho sobre Nabuco, para publicação em revista. Posteriormente também o publiquei no meu blog. O texto foi produzido no ano de 2009. Tem por título - Após cem anos - a atualidade de Joaquim Nabuco. O Patrono da raça negra. 

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/06/apos-cem-anos-atualidade-de-joaquim.html

O segundo é o de hábito nesse projeto. É o trabalho anterior, de Oliveira Lima - D. João VI no Brasil.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/05/um-banquete-no-tropico-25-d-joao-vi-no.html

Em tempo. Ao ler a resenha sobre Minha formação - também de Joaquim Nabuco, não considerei justo não transcrever um parágrafo, já da parte final do livro, quando ele faz um relato de seus tempos de juventude, do encontro com um jovem escravizado. Vejamos: "Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de dezoito anos, o qual se abraça a meus pés, suplicando-me pelo amor de Deus que o fizesse comprar por minha madrinha para me servir. Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque o dele, dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida. Foi esse o traço que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava".


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