segunda-feira, 11 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 18. Conciliação e reforma no Brasil. José Honório Rodrigues.

 Este é o décimo oitavo trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por Alberto da Costa e Silva, que teve o privilégio de ter sido aluno do mestre, no Instituto Rio Branco, do livro Conciliação e reforma no Brasil, de José Honório Rodrigues. A resenha encontra-se em Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 381 a 392. O livro teve a sua primeira publicação no emblemático ano de 1964, ano em que a própria conciliação, tão contestada, foi esmagada pelo poder armado e violento da ditadura militar.

No volume I, a resenha da obra de José Honório Rodrigues.

Alberto da Costa e Silva começa nos apresentando o autor e a sua obra. José Honório Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro em 1913 e ali também morreu em 1987. Sua vida profissional foi dedicada ao Direito e aos estudos de História, com grande destaque para a historiografia brasileira, campo para o qual deixou suas maiores contribuições. Foi diretor do Instituto Rio Branco e professor nos cursos de pós-graduação da UFRJ e UFF. Quanto ao livro em análise, o resenhista assim o apresenta:

"Trata-se, afinal, de um volume em que se reúnem uma conferência (A política de conciliação: história cruenta e incruenta), um resumo cortante e direto do pensamento que nela se expressa (Teses e antíteses da história do Brasil), dois longos artigos de jornal (O voto do analfabeto e a tradição política brasileira e Eleitores e elegíveis: evolução dos direitos políticos no Brasil) e um texto de combate (A política nacional: uma política subdesenvolvida) - tudo escrito na véspera e logo depois do 31 de março e a refletir, como era natural, expectativas frustradas, decepções, mágoas, queixas, tristeza, repulsa, ressentimentos e indignação". Esse é o livro. Belíssimo tema. Conciliação!

O que o autor entendia por conciliação, pois, há conciliação e conciliação. É preciso distinguir. Vejamos uma primeira descrição do resenhista: "Entre os que se foram tornando no povo brasileiro - os índios convertidos e os selvagens, os negros escravos, libertos, africanos e crioulos, os brancos reinóis e os mazombos, os mamelucos, os mulatos e os cafusos, tão diversos entre si, tantas vezes conflitantes e na aparência irredutíveis -, venceram os conciliadores sobre a violência dos intransigentes, num processo a que não faltaram pelourinhos, quilombos, motins, revoltas, repressões sangrentas, fuzilamentos, enforcamentos, esquartejamentos, guerras e mais guerras, mas no qual, se foi importante, nos momentos em que prevaleceram, o papel das elites conciliadoras, muito mais decisivo foi o das maiorias que se miscigenavam, 'os indígenas vencidos, os negros cativos, os mestiços de todas as cores'". 

Houve acomodações que nos garantiram a unidade territorial e houve conciliações nas relações sociais do cotidiano, que tornaram a nossa história menos violenta como a dos Estados Unidos e a da América espanhola. Houve também lutas como as do período das Regências e houve quatrocentos anos de escravidão. Houve imigrantes bem-vindos e houve lideranças que se impuseram pela força. Ele cita nominalmente os violentos e duros, como João Ramalho, Pedro I, o regente Feijó e Floriano Peixoto. Entre os conciliadores cita Diogo Álvares, José Bonifácio, Pedro II, Carneiro Leão e Caxias e todo o período do Segundo Reinado (1848- 1880), no qual houve anos de absoluta e total legalidade. Cita a liberdade dos republicanos para proclamarem suas ideias, a extensão do voto aos analfabetos e o respeito e prestígio internacional de que gozava o monarca Pedro II. À conciliação faltou o progresso. Este, ao longo do século XIX, só foi atingido por dois países, fora do círculo europeu: Estados Unidos e Japão. Aqui permaneceu o divórcio entre Nação e Poder. Em nome da concórdia, protelava-se.

A conciliação se dava, cita o autor, pela inércia. Sempre empurramos para o futuro os nossos problemas e os enfrentamos "temerosos e prudentes", quando já não havia mais jeito e sempre com a aplicação de remédios com o prazo de validade vencido. Pouco se respeitava a diversidade e sempre se procurava anular os dissensos. Perdoava-se uma elite revoltosa (os Farrapos) mas trucidavam-se os miseráveis, como no caso dos cabanos e dos beatos de Canudos. Periodicamente, os diminutos grupos do poder eram reforçados. Formavam-se consensos em favor do status quo. 

