domingo, 10 de julho de 2022

Um banquete no trópico.17. Formação da literatura brasileira. Antônio Cândido.

Este é o décimo sétimo trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por Benjamin Abdala Júnior, professor de estudos comparados de literaturas da língua portuguesa da Universidade de São Paulo, da obra Formação da literatura brasileira (momentos decisivos)de Antônio Cândido. A resenha encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 357 a 379. A primeira edição do livro data de 1959 e é dividida em dois volumes. O primeiro abrange o período de 1750 a 1836 e o segundo de 1836 a 1880. A formação da literatura brasileira dá-se com o arcadismo e com o romantismo.

Décima sétima resenha. Volume I. 

O resenhista começa por apresentar dados biográficos. Antônio Cândido nasceu no Rio de Janeiro em 1918. Passou sua infância e juventude entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, fixando-se depois em São Paulo. Formado em filosofia pela USP, logo irá substituir o professor Fernando Azevedo, na cadeira de sociologia. Politicamente sempre esteve vinculado com a esquerda. Em 1947 foi um dos fundadores do PSB e em 1980, do Partido dos Trabalhadores.

Depois dos dados biográficos, o resenhista apresenta o primeiro título da obra. À procura da nação. Ali estão os fundamentos da nossa literatura. Eles estão no arcadismo e no romantismo. Os escritores desses períodos procuravam responder a questão de como imaginávamos o país independente ou que caminhava para tal. Então, a nossa literatura começou como uma luta contra a descolonização. Antônio Cândido escreve o livro em um momento muito semelhante (1959), quando a colonização atinge novas formas e amplia seus raios de ação, estendendo-se para além da política também para os campos social, econômico e cultural. Na base de sua obra estão os pensadores do Brasil das décadas de 1930 e 1940, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior. Formação da literatura brasileira é publicado um ano depois de Os donos do poder (1958), de Raymundo Faoro e no mesmo ano de Formação Econômica do Brasil (1959), de Celso Furtado. Todos tinham em comum a busca de uma identidade brasileira, a partir de uma tomada de consciência da nossa realidade.

Esse sentimento é que nutriu os árcades e os românticos. Primeiramente queriam temas nacionais, o culto da mãe terra e dos povos nativos. Depois perceberam-se como integrantes de uma cultura universal, que tinha, porém, características peculiares. Haviam percebido vínculos europeus, vínculos de colonização, um verdadeiro transplante da literatura portuguesa. Vejamos Antônio Cândido: "A nossa literatura é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem do jardim das musas... Os que se nutrem apenas delas são reconhecíveis à primeira vista, mesmo quando eruditos e inteligentes, pelo gesto provinciano e falta de senso de proporções [...] Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela e não outra, que nos exprime". Esse quadro precisava ser revertido.

A análise segue sob o título - Sistema literário nacional. Começa fazendo uma distinção entre manifestações literárias e sistemas de literatura. O sistema se dá por obras com denominadores comuns que permitem reconhecer uma fase, pelas articulações entre autor, obra e público. O que tínhamos do século XVI até meados do XVIII foram manifestações. Já, de meados do XVIII, tivemos um sistema, que se consolida um século depois. Assim tivemos belas manifestações, como as do padre Vieira e de Gregório de Matos. A mudança veio com o ciclo do ouro, com novos centros urbanos e a intensificação de atividades culturais. É um momento de congraçamento entre a história e a literatura. Aí ocorre o momento em que aprendemos a nos ver e a nos imaginar num sentido prospectivo de como poderemos ser. Um futuro por inventar. Aí o título passa a ser - Uma literatura congregada: configura-se o sistema literário. A frase de abertura é muito clara. O arcadismo é o momento decisivo em que a literatura adquire, no Brasil, "características orgânicas de um sistema".

