quinta-feira, 7 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 12. Formação do Brasil contemporâneo. Caio Prado Júnior.

 Este é o décimo segundo trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por José Roberto do Amaral Lapa, historiador da Unicamp, da obra de Caio Prado Júnior (1907-1990) Formação do Brasil Contemporâneo - Colônia. A resenha encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 257 a 272. A primeira edição do livro data do ano de 1942. Ela é inspirada no pensamento dialético marxista, a primeira grande obra de interpretação do Brasil, sob essa ótica. 

No volume I, a décima segunda resenha.

O resenhista começa nos apresentando dados biográficos de Caio Prado, como a sua formação em Direito pela USP e a sua atuação como proprietário da Editora Brasiliense. Em sua obra predominam os aspectos econômicos, próprio da análise a partir da dialética marxista. Apesar de sua filiação ao Partidão, sempre manteve a sua autonomia e independência intelectual, em discordância com as vozes oficiais do partido, o que não era fácil na época.

Formação contemporânea do Brasil, tem um subtítulo - Colônia. Busca em nossa história passada os elementos para a projeção futura do país. O livro analisa, portanto, os nossos trezentos primeiros anos. O modelo de colonização estava completamente exaurido. O livro foi concebido para ter continuidade, fato que não ocorreu. O livro está dividido em três partes: Povoamento, com quatro capítulos; vida material, com nove e vida social, com três, além de uma introdução, com 14 páginas. Suas fontes são os livros e as viagens. Como tem em sua vida muitos elementos de formação em geografia, esta tem grande influência em sua obra.

Na introdução nos fala do sentido da colonização. Ela sempre foi ditada pelo capital, dentro da divisão internacional do trabalho. Aqui seria construído algo fora dos padrões europeus. Mesmo depois de
nossa independência, não mudamos o modelo. Permanecemos colônia, marcada pela desigualdade e injustiças, pelo não desenvolvimento e pela ausência de soberania. Tudo sempre foi imposto pelo exterior. Vejamos: "O autor defende esse mergulho no passado absolutamente convicto; não se trata de devaneios históricos, mas de busca das causas verdadeiras do comprometimento do processo. Em outras palavras e operando com nossos conceitos, diríamos que continua prevalecendo então uma ordem social colonial. Se essa ordem é impositiva e tem origem externa, para corresponder a ela engendra-se internamente, mas com o consentimento e concurso dos centros externos de decisão, uma solução que compromete definitivamente a realidade histórica, que é a escravidão que deixará um legado que chega até os nossos dias".

Aparecem assim as teses sobre a colonização portuguesa: a sua origem por um vasto empreendimento mercantil, sem preocupações com a formação de uma sociedade unitária e integrada. Uma agricultura de exportação, no interesse dos europeus. Um sistema de exploração. Uma triste constatação que mostra a nossa dependência mesmo depois de 1822 ,"permanecendo assim o estatuto colonial, que nos inferioriza e nos constrange nas tentativas de rompimento, quase que fatalmente destinadas ao fracasso pela própria ótica que o autor construiu com certa obsessão", nos assevera o resenhista.

Na primeira parte, sobre o povoamento ele nos fala do próprio e de sua extensão para o interior e sobre as correntes de povoamento e das raças. Entram em cenas as três raças e a ação dos jesuítas na ordenação social. Assinala que a mestiçagem favoreceu a colonização e que a escravidão a tudo deturpou. Anulou tudo o que havia de positivo nas raças que se degeneraram fatalmente com a "lascívia, ociosidade, inorganicidade". Vejam, uma visão depreciativa e preconceituosa. Os males irreparáveis da escravidão.

Na segunda parte, a mais longa, está a descrição das características de nossa economia, destinada aos mercados externos, com pouca importância para os produtos de subsistência e nenhum interesse em preservação, sendo então, a destruição florestal e a lavoura predatória, mais uma das características. Em sua análise, o que se aplicava para a agricultura, também se aplicava para a mineração. A análise passa também pela pecuária, essa sim, voltada para o mercado interno e que contribuiu para a ampliação de nossa extensão territorial. Analisa também o extrativismo da Amazônia  e as vias de transporte e comunicação. Analisa ainda que havia fortes interesses antagônicos entre os comerciante e os
colonizadores, fatores causadores de revoltas regionais. Essa parte promoveu muitas análises posteriores. As questões, sob essa ótica, começavam apenas a ser levantadas.