Uma das abordagens mais bonitas é a que envolve a questão da terra, que, praticamente ficou inalterada ao longo de toda a nossa história. Traça um comparativo da Lei da Terra de 1850 com o Homestead Act, do presidente Lincoln, de 1862. Pelo ato de Lincoln se favoreceu a imigração. Por ele, quem ocupasse até 160 acres de terras e as cultivasse por cinco anos se tornava proprietário. Aqui, pela Lei da Terra, praticamente fizemos uma confirmação da doação das sesmarias e transformamos o dinheiro vivo na única possibilidade de compra, impossibilitando assim o acesso. 

Aqui todas as reformas obedeciam ao princípio dos "passos miúdos e vagarosos". Quanto à tributação, o pobre pagava e o rico usufruía. A conciliação se dava apenas entre os dirigentes dos partidos. Por povo entendiam apenas os "brancos, europeizados e educados". Protelou-se a abolição da escravidão até os limites do impossível. As elites sempre foram avessas ao presente, temiam o futuro e retardavam o nosso progresso histórico. A República interrompeu o processo conciliatório do Segundo Reinado. Ela foi marcada pela intransigência, pela intolerância e pela violência. Floriano Peixoto ganhou triste fama. O massacre contra o povo foi institucionalizado. Assim o foi na Revolução Federalista (1893-1895, na Revolta da Armada (1891-1894) e em Canudos (1896-1897) e um pouco mais tarde no Contestado (1912-1916) e pelas constantes instituições do Estado de Sítio. Havia "um círculo de ferro do poder".

A República fora uma renovação do pacto colonial, não com a metrópole mas com os estados dominantes, no caso, São Paulo e Minas Gerais. O poder se arma em torno da economia cafeeira. Da escravidão passaram para a submissão do trabalhador. É o que leva Vargas ao poder. Com a industrialização houve avanços impensáveis para as populações urbanas. Mas esses avanços não saíram das cidades. O campo foi dominado pela violência policial, como a luta contra o cangaço. A conciliação dura pouco tempo. O aliciamento se torna permanente. Vem o Estado Novo. Praticam-se as ideias do positivismo, há muito postas no arquivo da história em outros países e a conciliação foi assim vista pelo historiador. "Uma arte finória da minoria dominante e visou sempre ao compromisso dos interesses divergentes de seus próprios grupos".

Houve algumas reformas em direção à moderação mas também houve muitos passos para trás. Não houve saltos, esses sim, é que caracterizariam uma revolução. Creio que, em seu entendimento, o que de pior aconteceu foi a não transformação do ex escravo em colono, em pequeno agricultor, integrado ao mercado interno e à vida social do país. Outro retrocesso é o relativo ao voto do analfabeto, liberado no Segundo Império e proibido pelas Constituições de 1891, 1934, 1937 e 1946. Aí o resenhista entra em suas conclusões:

"E a esse divórcio (separação entre 'homens bons' e o povo) e à política de conciliação como fim, que não permitiu que se estreitasse a distância entre os que possuem e os que sofrem o poder, deve-se - assim ensina José Honório Rodrigues - o não se terem resolvido os grandes problemas brasileiros, que continuam os mesmos desde a independência e antes dela, a começar pelo da ocupação e uso da terra. Fomos sempre adiando os desafios, como o de reconhecer ao trabalhador rural e ao homem dos sertões direitos iguais aos do citadino, o de assegurar a instrução para todos, o de reformar um sistema tributário que sempre poupou os ricos e pesou sobre os mais pobres, e, sobretudo, o de respeitar o trabalho dos outros ou, em outras palavras, o de tornar mais justa e racional a distribuição de renda, cuja terrível desigualdade impede a expansão do mercado doméstico". A consideração final do resenhista parece dedicada ao momento vivido, quando da publicação do livro:

"São essas as ideias essenciais, e que aqui se apresentam sem retoques, de Conciliação e reforma no Brasil, um livro que instiga à reflexão e ao debate. Muitos de seus parágrafos, que ficaram fora desta resenha, só guardam interesse para a história, que se confunde com a que viveu o Brasil da sétima década do século XX, durante a qual a conciliação, ainda que pudesse ser infecunda, foi substituída pela recusa ao diálogo, pelo desrespeito aos opositores, pela intolerância mútua e pela intransigência, indo, finalmente, desembocar no autoritarismo..." É. São as grandezas e misérias da conciliação. Deixo ainda a resenha do trabalho anterior. Formação da literatura brasileira, de Antônio Cândido.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico17-formacao-da.html

  

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