Um sistema, uma obra e um público. São os momentos decisivos da formação.  O sistema se fortalece com o surgimento das Academias. Em salvador surge, em 1759, a dos Renascidos. Em 1795, as autoridades coloniais fecham a do Rio de Janeiro. Elas surgem junto com o movimento iluminista e os ideais de independência.  Era ainda uma literatura pobre, mas não era mais o espelho da portuguesa. Surgem os nomes; Cláudio Manuel da Costa (1729 -1789), Basílio da Gama (1741 - 1759) e Sílvio Alvarenga (1749 -1814). O resenhista mostra também uma transição do arcadismo para o barroco e os poetas da inconfidência mineira. Entre eles se destaca Tomás Antônio Gonzaga, com Marília de Dirceu, a primeira mulher a ser representada na literatura brasileira. Em Cartas chilenas, uma feroz ironia é mostrada, numa representação social da vida mineira. Com a decadência do ciclo do ouro e da vinda da corte para o Rio de Janeiro, a vida cultural se transfere para junto da corte.

Na corte, muita exaltação poética e pouca criatividade artística. Natureza, nativismo e índios são exaltados, mostrando os temas nacionais, pré-independência. As maiores influências serão agora francesas. É uma literatura bastante oficial e de pouco valor artístico. O destaque vai para Gonçalves de Magalhães. O momento decisivo da poesia romântica chega com o "verdadeiro fundador da literatura nacional", Gonçalves Dias (1823-1864) com o I Juca Pirama. Gonçalves Dias também é visto como o precursor de Junqueira Freire e Castro Alves. Com Gonçalves Dias, surge uma nova literatura para um novo país. Vejamos, na descrição de Antônio Cândido. "Fez do romance verdadeira forma de pesquisa e descoberta do país. A nossa cultura intelectual encontrou nisso um elemento dinamizador de primeira ordem, que contribuiu para fixar uma consciência mais viva da literatura como estilização de determinadas condições locais. O ideal romântico-nacionalista de criar a expressão nova de um país novo encontrava no romance a linguagem mais eficiente".

No século XIX  o romance se adapta ao novo estilo de vida. Ele terá três locus distintos, a cidade, o campo e a selva. José de Alencar será o representante maior. Apesar de uma pessoa conservadora consegue elaborar personagens bem complexos. Índios e os bons moços da burguesia urbana serão os seus personagens. Uma das grandes expressões do período será  Joaquim Manuel de Macedo, com Moreninha. Maior ainda será Manuel Antônio de Almeida, com a sua clássica descrição da vida social do Rio de Janeiro, em Memórias de um sargento de milícias. Aparecem ainda como destaques, Alfredo d' Escragnolle Taunay, com Inocência e Bernardo Guimarães, com Escrava Isaura, já com pinçadas socialistas.

Com a criação das faculdades de Direito forma-se um público para uma nova geração de poetas. Românticos ultra ou de segunda geração. Sobre eles recai o estereótipo do poeta de vida curta, que divide sua vida entre "castos suspiros e desregramentos carnais". Na verdade eles fugiram de vidas burocraticamente vividas, encontrando refúgio, ou no lirismo ou nas obscenidades da vida. Lembra deles? Álvares de Azevedo (1831-1851), Casimiro de Abreu (1839-1860), Junqueira Freire (1832-1855), Fagundes Varela (1841-1875). Na terceira geração dos românticos aparece Castro Alves, que soma à poesia a força da oratória, mobilizando e arrastando as massas. Surgem ainda historiadores e críticos, com destaque especial para Joaquim Nabuco.

O momento de encerrar o período romântico é quando eles põem em cena os grandes temas universais. Já estamos falando de Machado de Assis. Abdala Júnior assim conclui a sua resenha: "A consciência crítica da maneira de ser da cultura brasileira nutre-se, pois, da dialética contraditória entre o local e o universal. De um lado há a historicidade da tradição interna, que teve suas origens no processo de inculcação colonial e estabelece um linha de continuidade; de outro, os repertórios de circulação entre os sistemas culturais articulados ao do Brasil. Entre os dois polos (interno e externo) abrem-se espaços para revelar carências, que favorecem uma tomada de consciência, conforme a perspectiva da crítica empenhada da Formação, aqui alargada para o conjunto da cultura. Essa tomada de consciência - uma maneira crítica de nos ver e de nos imaginar como comunidade nacional - reúne condições então, no particular da série literária como as de outras séries de nossa cultura, de levar ao aprofundamento das sugestões locais, formas de nosso imaginário que se fazem assim universais".

Grande Antônio Cândido. Como é interessante perceber o quanto a história, a literatura e a cultura correm paralelas, se entrecruzam e se fecundam. Deixo ainda o trabalho anterior, Os donos do poder.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-16-os-donos-do.html


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