A terceira parte, destinada a vida social examina a organização, a vida social e política. Tudo foi influenciado pelo mal da escravidão. Encontramos aí as mais pesadas críticas da obra, vejamos as palavras do resenhista: "É o momento em que faz uma acerba condenação dessa capacidade que teve a Europa de ressuscitar uma instituição, sem hesitar para tanto em despojar-se de todos os valores morais, que representavam os pilares sobre os quais construíra a civilização ocidental moderna".

Já na conclusão ele aponta para os comprometimentos. Vejamos o resenhista: "Em decorrência, prossegue na conclusão, pretos boçais e índios apáticos só poderiam mesmo comprometer a economia e a sociedade aqui produzidas. O resultado de sua contribuição estaria na massa da população livre, comprimida entre os senhores e escravos, composta pelos desclassificados de toda ordem, na verdade e no seu entender o grande ônus da sociedade colonial". E continua: "Procura mostrar que levam uma vida puramente vegetativa, sem ideias e ideais, robotizada enfim, exigindo das elites estratégia e formas de contenção, que vão da repressão ao favor, evitando com isso as tensões sociais e a revolução, muito embora ele, autor, abra um espaço privilegiado para as insurreições que ocorreram na colônia, que entretanto não lograram seu intento, fosse este revolucionário, fosse mais imediatista e acomodatício". Tudo isso tornou a obra uma semeadura para colheitas posteriores.

Conclui que os grandes órgãos da estruturação da vida social foram a família patriarcal e o poder da Igreja. A tudo abrigavam e a tudo submetiam. Tudo gravitava em seu entorno, sendo as cidades meros apêndice ou reflexos do campo. Ali se concentravam comerciantes, vadios e prostitutas.

Como era comum na época, a estrutura social era comparada a estrutura corporal, daí resultando termos como orgânico e inorgânico, corpo sadio, corpo doente. Assim apresentava a inorganicidade ou o corpo doente da estrutura social brasileira. Fomos anomalias desde o nascer e passando pela puberdade. O que seria necessário então, para ter um futuro saudável? Transformar a inorganicidade em organicidade, através da Revolução. Qual é então uma síntese desse Brasil contemporâneo? assim se expressa Amaral Lapa: "Retomemos uma das teses centrais do livro, que é a que aponta esse caldo étnico formado por pretos boçais e índios apáticos, engrossados por brancos degenerados e decadentes, para usarmos uma desdenhosa adjetivação do autor, como sendo o substrato da nossa sociedade, fatal comprometedor de um processo revolucionário que pudesse romper com essa decisiva barreira de origem". E continua: "mas resta ainda a multidão de desclassificados, que seria melhor definir como desqualificados, i. e´., sem qualificação para responder às exigências da ditadura de mercado, cada vez mais apuradas, quando muito admitindo que sejam acomodados nas fímbrias desse mercado, num nível de vida que integra ou resvala a miserabilidade".

A resposta ele daria 24 anos depois (1966) no mais combativo de seus livros A Revolução brasileira. "Revolução, em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico assinalado por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas, que, concentradas em período histórico relativamente curto, vão dar em transformações estruturais da sociedade, em especial das relações econômicas e do equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais". E Amaral Lapa conclui: "Estava então convencido de que o Brasil vivia mais um daqueles momentos decisivos para as transformações esperadas, que entretanto, como sabemos, não se deram".

O livro de Caio Prado Júnior também integra a coleção "Grandes nomes do pensamento brasileiro", publicada  em "comemoração aos 500 anos de descobrimento". Uma bela edição. Ao final encontramos um guia de leitura, assinado por Gilson Schwartz. Ele destaca o caráter de interpretação marxista da obra. Vale demais a leitura. Deixo ainda a resenha de um livro biografia do autor, escrito por Luiz Bernardo Pericás. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/03/caio-prado-junior-uma-biografia-politica.html e também o último trabalho desse projeto, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda.http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-11-raizes-do.html


 


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